Minha profunda decepção

Ontem (11 de março) assisti ao Larry King Live na CNN. Demorei a conciliar o sono depois do que vi e ouvi. Revirando-me em minha cama, procurei uma palavra para expressar o que sentia. Revolta? Tristeza? Decepção? O melhor vocábulo que explicava minha insônia: ASCO; uma náusea existencial. Explico.

Larry King conduziu um debate com alguns líderes cristãos americanos sobre a iminente invasão americana no Iraque. Falaram contra a guerra um bispo metodista e um padre católico. Estes participaram pouco e mal conseguiram colocar seus pontos de vista.

Os evangélicos, Max Lucado, John McArthur e Bob Jones dominaram a maior parte do tempo. E foram eles que me provocaram tamanha ojeriza!

Revoltei-me em ver que o nacionalismo dos evangélicos americanos é muito mais forte que sua lealdade ao espírito do Evangelho. Eles não tiveram escrúpulos de citar a Bíblia para defenderem a política imperialista e sórdida da direita republicana. Agiram com a mesma cegueira que os religiosos contemporâneos de Jesus que não conseguiam perceber o amor de Deus em Jesus Cristo, por serem mais judeus que humanos.

Sob o pretexto de defenderem o seu território, os falcões militares, que aconselham George W. Bush, acharam no ataque de 11 de setembro o pretexto que precisavam para dominar o volátil Oriente Médio, de onde jorra o melhor e mais abundante petróleo do mundo. Os Americanos estão conscientes que são a única superpotência do planeta e querem levar essa realidade às vias de fato.

Revoltei-me com o semblante pétreo do John McArthur. Em seus argumentos pró-guerra, referiu-se ao inferno que aguarda os muçulmanos sem demonstrar compaixão. Esse senhor fundamentalista, inimigo dos pentecostais, dos liberais e de todos os que não lêem a Bíblia com o seu literalismo, me causou muito medo.

Nele eu vi o Osama Bin Laden! Pronto a condenar ao inferno quem não segue sua teologia sistemática, asfixiante e retrógrada. McArthur falou do sofrimento eterno sem tremer um só músculo do rosto. Imaginei como deveria ser o semblante daqueles que queriam apedrejar a mulher adúltera.

Revoltei-me com o rosto cínico do Bob Jones. Ele mantinha um sorriso plástico; querendo parecer simpático. Falava com ódio e ria ao mesmo tempo. Parecia-se com aquele palhaço do filme do Bat-man; carregando sempre um sorriso estático. Legitimou a guerra com o argumento de que as autoridades foram constituídas por Deus para promover o bem e punir os maus. Imediatamente recordei que a ditadura militar brasileira aprendia a torturar em escolas de treinamento da CIA.

Meu pai sofreu tortura, minha família se desestruturou, uma irmã minha morreu e ainda hoje padecemos conseqüências da malignidade patrocinada pelo Departamento de Estado Americano. Meu pai era um homem honesto, extremamente trabalhador. Porque sofreu prisão e tortura? O seu crime era ser simpatizante do marxismo.

Na época, o marxismo representava uma ameaça. Acredito que o Bob Jones legitimaria que chutassem os órgãos genitais de meu pai para que o “american way of life” continuasse intocado. O sorriso cínico do senhor Jones me lembrou a elite religiosa que apedrejou Estevão. Eles não permitiriam que o amor compassivo de Cristo permeasse a cultura religiosa de seus dias.

Revoltei-me com o Max Lucado, um pusilânime. Sua falta de argumentos e seus raciocínios simplistas mostram o perigo do dinheiro e da fama. Lucado é um dos autores de maior renome no mundo cristão; querido na América por escrever com um estilo simples.

Quando defendeu a guerra mostrou que jamais se posicionaria contra a comunidade evangélica que votou em Bush e, fascinada, acredita que ele é o ungido de Deus para proteger o mundo. Max Lucado afirmou ontem, para o mundo inteiro ouvir, que confia no presidente porque ele é cristão e porque ora para tomar decisões.

Quanto simplismo! Se assim fosse, quando Ronald Reagan patrocinou bandidos que lutavam na Nicarágua (os Contras), seria também legitimado pelo senhor Lucado. O general Oliver North, assessor que financiava os terroristas, era membro de uma igreja pentecostal, orava e conversava com o seu presidente antes de qualquer decisão.

Revoltei-me quando assisti a CNN porque percebi que aqueles líderes não destoaram. Eram porta-vozes da nação evangélica que considera os fetos abortados na América mais preciosos do que as crianças que morrem nas ruas de Gaza ou nos hospitais mal cuidados da África.

Os inocentes que morrerão quando uns desses mísseis inteligentíssimos errar o seu alvo não parecem ser tão importantes. A parábola do Samaritano cumpriu-se mais uma vez na noite de 11 de março de 2003. Na tela das televisões do mundo todo, os religiosos passaram mais uma vez ao largo dos que jazem semi-mortos nas estradas da história.

Quando o Larry King encerrou seu programa de entrevistas e debates, arrependi-me de um dia haver me sentado na mesma mesa que aqueles senhores – quando a Bíblia me admoesta a sequer saudá-los. Chorei por perceber que a profecia de Cristo se cumpriu – o amor de muitos esfriará.

Mas não consegui aplacar minha revolta ao ler sob os nomes legendados daqueles senhores que as suas denominações religiosas continham algum adendo como “Grace”, “Love”, etc.

Breve o Iraque capitulará. Logo Sadam Hussein morrerá. O petróleo jorrará abundante para suprir o guloso mercado americano. Desfrutaremos uma certa normalidade. Contudo, eu nunca mais serei o mesmo. Jamais conseguirei chamar de Reverendo, qualquer líder religioso da estirpe desses três senhores.

Notas:

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por Ricardo Gondim