Existe um ajuste fino entre algumas tendências contemporâneas, mesmo que elas apareçam bocas antagônicas. Inegável é o fato de como a exigência por lugares de fala super específicos podem se desdobrar em cancelamentos amplamente difundidos.
A lógica é muito simples, e por isso tão forte. Levado às suas últimas consequências, a reivindicação do lugar de fala impossibilita qualquer tipo de diálogo público. Isso é óbvio. Se “quem não está na minha pele” não pode falar por mim, em última instância só eu posso falar por mim mesmo — afinal, quem mais ocupa esse meu lugar de fala?
Portanto, apesar do “lugar de fala” ser um dos instrumentos mais articulados pelos movimentos políticos identitários, ele é a maior prova do fim da política. Não tem mais diálogo na esfera pública quando só eu posso falar sobre mim. Os outros não só estão privados de discurso, como também de entendimento — afinal, quem além de mim pode me entender
É nesse momento que entra o cancelamento. Quando alguém se atreve a tocar em algum ponto de vista que me faça sentir atingido, essa pessoa deve ser silenciada! Só existe cancelamento em uma cultura hipersensibilidade pela própria identidade — que transforma o ego em um deus e qualquer obstáculo como um mal a ser vencido.
Existe uma lógica perversa em operação nas mais populares ferramentas da política contemporânea. Nunca foram tão claros os instrumentos de silenciamento da opinião pública. Talvez por isso esteja ficando cada vez mais difícil falar sobre política sem deixar os nervos à flor da pele!
É tarefa de todo cristão não só fugir dessas práticas de silenciamento, como também ser um canal de tradução nas esferas em que está inserido. A Igreja que nasceu no Pentecoste presenciou um milagre que às vezes passa desapercebido. Damos muita ênfase no “falar em outras línguas”, mas o texto bíblico também diz que “cada um ouvia as maravilhas de Deus no seu próprio idioma”.
Esse é o milagre do Espírito! Viver sob Pentecoste é reverter Babel, onde todos foram dispersos porque ninguém mais entendia um ao outro! A Igreja é o lugar privilegiado para retomarmos fala e a escuta livres de cancelamentos e polarizações.