Amigos, a semana passada terminou com uma desapropriação de terra pela polícia de Goiás. Sob a sombra da determinação do juiz, os casebres dos sem-teto foram destruídos, seus pertences debulhados e queimados e quase 1000 pessoas foram presas e dois jovens foram mortos.
Tudo dentro da lei. Sem querer politizar a discussão, o fato é que o governador tucano Marconi Perillo explicou impassível que era o cumprimento imediato de uma decisão judicial. E decisão judicial não se discute. Cumpre-se. É extraordinário quando as leis são feitas por nossos representantes, aplicadas pela justiça e cumpridas pelo poder público. Tudo funciona tão bem, que isso aqui fica parecendo a Suíça. É gostoso encher a boca para se justificar citando a lei como anteparo. É mais ou menos o que acontece nas chamadas áreas de risco, quando a Defesa Civil chega para tirar os coitados que moram nas encostas dos morros. Eles são obrigados a sair para que o governo não se sinta culpado por suas mortes. E os governos municipais acham que estão fazendo um grande favor de empilhá-los depois nos pátios de escolas e ginásios de esporte.
O que fica difícil de explicar e impossível de entender é porque somente as leis que prejudicam o pobre e o necessitado é que são cumpridas tão rápida e eficientemente. Por que será que ninguém mexe com os hiper-bacanas que construíram seus palacetes nas áreas de manancial ou em áreas de preservação ambiental? Por que não se aplica a lei contra os governantes que superfaturaram obras e embolsaram milhões? Por que será que os ricos que se sentem prejudicados conseguem sentenças rápidas e favoráveis e o povo não tem para quem reclamar sequer da conta do telefone que vem a mais e que para resolver você fica pendurado 4 horas na linha, sendo tratado como palhaço (este é tema para uma outra ocasião)?
Creio que existe uma compreensão equivocada do que seja a submissão que como cristãos devemos às autoridades constituídas e da missão que como cristãos devemos a Deus. Nossa obediência às leis e às autoridades não está condicionada à retidão de ambas, mas ao fato de que Deus exige que as respeitemos. Ponto pacífico. Nada a discutir. Porém, não nos esqueçamos do papel profético que o povo de Deus tem no seu tempo e história. Olhe a mensagem dos profetas. Veja como eles se levantavam contra as injustiças sociais, contra a impunidade, o suborno, a distribuição de renda perversa, a agiotagem (Ezequiel compara os que vivem de juros aos que vivem da prostituição), a violência. Note como eles reclamavam da falta de amparo social às viúvas, aos órfãos e desamaparados. Porque Deus tem seus ouvidos voltados ao clamor dos que sofrem. Porque Deus odeia a injustiça e a opressão. Porque Deus promete vingança contra aqueles que chegaram ao poder para servir ao povo e preferiram o caminho de servirem-se do povo.
Onde está o problema quando falamos contra o “Evangelho Progressista”, que imagina conseguir reverter a situação envolvendo-se no sistema apodrecido e corrupto da política secular? É justamente que os profetas não eram meros críticos sociais. Jeremias não era o Arnaldo Jabor nem Amós era o Boris Casoy de sua época. Eles apontavam os problemas, exigiam providências, mas iam ao âmago da questão: invariavelmente mostravam que a causa maior de todos eles era uma só: o abandono de Deus. Deus é luz; Deus é justo; Deus é amor; Deus é paz. Quanto mais longe de Deus você anda, mais escuridão, mais injustiça, mais ódio e mais violência você vai ter.
Então, como conciliar nossa missão como embaixadores de Deus com nossas responsabilidades de cidadãos? Onde atacamos primeiro? A causa ou os efeitos? Sairemos distribuindo folhetos ou cestas básicas? Ensinaremos o povo a ler e escrever ou a repetir versículos? Vamos embarcar no “Evangelho Social”, que fala de inflação, juros baixos e cooperativas, mas não fala nada de fé, eternidade, arrependimento e compromisso com Deus ou vamos embarcar no “Evangelho Ghost”, aquele que só fala de almas para lá, almas para cá, que batiza tantas almas, que edifica outras almas, tudo muito etéreo, intangível e abstrato?
Será que não existe um meio-termo? Não seria impossível falar do amor de Deus, da sua busca pelo pecador perdido, da sua oferta de perdão em Jesus Cristo, da obra suficiente do Calvário, da necessidade imperiosa de se estar preparado para a eternidade e ao mesmo tempo, enquanto se faz isso e sem nunca deixar de se fazer isso, organizar o corpo de Cristo de tal maneira que ele se torne uma voz a ser ouvida por seu caráter, lisura, exemplo, ética e amor prático?
Isso não só é possível como tem sido feito. Sempre se viu e até hoje se vê cristãos que conseguem colocar fé e as obras em ação. Presenciei essa grande maravilha, por exemplo, em Angola. Muito mais do que ajuda humanitária, ali há homens e mulheres gastando suas vidas com a Bíblia em uma mão e um cesto de pão na outra.
Mas ainda fica a pergunta: até quando vamos nos calar diante de situações como essa de Goiás e de tantas outras que estão debaixo do nosso nariz todos os dias? Vamos continuar procurando desculpas e justificativas ou vamos procurar uma resposta sincera, custe o que custar à nossa tradição eclesiástica ou à nossa “teologia” conformista?