Finalizando sobre o dinheiro…

6:1 Vi ainda outro mal debaixo do sol, que pesa bastante sobre a humanidade:

2 Deus dá riquezas, bens e honra ao homem, de modo que não lhe falta nada que os seus olhos desejam; mas Deus não lhe permite desfrutar tais coisas, e outro as desfruta em seu lugar. Isso não faz sentido; é um mal terrível.

3 Um homem pode ter cem filhos e viver muitos anos. No entanto, se não desfrutar as coisas boas da vida, digo que uma criança que nasce morta e nem ao menos recebe um enterro digno tem melhor sorte que ele.

4 Ela nasce em vão e parte em trevas, e nas trevas o seu nome fica escondido.

5 Embora jamais tenha visto o sol ou conhecido qualquer coisa, ela tem mais descanso do que tal homem.

6 Pois, de que lhe valeria viver dois mil anos, sem desfrutar a sua prosperidade? Afinal, não vão todos para o mesmo lugar?

O “poder” de desfrutar os dons de Deus, apresentado em 5:19[1], é um dom que pode ou não ser desfrutado. Podemos ser privados dele de diversas maneiras. O homem do v.2, por exemplo, por ser um sujeito notável, tem mais a perder do que o indolente que nunca conquista nada. Pode ser que perca tudo sem ter culpa alguma: pela guerra, enfermidade ou injustiça e deixar tudo no colo de outra pessoa.

No v.6 está o cerne da discussão: O Pregador não está tratando de uma classe social específica. Trata-se aqui do everyman – qualquer pessoa a quem Deus concedeu riquezas e que não reconhece a fonte destas riquezas. O Koheleth está muito longe de afirmar que o homem tem direitos que Deus ignora; antes, o homem tem necessidades que Deus denuncia.

Perguntas sem resposta

6:7 Todo o esforço do homem é feito para a sua boca; contudo, o seu apetite jamais se satisfaz.

8 Que vantagem tem o sábio em relação ao tolo? Que vantagem tem o pobre em saber como se portar diante dos outros?

9 Melhor é contentar-se com o que os olhos vêem do que sonhar com o que se deseja. Isso também não faz sentido; é correr atrás do vento.

10 Tudo o que existe já recebeu nome, e já se sabe o que o homem é; não se pode lutar contra alguém mais forte.

11 Quanto mais palavras, mais tolices e sem nenhum proveito.

12 Na verdade, quem sabe o que é bom para o homem, nos poucos dias de sua vida vazia, em que ele passa como uma sombra? Quem poderá contar-lhe o que acontecerá debaixo do sol depois que ele partir?

v.8 A sabedoria, por exemplo, pode ser infinitamente melhor que a tolice, como já vimos numa passagem anterior (2:13); mas será que o sábio vive em melhores condições que o tolo? Materialmente, pode ser que sim como não. Cada um de nós tem uma cosmovisão que nos permite generalizar o modo como achamos que as coisas deveriam ser. O Pregador nos faz enfrentar a verdade de como as coisas são.

O homem secular, que caminha para a morte e é levado pelo vento das mudanças, só pode fazer eco ao v.12: “Pois quem sabe o que é bom…? Quem pode declarar ao homem o que será depois dele…?”

É valorizando corretamente a propriedade privada – desfrutando o que temos sem neuroses sobre o futuro, concentrando-nos no que é real e não no imaginário, e concentrando naquilo que é eterno e intangível que vencemos o poder do dinheiro.

Este é um convite para se matricular nessa escola do contentamento em toda e qualquer situação. Porque, se você não aprender a ficar satisfeito em toda e qualquer situação, não vai adiantar nada mudar a sua situação financeira. Essa é a grande mentira do evangelho pregado hoje. O evangelho das Escrituras é este: Entregue o seu coração a Deus e deixe Deus fazer de você o homem e a mulher que ele quer que você seja. Aí você estará satisfeito e feliz em qualquer situação, porque viverá piedosamente e experimentará contentamento.

Quem sabe o que é melhor para o homem? (6:12 uma resposta)

O autor introduz agora uma mudança estimulante no seu estilo. Em vez de refletir e argumentar, seremos bombardeados com um ataque dos provérbios. Os primeiros são melancólicos; os restantes (na sua maioria) são tranquilos e inteligentes.

Você pode também enfrentar os fatos!

7:1 Melhor é o bom nome do que o melhor unguento, e o dia da morte do que o dia do nascimento.

2 Melhor é ir à casa onde há luto do que ir a casa onde há banquete; porque naquela se vê o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração.

3 Melhor é a mágoa do que o riso, porque a tristeza do rosto torna melhor o coração.

4 O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos na casa da alegria.

5 Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir alguém a canção dos tolos.

6 Pois qual o crepitar dos espinhos debaixo da panela, tal é o riso do tolo; também isso é vaidade.

Haroldo de Campos diz que “o rosto triste faz o coração dilatado”. Em outras palavras, o sofrimento gera solidariedade. Aquele que toma consciência da sua finitude, limitação e debilidade consegue ser mais compreensivo, tolerante e inclusivo, isto é, tem o coração dilatado.

Somente quem já chorou sabe chorar com quem chora. A Bíblia nos diz que “Deus nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus” (2Co 1:4). Quem não chorou não tem lágrimas para derramar em solidariedade.

O Novo Testamento nos mostra uma mulher que dá um exemplo de “coração dilatado”. Ela unge os pés de Jesus com um perfume caríssimo e é repreendida. Jesus reage dizendo “que, em todo o mundo, onde quer que for pregado o evangelho, também o que ela fez será contado para memória sua.[2] – esta mulher alcançou maior glória que muitos seguidores de Jesus por conta do seu gesto de solidariedade.

vv.4-5 O Pregador traça um paralelo da vida humana em duas casas: a casa onde há luto (v.2) e a casa da alegria (v.4). Na primeira casa os vivos aplicam seu coração… e como resultado tornam melhor o coração. Na segunda casa o ruído gerado pela alegria desenfreada (o crepitar de espinhos v.6) anestesia nossa necessidade de reflexão e encoraja a procrastinação.

Melhor mesmo, é ouvir a repreensão do sábio (v.5). No entanto, até para dar ouvidos aos sábios é preciso cautela. Ouça o sábio, mas teste o seu conselho. Por que esse cuidado? Porque “a opressão faz endoidecer até o sábio, e o suborno corrompe o coração(7:7). Veja se o sábio vive sabiamente. Observe se ele ainda não foi corrompido e se não se tornou um “sábio tolo”. Todo sábio que confia em sua própria sabedoria acaba se tornando um “sábio tolo”.

Você também pode ser racional!

7:7 Verdadeiramente a opressão faz endoidecer até o sábio, e o suborno corrompe o coração.

8 Melhor é o fim duma coisa do que o princípio; melhor é o paciente do que o arrogante.

9 Não te apresses no teu espírito a irar-te, porque a ira abriga-se no seio dos tolos.

10 Não digas: Por que razão foram os dias passados melhores do que estes; porque não provém da sabedoria esta pergunta.

11 Tão boa é a sabedoria como a herança, e mesmo de mais proveito para os que vêem o sol.

12 Porque a sabedoria serve de defesa, como de defesa serve o dinheiro; mas a excelência da sabedoria é que ela preserva a vida de quem a possui.

13 Considera as obras de Deus; porque quem poderá endireitar o que ele fez torto?

14 No dia da prosperidade regozija-te, mas no dia da adversidade considera; porque Deus fez tanto este como aquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele.

15 Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade.

16 Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?

17 Não sejas demasiadamente ímpio, nem sejas tolo; por que morrerias antes do teu tempo?

18 Bom é que retenhas isso, e que também daquilo não retires a tua mão; porque quem teme a Deus escapa de tudo isso.

19 A sabedoria fortalece ao sábio mais do que dez governadores que haja na cidade.

20 Pois não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca peque.

21 Não escutes a todas as palavras que se disserem, para que não venhas a ouvir o teu servo amaldiçoar-te; 22 pois tu sabes também que muitas vezes tu amaldiçoaste a outros.

vv.8-9 Considerando a paciência uma virtude e a disputa um vício, podemos finalmente ver o benefício prático do autocontrole: examinar uma questão por completo, em vez de abandoná-la diante do primeiro embate.

O v.12 nos mostra que a sabedoria é mais capaz de defender a vida que o dinheiro. O dinheiro pode trazer certa proteção à vida do seu possuidor. A sabedoria, no entanto, é capaz de dar vida no sentido de preparar o homem para viver plenamente o propósito para que foi criado.

O v.14 é um clássico sobre a maneira correta de se comportar quando tudo vai bem ou quando tudo vai mal, ou seja, aceitar ambas as situações como vindas de Deus: nem com a impassividade [frieza] do estóico nem com a inquietação daqueles que não conseguem se deleitar com um prêmio, com espírito aberto e refletivo.

Os vv. 16-18 nos mostram um estilo de vida bastante cínico, mas o v.20 parece ser, ao pé da letra, uma confissão.

Algumas lições que este texto nos traz:

A primeira sabedoria é entender que o sábio sabe que Deus está sempre certo;

A segunda sabedoria é admitir a realidade da morte. Sábio é quem sabe que vai morrer: Por que existe tanta gente vítima da procrastinação? Talvez porque achem que nunca morrerão e, portanto, não levam a sério a realidade da vida. Sábio mesmo é quem sabe que vai morrer e, sabendo disso, não vive de maneira displicente, indolente, postergando para amanhã o que a consciência mostra que deve ser feito hoje.

A terceira sabedoria é dar tempo ao tempo (7:5-14). Aos poucos, os elogios e as expressões de gratidão vão se tornando um canto de sereia para “o sábio”. Então ele acaba por se ensoberbecer, se deixa subornar, corromper e vai se afastando da mão de Deus. Não demora muito e o sábio, que estava sob a mão de Deus, começa a falar cada vez mais firmado apenas em si mesmo. Cada vez mais se afunda nas próprias opiniões e acaba se esquecendo de que “Deus está sempre certo”.

Para cuidar dessa tendência à precipitação, o Eclesiastes dá outro conselho: 10 Não digas: Por que razão foram os dias passados melhores do que estes; porque não provém da sabedoria esta pergunta. Não viva na nostalgia. Sabe quando isso acontece? Quando olhamos para o tempo de hoje e o desmerecemos em função do passado. É uma forma de impaciência com a vida, porque o presente ainda não está consumado. Você não sabe se Deus já chegou ao fim do que está fazendo, pois a coisa ainda está acontecendo.

A quarta sabedoria é saber mudar de ideia. O sábio não é estável porque nem a vida, nem o mundo, nem as pessoas são estáveis. O Eclesiastes nos lembra que “um justo morreu apesar da sua justiça, e um ímpio teve vida longa apesar da sua impiedade”. A conclusão é simples: se você não souber andar com flexibilidade, se não tiver jogo de cintura na vida, você vai morrer mais cedo, enfartar, destruir a si mesmo e se expor à destruição.

055

[1] 5:19 E quanto ao homem a quem Deus deu riquezas e bens, e poder para desfrutá-los, receber o seu quinhão, e se regozijar no seu trabalho, isso é dom de Deus.

[2] Marcos 14:9