É fácil inaugurar uma seção sobre cinema falando de um filme que acabou de levar pra casa 5 estatuetas do Oscar, o maior prêmio do cinema internacional. No entanto, quando fui assistir a este filme a cerimônia ainda não tinha acontecido e eu o vi sem saber muita coisa sobre ele. Inclusive, essa é uma das minhas táticas antes de ver um filme. Procuro fugir de qualquer tipo de divulgação que possa contar uma linha que seja do que acontecerá nele. Isso faz com que eu me surpreenda mais, tanto para o bem, quanto para o mal.
Menina de Ouro (Million Dolar Baby, 2004) foi dirigido, produzido e estrelado pelo eterno cowboy do velho oeste Clint Eastwood. Além disso, toda a trilha sonora foi também composta por ele. No auge dos seus quase 75 anos, Eastwood mantém a sua boa forma em todas as categorias em que participou do filme e faz uma das produções mais fenomenais da sua carreira. Uma das coisas nele que me chamam mais a atenção é que ele não faz questão nenhuma de esconder seus cabelos brancos ou suas rugas. Ele aceita a velhice numa boa, o que sem dúvida é um ponto positivo, pois sua experiência pode ser ainda mais comprovada em sua aparência, dando mais veracidade aos seus papéis. Que fique claro que eu não estou igualando velhice à experiência, mas quando ambos caminham juntos a coisa fica mais interessante.
Se você já investigou ou ouviu falar alguma coisa sobre Menina de Ouro, deve saber que o boxe é explorado no filme e talvez imediatamente você o associe a filmes como Rocky (com Stallone) ou Ali (com Will Smith). Se você tem preconceito com filmes ambientados nos esportes, fique sabendo que em Menina de Ouro o boxe é apenas um mote para tratar de assuntos mais profundos como aceitação, luta pela vida, escolhas e companheirismo. Não são temas novos abordados no universo do cinema, mas o filme trata cada um deles com muita sensibilidade e coragem.
O roteiro de Paul Haggis é centrado em Frankie Dunn (Eastwood), treinador e empresário de lutadores de boxe. Dunn administra uma pequena e obscura academia junto a seu amigo de longa data, Scrap (Morgan Freeman, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante), ex-boxeador fadado à berlinda depois de um acidente no ringue que o deixou cego de um olho. A lição mais importante que Dunn ensina a seus poucos pupilos é a mesma que parece reger também sua própria existência: Acima de tudo, antes de qualquer coisa, sempre se proteja. Apesar da aparência rude e grosseira de Dunn, ele é um homem que freqüenta a igreja todos os dias (nem que seja para questionar sobre a existência de Deus) e sofre a todo instante com a distância da filha, que há anos não fala com ele.
Depois de se frustrar com o seu boxeador mais promissor, sua academia é “invadida” por Maggie Fitzgerald (Hilary Swank, vencedora do Oscar de melhor atriz). Maggie é uma garçonete pobre que sofre com a rejeição da própria família e quer ser pugilista. Depois de relutar bastante, Dunn aceita o desafio ao constatar nela um talento arrasador, uma dedicação fora do comum e principalmente muita determinação.
Calma, eu não vou contar mais do que isso. A história pode até parecer bem comum, e é mesmo. O grande diferencial desse filme está na maneira como ela é levada. No entanto, pra lá da metade do tempo de metragem, a história dá uma quebrada, dando até a impressão de que dois filmes foram feitos separadamente e grudados no final. É claro que isso não tira o brilho do roteiro, e sim pelo contrário, dá até mais motivos para reconhecermos o brilhantismo dos seus autores.
O filme é fantástico e merecedor de cada uma das estatuetas do Oscar. As atuações do trio Eastwood, Swank e Freeman podem ser consideradas impecáveis. Os diálogos são inteligentíssimos e as conversas entre os personagens de Eastwood e Freeman foram colocados na dose certa para amarrar a trama e quebrar o clima muitas vezes pesado criado por conta das dificuldades evidenciadas no transcorrer da fita.
Menina de Ouro também é um filme sensível e emocionante. Mas não é um filme feito para chorar com forçações de barra e emocionalismos baratos. Acima de tudo, é muito bem dosado.
Por não se tratar de um filme cristão, é claro que não podemos esperar princípios biblicamente corretos. Essa deve ser uma regra áurea ao encararmos filmes essencialmente seculares. Mas todas as questões são tratadas com sabedoria e moderação. Infelizmente a questão mais forte e polêmica do filme eu não poderei comentar aqui por se tratar de um evento marcante no enredo, o que estragaria a surpresa de quem ainda não o assistiu.
Um alerta
Menina de Ouro é um filme bem pesado, de cenas fortes e chocantes, além de ter um clima bem down. Por isso, se você não gosta de emoções fortes, nem chegue perto desse filme. No entanto, se você resolver encará-lo, com certeza vai passar pelo menos uns dois dias refletindo no que você está fazendo com sua vida. Eu recomendo.