Toda mudança assusta. Toda novidade carrega consigo certa insegurança. Para alguns mais, para outros, menos, tudo depende da história de vida e do momento em que essa mudança chega. “Será que vai dar certo? Será que funciona mesmo? Será que não trará malefícios à nossa sociedade?” Estas são algumas das muitas perguntas que rondam a mente diante do novo, especialmente daqueles mais apegados à tradição. Faz parte, sempre foi assim e é provável que continue sendo até o final dos tempos.
Confesso que em alguns momentos da vida me assustei com o novo, levantei questões, duvidei, hesitei e até cheguei a dizer não. Mas em outros, ousei dar um passo a frente, um voto de confiança e acabei me surpreendendo positivamente. Nesse sentido, tive a oportunidade de conhecer um “novo” no contexto métodos de aprendizagem, modelo de escola e educação que, confesso, mais me atraíram do que amedrontaram. Esse novo me chamou, me carregou, me levou, me trouxe brilho no olhar e esperança no coração… Cada vez que leio a respeito, encontro mais certezas do que dúvidas e, ouso dizer que nisso enxerguei o futuro da educação. Calma, vou explicar logo mais. Mas já adianto que, para alguns, tudo poderá soar muito estranho e amedrontador. Talvez até inaceitável. E novamente eu digo, faz parte. A história de vida, o contexto e o perfil de cada pessoa dará conta de oferecer uma “lente” diferente para enxergar as questões que surgem. E tudo bem que seja assim.
E aqui começo a compartilhar esse meu encontro. Faz um tempo descobri projetos de escolas transformadoras que já acontecem em todo mundo e oferecem novas formas de educação, organização de espaço, de ensinar e aprender. Metodologias que estimulam a criatividade, autonomia, empreendedorismo, diversidade, diálogo, convivência, confiança, respeito mútuo e desenvolvimento pessoal. Nesse método as disciplinas se mesclam, as relações são mais horizontais do que verticais e o aluno é parte importante na construção do conhecimento. Os educadores tornam-se despertadores de clarões ao invés de meros transmissores de informação. Em um dos muitos relatos que li, os estudantes e funcionários recebem a responsabilidade de cuidado e limpeza com o ambiente, assim como a tarefa da preparação das refeições, que são compartilhadas. Por isso não é raro encontrar nesses locais, diretores varrendo o pátio ou alunos preparando o lanche. Um estímulo a consciência de pertencimento e responsabilidade coletiva sobre o local: “É de todos nós, por isso precisamos cuidar.”
Nas escolas transformadoras a idade não é um limitador, ou seja, estudantes de idades diversas se mesclam nas aulas conforme seus interesses individuais, propostas e projetos colocados, o que acaba gerando a troca de experiências, conhecimento e cuidado entre mais novos e mais velhos. Outro detalhe que muito me encantou, foi o cuidado com as diferentes inteligências. Atualmente, em nossa sociedade e método de ensino tradicional, as inteligências lógico-matemáticas e linguísticas são as mais valorizadas (o que torna o aprendizado limitador). Já nos projetos desenvolvidos pelas escolas transformadoras, todas as inteligências tem o mesmo peso e valor: linguística, musical, visual/espacial, lógico/matemática, corporal/sinestésica, interpessoal, intrapessoal, naturalista e existencialista. Todas são amplamente estimuladas.
Vejamos um exemplo fantástico de uma aula que valoriza as múltiplas inteligências. A professora oferece argila para as crianças e sugere o livre-criar. Em dado momento um pedaço de argila cai em um dos ralos do pátio. A educadora não pega e também não ignora a situação, ao contrário, aproveita a oportunidade para estimular a resolução do problema. Uma primeira voluntária surge com uma vassoura na tentativa de recuperar a argila, colocando a sua inteligência espacial em ação. E consegue. Em um segundo momento, um pedaço maior cai em outro vão, onde a vassoura não é capaz de alcançar. Um outro voluntário resolve se esgueirar por uma das aberturas e consegue recuperar o pedaço de argila, colocando assim sua inteligência corporal em ação. Enquanto ele tenta, os colegas o ajudam gritando “mais pra direita, mais pra esquerda”, colocando em prática diversas outras inteligências, como o relacionamento interpessoal por exemplo.
Uma outra experiência encantadora e que explica bem o “não compartimentar o conhecimento em disciplinas”, foi o estudo sobre o tema chocolate proposto por um dos estudantes em uma das escolas transformadoras que fica na Índia, e que durou cerca de dois meses. A primeira atividade proposta foi a leitura do livro A fantástica fábrica de chocolate, do autor Roald Dahl. As crianças também assistiram o filme e conversaram sobre a relação entre o texto e o roteiro do longa-metragem. Depois dessa primeira etapa, decidiram preparar chocolates com ingredientes relacionados as suas personalidades. Um dos alunos escolheu gelatina, pois se considera um amigo flexível. Outro escolheu menta, por se enxergar engraçado. Um terceiro trouxe pimenta, por achar que a sua presença nunca passa desapercebida. Na sequencia do projeto aprenderam sobre a história do cacau, realizaram cálculos matemáticos durante a preparação das receitas e, ao final, um projeto que demandou ainda mais habilidades foi proposto pela turma: a venda dos chocolates para a comunidade, revertendo a verba para um ONG local que recebeu a visita dos estudantes. Percebe quantas disciplinas aconteceram simultaneamente nesses dois meses dentro do estudo de um único tema? Quantas inteligências despertas, estimuladas e exercitadas? Quanto aprendizado? Não é fantástico?
Em outra escola localizada na Indonésia e que recebe estudantes de todo o mundo (famílias se mudam pra lá por causa da escola), é normal encontrar nas atividades com alternativas (A, B, C, D e E) uma letra que não oferece uma possível resposta, mas sim a chance da criança criar uma nova solução: “E – Pense uma solução diferente para essa questão”. Dessa forma os estudantes são convidados a experimentar e experienciar ativamente cada parte do processo que estão imersos. Saem do lugar de meros receptores passivos de informações prontas e tornam-se participantes do seu processo de aprendizagem e conhecimento. Deixam de ser cumpridores de tarefas e repetidores de ideias para tornarem-se críticos, empreendedores e agentes de transformação. O professor também passa por um lindo processo nesse novo modelo de educação, saindo do lugar daquele que apenas ensina, para o lugar do que ensina e também aprende.
Ouvi certa vez que quando não escutamos o estudante, quando ele não tem voz e não participa da construção do conhecimento durante os processos de aprendizagem, o perdemos. Perdemos um ser humano em diversos sentidos. Perdemos seus potenciais, sua criatividade, suas habilidades e todo o bem que poderia emanar como contribuição ao mundo. Perdemos cidadão ativos, engajados, empreendedores e que enxergam em si a possibilidade de transformação de uma realidade feia e injusta. Eu não tenho a mínima vontade de ser só mais uma peça num processo de produção de mão de obra em massa, mesmo que eu me torne a melhor delas, isso não faz brilhar meus olhos e bater meu coração. Talvez por isso esse projeto de escolas transformadoras seja tão atraente aos meus olhos, talvez enxergue nisso uma possibilidade de mudança fantástica a longo prazo (que muito provavelmente eu nem viva pra ver). Mas sinto que através desse texto deixo uma pequena contribuição para que esse “novo” cresça, apareça e se multiplique!
Deseja saber mais sobre? Aqui estão 13 espaços de aprendizagem transformadores espalhados pelo mundo:
- Centro Popular de Cultura e Aprendizado (CPCD) – Brasil
- Amorim Lima – Brasil
- Politeia – Brasil
- Centro Integrado de Educação para Jovens e Adultos – Brasil
- North Star – EUA
- Quest to Learn – EUA
- Schumacher School – Inglaterra
- Team Academy – Espanha
- Escuelas Experimentales – Argentina
- Green School – Indonésia
- Youth Initiative Program (YIP) – Suécia
- Riverside School – Índia
- Sustainability Intitute – Africa do Sul
Conheça também o livro: Volta ao mundo em 13 escolas – Sinais do futuro no presente (Coletivo Educação)