Confesso que venho buscando essa resposta há muito tempo e, hoje, posso dizer que consegui construí-la. Ou seja, ela não veio pronta, não teve um formato ideal e nem endereço específico, mas a experiência de vida nos levou a encontrar um caminho que trouxe paz ao coração. E é por esse motivo que me alegro em compartilhar com você.
Temos uma filha que hoje está com doze anos de idade e um menino de nove. Desde que a mais velha completou oito anos, começamos a nos sentir desafiados (leia-se pressionados) – por todos os lados e meios imagináveis – a presenteá-la com um celular. Os amigos da escola já tinham, alguns amigos do condomínio também, primos, a galerinha do youtube… E nesse momento a gente começa a questionar se não está prejudicando a cria por não permitir que surfe na onda que o resto do mundo está surfando.
“Ah Dani, que mal tem um celular? É só supervisionar…“, “A sala toda tem, não é pior pra ela sofrer a privação?” ou “Não adianta nada, ela vai acabar usando o celular dos amigos quando vocês não estiverem por perto!“. Essas e muitas outras questões rondaram a minha mente nos últimos anos, mas as nossas convicções e valores falaram mais alto. Lembro que, em meio as tantas buscas por respostas, cheguei a inclusive consultar dois ou três profissionais da área da psicologia da infância e desenvolvimento, compartilhando as minhas angústias a respeito. E, nessas andanças, duas falas que foram determinantes para a nossa decisão final, ainda ressoam em meu coração:
Os afetos primários (relação com seus cuidadores) ocupam um espaço de tal importância na vida de uma criança que a falta de um bem material não fará nem cócegas se ela tiver as necessidade afetivas supridas e bem resolvidas.
Até o início da adolescência é de extrema importância que a criança tenha na maior parte do seu tempo contato com situações e pessoas reais e evite ao máximo contato com relações virtuais, pois é nesta fase da vida que as bases para as habilidades emocionais e sociais estão sendo desenvolvidas. E, se deseja que sejam desenvolvidas de forma saudável, a prática constante das relações e vivências precisa acontecer no mundo real.
Pois bem, somado a todas as nossas outras convicções e valores, essas afirmações acima nos fizeram decidir que os nossos filhos teriam um contato gradual com o celular e redes sociais e, só a partir dos 12 anos ganhariam um aparelho próprio (mesmo assim com diversas restrições que também seriam liberadas em doses homeopáticas). E como foi esse processo?
A primeira coisa que construímos neles (na verdade isso já vinha sendo construído desde sempre) é que em nossa família não há espaço para mentiras e a verdade sempre será a melhor escolha. Para isso, eles tiveram que perceber que o nosso canal de comunicação permanecia aberto, assim como o nosso coração. Ou seja, por pior que tenha sido a sua ou a minha escolha/ação, não há vergonha alguma em admiti-la, pelo contrário. Nisso há muita força e coragem! E, outra coisa, sempre que alguma ação muito ruim precisar ser compartilhada, nós estaremos sempre de braços abertos e ouvidos atentos, sem críticas ou julgamentos (haverão as consequências, mas a acolhida sempre será amorosa). Sem contar que papai e mamãe também exercitam expressar suas angústias, medos e erros. Com esse ambiente seguro, Raquel e André sempre se sentiram muito a vontade para compartilhar suas questões mais íntimas, afinal, aqui dentro de casa não conheceram outra maneira de existir.
Dentro disso, eles foram aos poucos notando que nossos celulares e meios de comunicação não tinham senhas ocultas, afinal, em nossa casa ninguém tem nada a esconder. A mamãe acessa o celular (email, redes) do papai e vice-versa, tudo de forma muito natural, sem desconfianças. Da mesma forma, os filhos acessam o celular dos pais sempre que pedem ou precisam, porque não temos nada a esconder deles. Essa maneira de enxergar a vida foi sendo desde o berço construída em seus corações, portanto, no momento em que chegasse a fase de ter um celular próprio, o “não esconder nada” não seria um esforço ou novidade, mas sim um estilo de vida.
Outra coisa que fizemos, foi ir ensinando aos nossos filhos o autocontrole no que diz respeito ao uso de eletrônicos. Conversamos com frequência sobre o poder “hipnotizante” e “viciante” das redes sociais e que, pelo bem da nossa saúde e família, precisávamos estar sempre no controle delas (e não o contrário). Por exemplo, aqui em casa as refeições são feitas à mesa em 90% das vezes e o celular está fora dela em 99%. Eles já estão cansados de saber que as relações reais precisam ser prioridade sobre as relações virtuais e que, se não houver o exercício desse autocontrole e sabedoria no uso dos eletrônicos, a era digital dá conta de destruir nossas mais importantes relações num piscar de olhos.
Foi nessa pegada que decidimos, aos poucos, ir introduzindo a nossa filha mais velha no mundo virtual, afinal, ela só saberia exercitar o autocontrole vivenciando. Pois bem, quando fez 10 anos permitimos que criasse um grupo de WhatsApp com as amigas da escola no meu celular. Dissemos que seria uma fase de treino para que em breve tivesse o seu próprio celular. Falamos ainda que, neste tempo, teria a oportunidade de mostrar para nós que estava pronta para administrar o seu próprio aparelho. E foi assim que a vida seguiu nos últimos dois anos. Ela criou outros grupos, aprendeu a usar o WhatsApp, a exercitar o autocontrole, a entrar em contato com questões delicadas, a administrar problemas, tempo, até que os 12 anos chegaram. De aniversário, ela ganhou o tão esperado celular e, junto com ele, um beijo, um abraço bem apertado e os dizeres dos seus pais:
Parabéns por essa conquista filha, você nos mostrou que é capaz de administrar um celular. Estamos muito orgulhosos e confiamos em você! A partir de agora e, aos poucos, você vai tomando contato com tudo o que esse aparelhinho lhe permitir, mas, assim como foi até agora, isso vai ser construído em conjunto. Desfrute com sabedoria!
Sabe, hoje posso dizer pra vocês o que aprendi com essa experiência. Não acho que é sábio jogar nas mãos de uma criança um celular da noite para o dia e numa idade tão precoce. Ela certamente não será capaz de usar com sabedoria, dosar o tempo e vai acabar fazendo algumas bobagens, afinal, é uma criança e precisa de tempo de aprendizado e maturidade para lidar com as questões da vida. O seu filho precisa ser muito bem preparado antes de ter um aparelho de celular próprio, pois não estamos falando de um brinquedo qualquer, mais sim de uma porta escancarada para o mundo lá fora e um instrumento de altíssima influência e interferência cognitiva, emocional, social…
Se os pais tivessem noção do prejuízo que há (emocional, cognitivo e social) em cada minuto gasto em relações/situações virtuais e perdidos em relações/situações reais nessa fase da vida, acredito que a maioria pensaria mil vezes antes de entregar um celular nas mãos de seus filhos. A pressão lá fora vai ser grande (dentro de casa também) para que bem cedo sua cria tenha o próprio aparelho de celular, mas, a pergunta que fica é: o suposto bem que está fazendo a ela nesse momento sustentará o que está por vir? Não seria mais sábio investir alguns anos na construção de algo mais profundo para que a relação saudável do seu filho com o mundo virtual seja mais forte e duradoura?
Bem, faz 4 meses que a nossa Raquel tem um celular só dela. E o que tenho a dizer? Que orgulho da nossa filha! Que orgulho!