Em 1936, um homem de 27 anos chamado Lesslie Newbigin partiu da Inglaterra para a Índia para partilhar Cristo entre os hindus. Newbigin ministrou fielmente na Índia nos 38 anos seguintes. Quando voltou para seu país natal em 1974, ele encontrou um país drasticamente diferente daquele de onde saiu. A Inglaterra estava se tornando uma nação pós-cristã que necessitava de um novo encontro missionário.

Foi durante este tempo que Newbigin escreveu o que agora é considerado um clássico moderno em missão, Foolishness to the Greeks. Em seu livro, ele explora a questão mais crucial do nosso tempo. Ele pergunta:

O que deveria estar envolvido em um encontro missionário entre o evangelho e todo este modo de entender, pensar e viver que chamamos de “cultura ocidental moderna”?

Esta é a pergunta a ser feita a qualquer cultura pós-cristã. Newbigin está interessado em como podemos falar de Jesus aos outros de uma maneira que seja entendida por aqueles que estão cada vez mais afastados da linguagem e da visão de mundo do cristianismo. Este é o “encontro missionário” que Newbigin tem em mente. E, enquanto a pergunta de Newbigin é essencial para nós respondermos hoje, ela também nos leva a uma pergunta ainda maior: O que você acha de Jesus Cristo?

Newbigin entendia que toda pessoa em toda cultura é formada pelo que o sociólogo Peter Berger chama de “estruturas de plausibilidade”. Berger diz que toda cultura tem uma mentalidade coletiva, uma imaginação coletiva e uma consciência coletiva. Esta perspectiva combinada forma a visão do mundo da cultura e do que é julgado dentro da cultura como plausível ou implausível. Algo é uma possibilidade genuína… ou simplesmente uma ideia ultrajante?

Newbigin sabia que falhamos em ter encontros missionários genuínos se falharmos em entender aqueles que buscamos alcançar com o evangelho. Nossas palavras e nossa mensagem devem ser compreensíveis. Em uma sociedade pós-cristã, falar sobre Jesus não é diferente do que falar sobre Zeus ou Hermes. Soamos tolos e nossas crenças parecem implausíveis e sem sentido.

Cultura engajada

Como podemos ter um encontro missionário genuíno em nossa cultura? Esta é a pergunta que dirige o trabalho da apologética cultural. O termo “apologética cultural” em si não tem sido amplamente utilizado até recentemente, mas pouco tem sido escrito sobre como devemos entender este novo tipo de engajamento cultural. Ken Myers, produtor e apresentador de Mars Hill Audio Journal, oferece a seguinte definição:

A apologética tradicional está preocupada em fazer argumentos para defender as reivindicações verdadeiras do cristianismo e tem frequentemente enfrentado desafios à crença cristã vindos de fontes filosóficas e de outras mais intelectuais. O termo “apologética cultural” tem sido usado para se referir a esforços sistemáticos para avançar a plausibilidade das reivindicações cristãs à luz das mensagens comunicadas através de instituições culturais dominantes, incluindo filmes, música popular, literatura, arte e os meios de comunicação. Então, enquanto os apologistas tradicionais criticam os desafios à fé cristã avançados nos escritos de certos filósofos, os apologistas culturais podem olhar para as filosofias com frases de efeito incorporadas nas letras de canções populares, nos enredos de filmes populares ou mesmo nos slogans de publicidade (“Faça do seu jeito”, “Você merece uma pausa hoje”, “Apenas faça”).

Note que, segundo Myers, o apologista cultural está preocupado com verdade, argumento e plausibilidade do cristianismo. O ponto central do contraste entre o apologista tradicional e o apologista cultural tem a ver com os tipos de evidência utilizados para defender o cristianismo. Para o apologista tradicional, fontes acadêmicas – tais como filosofia, ciência e história – são priorizadas para fornecer evidência para argumentos. Mas para o apologista cultural, artefatos culturais – ilustrações do mundo da música, arte, esporte, entretenimento, relações sociais e política – são primordiais.

Alguns estão menos entusiasmados em relação ao surgimento da apologética cultural. William Lane Craig, um apologista tradicional por excelência, reivindica que a apologética cultural constitui um tipo totalmente diferente de apologética que o modelo tradicional, uma vez que ela não está preocupada com questões epistemológicas de justificação e garantia. De fato ela nem sequer tenta mostrar em qualquer sentido positivo que o cristianismo é verdadeiro; ela simplesmente explora as consequências desastrosas para a existência humana, sociedade e cultura se o cristianismo fosse falso.

Segundo Craig, o apologista cultural não está preocupado com a verdade, plausibilidade ou justificação do cristianismo, mas meramente em mostrar as consequências desastrosas de um mundo ímpio. Eu discordo.

Minha proposta de definição para a tarefa da apologética cultural é mais ampla do que, embora ainda inclusiva, da do Myers e muito mais positiva que do Craig. Eu defino apologética cultural como o trabalho de estabelecer a voz, consciência e imaginação cristãs dentro de uma cultura para que o cristianismo seja visto como verdadeiro e satisfatório. Como esta concepção de apologética cultural se encaixa na disciplina da apologética e se relaciona com os debates sobre método apologético, engajamento cultural e análise da visão de mundo?

Em relação á questão do método apologético, minha proposta de definição de apologética cultural é neutra, e acredito que compatível, com muitas das abordagens proeminentes. Uma pode ser, por exemplo, um apologista clássico, um evidencialista, um apologista de caso cumulativo, um pressuposicionalista, ou um Epistemologista Reformado e ainda empregar a abordagem sugerida no meu livro. O método sugerido aqui é mais geral e inclusivo que a questão muitas vezes debatida de qual epistemologia melhor se encaixa na apologética.

Uma apologética mais encorpada

Desde o Iluminismo, a apologética foi principalmente concebida como uma defesa da razoabilidade do cristianismo. Com o desaparecimento da racionalidade iluminista no século 20, modelos alternativos de apologética têm sido propostos. Muitas destas propostas mais recentes resistem ao impulso reducionista da modernidade, buscando um retorno a uma maneira integrada e mais antiga de conceber a tarefa de dar testemunho. Nós agora lemos sobre apologética além da razão, apologética baseada na alegria, apologética imaginativa, apologética moral, apologética sapiencial, popologética e mais. Com o florescimento de novas maneiras de conceber a apologética, será útil providenciar uma taxonomia de disciplinas a fim de situar minha proposta.

Abordagens à apologética que começam com (ou concentram-se principalmente em) razão, imaginação ou consciência humana são classificadas, adequadamente, como apologética racional, imaginativa ou moral. A apologética cultural reconhece todas estas abordagens e as integra em uma visão do que significa ser um humano encarnado que forma e é formado pela cultura, oferecendo o que creio ser uma abordagem mais realista e compassiva à apologética. O apologista cultural afirma a natureza racional do homem, mas a situa dentro de uma consideração mais abrangente do que significa ser humano. Eu reivindico uma nova vereda então para apologética cultural como eu a concebo (vide figura 1.1).

Além do que, um apologista cultural opera em dois níveis. Primeiro, ele opera globalmente prestando atenção em como aqueles dentro de uma cultura entendem, pensam e vivem, e então trabalha para criar um mundo que seja mais acolhedor, emocionante, bonito e encantado. Em segundo lugar, opera localmente, removendo obstáculos, e providenciando razões positivas para a fé para que indivíduos ou grupos vejam o cristianismo como verdadeiro e satisfatório, plausível e desejável.

FIGURA 1.1: Apologética Cultural e a Disciplina da Apologética

O componente global à apologética cultural precisa ser distinguido, por um lado, do debate sobre a relação de Cristo com a cultura, um debate enquadrado em grande parte no livro Christ and Culture de H. Richard Niebuhrde 1951, e, por outro lado, da atividade de análise da visão de mundo defendida por Francis Schaeffer, Nancy Pearcey e James Sire.

A respeito da relação entre Cristo e a cultura, a apologética cultural encontra uma visão de todas as cinco possíveis posturas de Niebuhr (Cristo contra a cultura, fora da cultura, acima da cultura, em paradoxo com a cultura e como o transformador da cultura), mas ainda não precisa endossar qualquer posição como definitiva. Mesmo achando taxonomias como a de Niebuhr um pouco úteis, eu não endosso explicitamente qualquer uma de suas posturas. Eu acho que a relação real entre Cristo e a cultura seja mais sutil do que qualquer uma dessas cinco posturas, e que adotar uma em detrimento das outras seja arriscar se comprometer.

Eu acho, entretanto, que o “fielmente presente dentro” de James Davison Hunter seja a abordagem ou postura mais defensável em relação à cultura para o cristão bem como ao apologista cultural. Eu adoto a abordagem “fielmente presente dentro” da cultura de Hunter, aumentada pela percepção de Andy Crouch de que os cristãos são chamados para serem criadores e cultivadores do que é bom, verdadeiro e belo.

Poderiam ser desenvolvidas considerações alternativas de apologética cultural que endossam explicitamente uma ou outra posição possível de Niebuhr sobre Cristo e cultura. O Benedict Option de Rod Dreher, por exemplo, adequadamente desenvolvido, poderia ser entendido como uma apologética cultural de uma postura de “Cristo contra a cultura”. Mesmo achando essa abordagem problemática, realmente acho que contaria como uma versão da apologética cultural. Em contraste, acho que a proposta sapiencial ou teodramática de Kevin J. Vanhoozer para apologética esteja mais próxima da minha, uma vez que ele procura “demonstrar a verdade do cristianismo (o teodrama, não um sistema teórico) com todo o nosso ser: intelecto, vontade e emoções”.

Verdade e desejabilidade

O apologista cultural também está profundamente interessado nas muitas visões de mundo encontradas dentro da cultura e em como elas encontram expressão nos bens culturais produzidos e consumidos pelos outros. Cada um destes tópicos é importante para a primeira tarefa do apologista cultural – a tarefa de entender a cultura. Eu faço uma boa quantidade de análise de visão de mundo no meu livro. Qualquer apologética cultural que valha a pena fará o mesmo.

O apologista cultural, entretanto, não para no entendimento. O apologista cultural trabalha para despertar os que estão dentro da cultura para seus anseios arraigados por bondade, verdade e beleza. Parte desse processo envolve engajamento com e trabalho dentro de instituições que formam a cultura – a universidade, as artes, os negócios e o governo – para ajudar outros a verem a razoabilidade e a desejabilidade do cristianismo. A análise da visão de mundo é necessária, mas não suficiente, para a apologética cultural.

O apologista cultural trabalha para ressuscitar a relevância mostrando que o cristianismo oferece respostas plausíveis aos anseios humanos universais. E trabalha para ressuscitar a esperança, criando novos bens, ritmos e práticas culturais que reflitam a verdade, beleza e bondade do cristianismo. Para resumir, a apologética cultural é definida como o trabalho de estabelecer a voz, consciência e imaginação cristãs dentro de uma cultura para que o cristianismo seja visto como verdadeiro e satisfatório, e ela tem um componente global e um local.

Esta definição permite – até necessita – uso de filosofia, ciência e história bem como a criação de novos artefatos culturais para defender o cristianismo. Mais ampla do que a caracterização de Myers da apologética cultural, e contrária ao Craig, a apologética cultural está preocupada com a verdade e justificação do cristianismo. A apologética cultural precisa demonstrar não apenas a verdade do cristianismo, mas também sua desejabilidade.

PAUL M. GOULD

Paul M. Gould ensina apologética no College of Graduate and Professional Studies na Universidade Batista de Oklahoma e é o fundador do Instituto Two Tasks. 

Traduzido por Cynthia Rosa de Andrade Marques.
Usado com permissão.