Quando eu estava no seminário duas décadas atrás, “direção espiritual” era a nova tendência. Muitos de nós pensávamos que essa era a maior ideia que já tínhamos visto, particularmente para aqueles que cresceram em torno de abordagens muito prescritivas da fé.

Direção espiritual, nós aprendemos, era como obstetrícia: uma parteira não pode criar vida ou controlá-la. Ela apenas pode incentivá-la a frutificar e estar presente para o milagre que já está acontecendo em outra pessoa. Da mesma maneira, dirigentes espirituais facilitam o crescimento, mas não são responsáveis por ele. Ambos dirigentes e dirigidos estão em uma postura de escuta, esperando no Espírito por discernimento e atendendo a vida que Deus está fazendo crescer por dentro.

Este relacionamento parteira-mãe foi situado, pensávamos, na atmosfera superior da maturidade espiritual e buscado por crentes que realmente estavam se esforçando para alcançar uma fé profunda. Estávamos todos conversando sobre isso, lendo livros sobre isso e nos perguntando onde encontrar na terra um dirigente espiritual altamente treinado.

Através de voltas e reviravoltas da vontade de Deus, meu marido, Matt, e eu fomos para a Escócia imediatamente após terminarmos o seminário no Regent College. Matt foi para servir como pastor e eu fui para estudar João Calvino, mas foi lá naquela terra calvinista, onde ninguém sequer tinha ouvido falar daquele termo católico duvidoso “direção espiritual”, que Matt e eu começamos a aprender na realidade. Quando estávamos com saudades de casa, sozinhos e enfrentando insegurança emocional e financeira para realizar meu doutorado, a ideia da “direção espiritual” de repente, caiu do seu lugar no alto escalão da espiritualidade e pousou em nosso colo em um novo disfarce: amizade diária.

Nós tínhamos um pequeno grupo de amigos que se reunia regularmente com pequenas ofertas de jantares e garrafas de vinho cuidadosamente guardadas. Compartilhávamos profundamente sobre as lutas do casamento, as pressões do nosso trabalho sobre o nosso cônjuge, o custo para nossos filhos. Trocamos visões sobre criação de filhos. Assistimos a Copa do Mundo juntos. Mas também choramos uns na frente dos outros. Caminhamos uns com os outros, vimos Deus trabalhar uns nos outros e refletimos isso de volta para o outro onde nós o vimos.

Algumas noites Matt e eu discordávamos tão intensamente que telefonávamos para um desses casais e perguntávamos se podiam estar presentes enquanto brigávamos – não para tomar partido, mas simplesmente para caminhar conosco no perigoso território do confronto. Nossos amigos ofereciam pouco ou nenhum conselho. Eles simplesmente faziam perguntas, ouviam e oravam conosco. Preciso dizer que essas não eram necessariamente pessoas com as quais eu senti uma afinidade instantânea, mas através do compartilhamento comum das nossas vidas, crescemos profundamente juntos e “dirigimos” uns aos outros espiritualmente.

Enquanto Matt e eu crescíamos em afinidade com esta comunidade, eu finalmente comecei a entender que direção espiritual deveria acontecer principalmente entre amigos, cônjuges, pais e filhos. Em outras palavras, direção espiritual não é para cristãos “mais profundos”, como a tendência em curso parece sugerir, mas para todo o povo de Deus. Enquanto eu serei a primeira a reconhecer os ganhos de ter um diretor certificado, a maior parte da direção espiritual pode (e deve) acontecer no contexto desestruturado das amizades, dos casamentos e dos relacionamentos diários. O que define a “direção espiritual” é o comprometimento mútuo a uma postura de escuta – procurando onde o Senhor está trabalhando nos detalhes das experiências cotidianas.

Na Escócia, esta abordagem cotidiana à direção espiritual foi a chave não apenas para a nossa concepção de discipulado. O que mais nos surpreendeu foi que isso também se tornou a âncora para o evangelismo local.

Frequentemente, pastores não querem nada além de escapar de conversas mundanas e transformá-las em discussões de coisas “realmente” espirituais. Mas em uma paróquia rural no norte da Escócia, um dos maiores presentes de ser pastor é que a maior parte do nosso tempo é passada ministrando no contexto da vida cotidiana. As pessoas querem conversar com você sobre os boletins dos seus filhos, sobre os joanetes da sua tia Maria, sobre o nascimento de cordeiros deste ano ou sobre aquele temido tópico, o tempo, que muda 100 vezes no dia na Escócia. Em outras palavras – o caminho para o coração deles é através de conversa jogada fora.

Ninguém veio para os eventos sociais que inicialmente organizamos, para os castelos insufláveis que alugamos e para as refeições comunitárias que anunciamos. Então Matt começou a colocar seu colarinho clerical da igreja da Escócia e foi de porta em porta na nossa pequena comunidade agrícola. Ele era bem recebido nas casas com uma xícara de chá e passava um tempo conversando com as pessoas sobre o preço do grão, sobre a Copa do Mundo, sobre os filhos e os netos deles. Ao ouvir sobre as mágoas e esperanças cotidianas deles, ele foi capaz de gentilmente abrir só um pouquinho seus olhos para onde Deus já estava trabalhando. Muitos deles não tinham ido à igreja da nossa aldeia. Mas se ele lhes perguntasse – como ele sempre fazia ao final de uma visita – onde Deus estava trabalhando em suas vidas, eles conseguiam dizer. Eles sabiam.

Na Escritura, quando Jesus quer comunicar sobre o reino, ele fala sobre filhos rebeldes e ladrões, ervas daninhas e campos do agricultor, estratégias de investimentos e ovelhas. Da mesma maneira, estas conversas “jogadas fora” que acontecem nas casas em toda a nossa paróquia tornaram-se portas para evangelismo e discipulado.

Embora agora estejamos nos Estados Unidos e ministrando em uma pequena igreja rural no estado de Washington, vemos os mesmos padrões. Aqui, também, amizades comprometidas e pequenas conversas mundanas estão se tornando blocos para construção de formação espiritual e trabalho do reino.

“Se intimidarmos as pessoas para conversarem nos nossos termos, se as manipularmos para atenderem nossos planos, não as levamos a sério onde elas estão no comum e no cotidiano”, escreve Eugene Peterson no The Contemplative Pastor. “Nem é provável que nos tornemos conscientes dos minúsculos brotos de graça que o Senhor está permitindo crescer no quintal de suas vidas. Se evitarmos jogar conversa fora, abandonamos o próprio campo no qual fomos designados para trabalhar”.

Peterson prossegue dizendo que humildade “significar estar perto da terra (húmus), das pessoas, da vida cotidiana, do que está acontecendo com toda esta descida-à-terra”.

A mensagem do evangelho confirma esta verdade. Ela diz: Deus nos conhece. Deus presta atenção em nós nas minúcias das nossas vidas. Ele está mais profundamente presente para nós do que estamos para nós mesmos. Portanto, não necessariamente precisamos de um novo programa ou de um novo dirigente espiritual, mas de olhos para ver as muitas maneiras pelas quais Deus está nos chamando para si mesmo. Talvez se entendêssemos que evangelismo é precisamente isso – abrir os olhos das pessoas para o Deus que já está trabalhando, já as está chamando, já está presente – então poderíamos chutar o alcance (como a direção espiritual) do seu pedestal e incorporá-lo nas nossas vidas e relacionamentos diários.

Em um mundo que sofre com isolamento, oferecer amizade e escuta atenta pode dar aos nossos próximos um encontro mais incorporado com o evangelho do que eles já tiveram. Isso simplesmente pode salvá-los. E isso certamente nos salvará.

JULIE CANLIS

Julie Canlis é a autora de A Theology of the Ordinary (2017) e Calvin’s Ladder (2012), vencedora do Prêmio Templeton e do Prêmio de Mérito do Christianity Today. Ela colaborou com seu marido, Matt, no documentário Godspeed.

Traduzido por Cynthia Rosa de Andrade Marques.
Usado com permissão.