Tsunami

Amigos, eu não estava lá. Não posso ter idéia da dimensão da catástrofe. Por mais que tente acompanhar os números, ouvir as explicações dos metereologistas, assistir às imagens impressionantes, não consigo assimilar ainda que superficialmente o que significou aquela destruição em massa, que durou poucos segundos. Uma tragédia, por definição, é algo completamente inesperado. Ninguém se prepara para ela, de modo que quando ela chega, pega a todos de surpresa e deixa marcas de tristeza e dor inesquecíveis. Nunca mais a gente é o mesmo depois de uma tragédia. Um rastro de miséria, lágrimas e histórias de terror é que resta na esteira das ondas gigantes da vida, seja na Ásia, na Rússia, nos Estados Unidos ou em Salto de Pirapora.

Momentos assim fazem com que a fé de muitos balance. Tenho lido e ouvido coisas nos últimos dias que beiram a uma revolta. Pessoas que deveriam servir para orientar outros no caminho de Deus com o dedo em riste apontando para o céu e perguntando iradas: “que tipo de Deus é esse que permite essas coisas?” Cheguei a ler um texto de alguém que até hoje admirava por seu equilíbrio e que passou a achar, em função das Tsunamis, que conceitos como o da Soberania e Onipotência de Deus não significam mais nada dentro dos “paradigmas das ciências sociais pós-modernas” e que essa história de dizer que Deus não deve satisfação a nós é coisa da Idade Média. A conclusão a que se chega é que hoje Deus precisa descer do trono e vir explicar-se ao homem moderno, ao teólogo ilustrado e cheio de conhecimento e saber. Será possível que Deus não sabe em que época nós estamos vivendo? Não sabe o nível que a inteligência humana tem atingido? Não vê nossas realizações, descobertas e progressos fantásticos?

E como explicar as outras infinidades de “tsunamis pessoais” que cada ser humano enfrenta a cada dia em sua vida? A maioria delas não é provocada pela natureza, mas pelos próprios seres humanos. Um motorista embriagado sobe na calçada e atropela a mãe com uma criança no colo. Ambos morrem, o motorista além de sobreviver, continua dirigindo embriagado. A família viaja feliz, quando de repente o motorista dorme ao volante, capota o carro e mata a todos. O cristão está cultuando a Deus em sua comunidade, quando volta para casa, encontra-a revolvida e subtraída de bens que levou anos para conseguir, muitos dos quais serviam grandemente no Serviço do Reino. A mãe piedosa, rodeada de filhinhos pequenos, é acometida por um câncer brutal e parte para a eternidade, deixando um marido boquiaberto, com o coração despedaçado e uma tremenda responsabilidade de criar sua prole. Vê-se que não são apenas maremotos que destróem a vida das pessoas. Como explicar tudo isso? Os desavisados, os desequilibrados, os incrédulos, os racionalistas e até mesmo os cristãos nessas horas costumam perguntar: “onde estava Deus quando isso aconteceu?” Já vi gente graduada, como Billy Graham, tentar responder que Deus estava nos bombeiros, nos paramédicos, nos voluntários, nos enfermeiros, na Cruz Vermelha, nos Médicos Sem Fronteiras, nos escoteiros e em todo o pessoal que fez alguma coisa para amenizar o sofrimento dos que ficaram. Sinceramente, esta não me parece ser a resposta correta. É muito poética, bastante humanista, mas de alguma maneira parece não ser exatamente bíblica. A mim me convence muito mais a palavra de Paulo aos Coríntios: “Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo, não imputando aos homens as suas trangressões”. Não porque eu seja mais espiritual do que ninguém. Mas porque esta é a maior demonstração do interesse de Deus a respeito do ser humano. Se déssemos ouvidos ao ministério da reconciliação, do qual todo verdadeiro cristão é embaixador, nosso mundo seria outro.

Então, os amigos me perguntariam: “qual é a sua resposta?”

Felizmente, eu não preciso ter as respostas. Claro, claro. Isso vai soar uma super-simplificação. Hoje em dia não podemos mais aceitar respostas desta natureza. Não nos satisfaz mais dizer que Deus não deve satisfação ao ser humano; que toda e qualquer tragédia, seja qual for a natureza, a intensidade ou a dimensão, nunca nasceu no coração de Deus e nunca fez parte dos planos de Deus para o ser humano; que Deus já deu provas mais do que suficientes de que é um Deus confiável, que não decepciona os que nele confiam; que vivemos um mundo amaldiçoado pelo pecado e fadado à destruição completa.

Isto não é mais suficiente. Lamentavelmente, há muitos cristãos que desacreditam do seu Deus. Há outros que nunca leram o livro de Jó. Ele também queria explicações do Todo-poderoso. Exigiu que Deus convocasse uma coletiva e desse explicações. Não é que Jó fosse um herege imprestável. Ele já tinha sido chamado por Deus mesmo de “homem íntegro, temente a Deus e que se desviava do mal”. O problema é que simplesmente ele era “um homem” e como tal, tinha suas dúvidas, seus momentos de fraqueza e os dias em que dizia coisas das quais mais tarde se arrependeria. Deus ouviu tudo com espantosa paciência por 37 longos capítulos. E quando abriu a boca, não pediu desculpas a Jó, não se justificou sobre o porquê do Seu silêncio, não deu um relatório detalhado sobre Seus planos em relação aos anjos, aos homens e ao próprio Jó. Ele apenas fez algumas perguntas a Jó a respeito da natureza. Animais, tempestades, oceanos. Coisas de ecologia. E Jó entendeu. Ele não precisava saber o porquê das coisas. Bastava-lhe conhecer, experimentalmente, o Deus que tudo pode, aquele de quem nenhum dos planos pode ser frustrado.

Eu entendo perfeitamente aqueles que não conseguem entender a tragédia, seja ela do tamanho que for. Eu também não consigo. Jó também não conseguiu.

Minha casa foi assaltada no último final de semana. Roubaram tudo o que puderam. Para mim, não deveria ter sido difícil entender isso. Mas foi. Pior ainda foi explicar para minha filha de 8 anos, que ficou 1 ano esperando para receber seu presente de aniversário, que os ladrões o tinham levado embora e que não sabemos quando e se um dia poderemos comprar outro. Pelo menos antes de acabarem as prestações, certamente não. Como responder a ela a dúvida do seu pequeno coração sobre “se Deus não estava guardando a nossa casa enquanto estamos fora?” Por que as casas de tantos devassos nunca foi tocada? Se como pai cristão eu não tiver coragem de dizer que Deus não tem nada a ver com isso, que seguramente Ele não tem culpa porque nunca faz nada errado, eu posso jogar fora minha Bíblia, meu ministério e minha fé.

A única certeza a que meu coração pode se agarrar sem medo e sem temor é esta: seja na Tsunami, seja no assalto ou até no dedo quebrado no meu pé esquerdo, O MEU DEUS NUNCA ERRA.

Para mim, essa certeza basta.