Nem vou discutir sobre a compatibilidade da perseguição de Cristo pelo Império Romano com as perseguições cotidianas nas ruas de nossas cidades. Há quem defenda que existem estruturas imperiais análogas em vigência hoje.
A questão não é o instrumento nem as circunstâncias. Ao lado de Jesus foram crucificados outros dois, e ninguém faz carro alegórico para eles. No fundo, a questão é sobre a imagem.
Existe um grande problema quando se pensa que a imagem de Jesus enquanto um homem hebreu pode ser alterada. Até mesmo a vulnerabilidade mais urgente de uma sociedade não tem essa opção. Quando se muda a imagem do Jesus homem por uma mulher, uma pessoa trans, ou quem quer que seja, mudamos toda a religião.
Quem chegou a essa conclusão foi C. S. Lewis em um artigo contra a ordenação de mulheres. O núcleo de seu argumento é que, ao contrário do que dizem, gênero, sexualidade, contexto histórico são importantíssimos para o cristianismo. Não são para aqueles que, à semelhança da escola de samba, trocam homens por mulheres como se movessem formas geométricas.
Para entender isso é muito simples. Basta responder se podemos orar à “Mãe nossa que está nos céus” tanto quanto ao “Pai nosso”, se a segunda Pessoa da Trindade poderia muito bem ser chamada de Filha ou de Filho, se o casamento místico poderia ser invertido — que a Igreja fosse o noivo e que Cristo fosse a noiva, ou mesmo duas noivas.
Nós podemos alterar esses quadros sem mexer com toda a estrutura da religião cristã revelada nas Escrituras? A resposta é óbvia. Os cristãos levam muito a sério a posição concreta de cada um na história. Sabemos que criança que aprendeu a orar a uma mãe nos céus teria uma vida religiosa radicalmente diferente de uma criança cristã.
Não estamos sendo fiéis ao espírito da religião cristã quando compatibilizamos o sacrifício de Cristo com a morte de qualquer outra pessoa. Estamos profanando.