Viver do passado

Amigos, alguns dias atrás encontrei dois amigos com quem não falava há tempos. Nesta oportunidade, como seria normal em situações assim, falamos de muitas coisas do passado. Problemas, circunstâncias, “causos” diversos. Lembrar do passado pode ser bom, mas também pode ser deprimente. Falar de certas coisas que aconteceram com a gente em determinados momentos de nossas histórias de vida nos levam a vales e dias escuros, que Salomão avisou, seriam muitos.

Cada vez que remexemos nosso passado corremos um grande risco: o de ficarmos atrelados a ele, travando nossa vida de uma tal maneira que não conseguimos tocar a vida adiante. Só existe uma razão para olharmos para o que já foi: tirar lições e evitar repetir os erros cometidos. Não há vantagem alguma em ficar remoendo histórias, ressentindo mágoas, buscando culpados, exigindo coisas, nem mesmo quando a gente tinha razão. O passado ensina, mas também machuca. Até mesmo os dias de glória podem ser uma fonte impressionante de desmotivação, se os deixarmos cair na vala do saudosismo improdutivo. Aquela coisa de “Ah! Naquele tempo é que era bom!” tem um poder impressionante de drenar a energia de que precisamos para as ações necessárias para hoje, qualquer que seja a área da vida.

Existem pessoas que tiveram uma vida terrível. Ontem ouvi uma entrevista com o roqueiro Lobão, que acaba de lançar um livro com suas memórias. Admiro sua coragem de assumir o que fez de errado na vida, apesar de não demonstrar nenhum arrependimento por isso. Não recomendo em absoluto a leitura do seu livro, mas confesso que fiquei com pena dele. Um homem inteligente, brilhante até, mas recalcado e repisado por seus traumas, medos, revoltas, desentendimentos, carregando o peso de uma vida sem sentido e sem limites, completamente dominado por um ódio indisfarçável de pessoas que lhe prejudicaram de uma forma ou de outra. Segundo ele, o lançamento de seu livro serviu para colocar para fora o que ele vinha segurando sozinho desde algumas décadas. Já tinha começado a escrever esta coluna quando vi suas declarações e não pude deixar de fazer uma conexão imediata. Uma pessoa mal resolvida com seu passado não tem chance de ser bem resolvida com o seu presente. E o futuro de alguém assim é tenebroso.

Por outro lado, lembro de Robin Giles, uma cantora do Brooklyn Tabernacle Choir, que em um vídeo conta seu testemunho sobre como Deus reverteu seus traumas de abuso, desprezo e violência na infância e deu-lhe uma perspectiva nova pela Sua graça. Esquecer o passado, para ela, não é apagar a fita, deletar os arquivos e nunca mais lembrar de nada. Não é bem assim que funciona. Mas é conseguir superar seus temores, angústias e ódios, de modo que não seja necessário perpetuar a tristeza que ela mesmo viveu. Desse modo, ela pode ser mãe, esposa e amiga, iluminando seu mundo com a vida de Deus ao invés de fazer da vida de todos ao seu redor uma verdadeira sucursal do inferno.

Entendo como sinal de maturidade o momento em que conseguimos falar de nossas feridas sem nos ferir novamente. Quando podemos colocar os acontecimentos idos na perspectiva correta, sem permitir que os maus determinem nossa felicidade e afetem a paz do nosso novo dia. Aprender com o que se foi, mas nunca nos deixar engolfar pelo passado. Todos tivemos nossos dias maus. Todos nós um dia confiamos em alguém que alguma maneira nos traiu ou nos deixou na mão. Já tivemos expectativas frustradas, sonhos desfeitos, relacionamentos pulverizados. Paciência. Não vai resolver nada remoer indefinidamente essas memórias, porque a vida continua. A fila anda e a calendário muda. Aliás, muda todo dia. A nós cabe simplesmente virar a folhinha e continuar.

Dou graças a Deus porque Ele nos permite viver um novo dia. Dou graças a Deus porque Ele nos dá a chance de deixar para trás da nossa existência aquilo que não deu certo, mesmo quando fomos nós os responsáveis pelos fracassos que colecionamos. Desta vez, reafirmei uma decisão que já estava tomada, mas que valeu a pena ratificar: não quero viver atrelado ao passado, como se dele dependesse para alguma coisa. Verdade é que muitas coisas que fizemos terão cá suas conseqüências deste lado da existência. Verdade é também que precisaremos resolver pendências que ficaram, tal como Jacó e sua briga com Esaú. Mas caso não seja para isso (e convenhamos, nem sempre isso é possível, porque não depende só de nós), não há vantagem nenhuma em repisar nossos momentos sombrios. Bastou termos que vivê-los. Revivê-los é pedir para sofrer de novo. Não vale a pena.

Não permita que as cordas do passado sejam amarras que sufoquem sua vida. Isto não seria justo com você mesmo, não vai lhe ajudar em nada e não vai fazer com que sua vida brilhe da maneira como ela foi projetada para brilhar. Um dia desses alguém ironicamente me perguntou se eu achava que havia um “complô” contra mim. Pensei um pouco sobre isso e concluí o seguinte: ainda que haja e que o mundo inteiro estivesse voltado contra mim, jamais poderia permitir que este motivo suficiente para me tornar amargo, desanimado ou triste para sempre.

Porque num novo dia nos é concedido a cada manhã, no mesmo instante em que as misericórdias de Deus se renovam sobre nossas vidas.

Vivo por elas.