“Fiquei surpreendido; mas serviu-me isto de importante lição, pois fiquei sabendo que da porta do céu há caminho para o inferno…” O Peregrino, John Bunyan.
Antes que a ênfase positiva dos três capítulos finais possa vir à tona, temos de nos certificar de que estaremos edificando sobre algo sólido. O Pregador diz que quando olha para a vida, não encontra marcos seguros e inabaláveis. Ele examinou a vida com olhos críticos e viu nela muita coisa sem sentido. Procurou padrões e não os encontrou. Ele inclusive duvida que alguém possa encontrar algum sentido completo, um princípio unificador que explique todos os eventos da vida.
Num segundo momento, o Koheleth menciona que confia em Deus e em sua sabedoria, mas não consegue discernir um caminho seguro para viver esta vida cheia de bolhas de sabão. Conclui, porém, que no fim das contas, o melhor é deixar tudo na mão de Deus. É esse o único marco seguro para viver esta vida.
8:29 Eis que isto tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas os homens buscaram muitos artifícios.
9:1 Deveras a tudo isto apliquei o meu coração, para claramente entender tudo isto: que os justos, e os sábios, e as suas obras, estão nas mãos de Deus; se é amor ou se é ódio, não o sabe o homem; tudo passa perante a sua face.
2 Tudo sucede igualmente a todos: o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao mau, ao puro e ao impuro; assim ao que sacrifica como ao que não sacrifica; assim ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme o juramento.
3 Este é o mal que há em tudo quanto se faz debaixo do sol: que a todos sucede o mesmo. Também o coração dos filhos dos homens está cheio de maldade; há desvarios no seu coração durante a sua vida, e depois se vão aos mortos.
4 Ora, para aquele que está na companhia dos vivos há esperança; porque melhor é o cão vivo do que o leão morto.
5 Pois os vivos sabem que morrerão, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco têm eles daí em diante recompensa; porque a sua memória ficou entregue ao esquecimento.
6 Tanto o seu amor como o seu ódio e a sua inveja já pereceram; nem têm eles daí em diante parte para sempre em coisa alguma do que se faz debaixo do sol.
7 Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe o teu vinho com coração contente; pois há muito que Deus se agrada das tuas obras.
8 Sejam sempre alvas as tuas vestes, e nunca falte o óleo sobre a tua cabeça.
9 Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias da tua vida vã, os quais Deus te deu debaixo do sol, todos os dias da tua vida vã; porque este é o teu quinhão nesta vida, e do teu trabalho, que tu fazes debaixo do sol.
10 Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque no Seol, para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.
Embora os acontecimentos que nos cercam não nos dêem qualquer pista dos planos de Deus, nossa esperança torna tudo mais claro. A julgar pelas aparências, Deus simplesmente não se importa. As coisas que supostamente deveriam lhe interessar mais acabam não fazendo diferença alguma (pelo menos, de forma perceptível) na forma como somos descartados no final. Moral ou imoral, religioso ou profano, todos terminamos da mesma maneira.
A imprecisão entre o que fazemos e o que colhemos pode nos desanimar muito: Quem se prepara, estuda e se esforça consegue sempre as melhores posições, certo? Nem sempre, diria o Eclesiastes. Mas não adianta nada se preparar, estudar e se esforçar? Sim, adianta bastante, mas não é suficiente para garantir o sucesso e o conforto merecido. Nem sempre os velozes ganham a corrida, nem os sábios têm sempre com o que se alimentar. Nem sempre os instruídos alcançam prestígio, nem os prudentes sempre têm fortuna. Os prudentes sempre têm provisão? Nem sempre. Não é verdade que geralmente os instruídos são respeitados e prestigiados? Sim, mas o Eclesiastes completaria dizendo “nem sempre, nem sempre…”. O veloz nem sempre ganha a corrida, e nem sempre o instruído é acatado. O Eclesiastes nos diz que a vida é uma convivência constante com o imponderável, o aleatório, com fenômenos e eventos que não obedecem a estatísticas nem respeitam probabilidades. Será que o desespero é tudo que nos resta?
Uma resposta em seis atitudes
A primeira atitude é escolher viver. v.4 – Observe a astúcia do argumento: “Os vivos sabem que morrerão, mas os mortos nada sabem” (v.5). Quem está vivo pelo menos sabe que vai morrer, mas o que dizer de quem já morreu?
Enquanto você está vivo alguma coisa – alguma coisa que você nem consegue imaginar – pode acontecer. Talvez amanhã você leia no jornal que foi lançado um remédio salvador. Talvez amanhã você tenha um insight libertador que porá sua vida em ordem. Que tal lembrar que a morte é sempre a penúltima palavra? Porque a última palavra é da vida que vai engolir a morte, é a palavra da ressurreição. Escolha viver por causa do poder da ressurreição, por causa do poder de um Deus que “chama à existência as coisas que não são como se já fossem” (Rm 4: 17).
A segunda atitude para enfrentar as incertezas e fatalidades da vida é desfrutar os momentos fugazes. Veja o que diz o Pregador: “Vá, coma com prazer a sua comida e beba o seu vinho de coração alegre” (9:7). Você notou que o Eclesiastes não perde a oportunidade de dizer “beba o seu vinho de coração alegre”? A sabedoria não está em desprezar o efêmero, mas em não transformar em absoluto o que não dura para sempre.
A terceira atitude é celebrar a vida. Siga o conselho do Eclesiastes e comemore por ter passado do primeiro para o segundo ano, e comemore por ter passado do segundo para o terceiro. Mesmo nas derrotas, celebre a oportunidade de continuar crescendo.
A quarta atitude para enfrentar a aleatoriedade das fatalidades é dividir os dias com as pessoas amadas: v.9 – “desfrute a vida com as pessoas que você ama”. Ame bastante, entregue-se às pessoas, devote-se à vida compartilhada, pois você só conseguirá desfrutar a vida se tiver com quem reparti-la. Ninguém é feliz sozinho.
A quinta atitude é dizer mais sim do que não. É um conselho para fazer tudo com empolgação: “O que as suas mãos tiverem que fazer, que o façam com toda a sua força, pois na sepultura, para onde você vai, não há atividade nem planejamento, não há conhecimento nem sabedoria”. A princípio esse é um convite para o trabalho, mas não está limitado a isso. É também um convite para viver e fazer o que aparecer pela frente, para você dizer mais sim do que não. Descubra alguma coisa de que tem medo. Enfrente. Desenterre um sonho. Amplie seu leque de amizades.
A última atitude é confiar na bondade de Deus.
9:11 Vi ainda debaixo do sol que não é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes, a vitória, nem tampouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes, a riqueza, nem dos inteligentes, o favor; porém tudo depende do tempo e do acaso.
12 Pois o homem não sabe a sua hora. Como os peixes que se apanham com a rede traiçoeira e como os passarinhos que se prendem com o laço, assim se enredam também os filhos dos homens no tempo da calamidade, quando cai de repente sobre eles.
O tempo e o acaso estão lado a lado, sem dúvida porque ambos têm um jeito de arrancar subitamente as coisas de nossas mãos. Afinal, a providência de Deus opera em segredo, e na perspectiva do homem a vida é feita principalmente de passos rumo ao desconhecido e de acontecimentos que surgem do nada. Aquele que não entende o mundo em que vive, que não encontra bases para a segurança absoluta, pode confiar na bondade de Deus.
9:13 Também vi este exemplo de sabedoria debaixo do sol, que foi para mim grande.
14 Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens; veio contra ela um grande rei, sitiou-a e levantou contra ela grandes baluartes.
15 Encontrou-se nela um homem pobre, porém sábio, que a livrou pela sua sabedoria; contudo, ninguém se lembrou mais daquele pobre.
16 Então, disse eu: melhor é a sabedoria do que a força, ainda que a sabedoria do pobre é desprezada, e as suas palavras não são ouvidas.
17 As palavras dos sábios, ouvidas em silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa entre tolos.
18 Melhor é a sabedoria do que as armas de guerra, mas um só pecador destrói muitas coisas boas.
Se nos pedirem pra nos identificar com alguém, será com o homem pobre, porém sábio. Não que devamos nos imaginar como consultores universais, mas simplesmente que, é triste dizer, deveríamos aprender a não contar com nada tão transitório como a gratidão pública. Os dois últimos versículos (vs. 17ss.) constituem um arremate à parábola, mostrando, primeiro, como a sabedoria é preciosa e, então, como ela é vulnerável.