Amigos, mais uma vez uma lição do esporte. Não que eu seja um amante do tênis, mas não houve brasileiro que não se emocionasse com a meteórica ascensão de Gustavo Kürten no ano em que chegou ao topo do ranking mundial deste esporte. Mesmo sem entender as regras e não saber a diferença entre o histérico comportamento de uma torcida uniformizada de um time de futebol e a fleumática reverência de uma platéia em torno de uma quadra, a gente deu a impressão de que o Brasil seria não somente o país da Copa do Mundo, mas também o da Copa Davis. A pátria de chuteiras, por um momento, passou a ser a pátria de raquete na mão.
Agora, abro o jornal na seção de esportes e vejo um Guga cabisbaixo e a melancólica manchete: “Brasil” segue Guga e está rebaixado da elite do tênis”. Verdade é que Guga venceu sua partida nesta fase da Davis, mas o jornal relaciona (creio eu que com alguma razão) a derrota da equipe brasileira à influência da má fase do seu principal jogador. Em franca decadência, rescindiu contratos publicitários, está fora da mídia e despenca cada dia mais no ranking. Certo que sua conta bancária e suas mansões em Florianópolis serão suficientes para garantir-lhe um futuro tranqüilo, mas os grandes esportistas dizem que chega um ponto na carreira em que isso não é o que mais importa. Pessoas do esporte, quando nele permanecem por paixão, são movidos muito mais a vitórias do que a dólares ou reais. É que a gente, que vive às voltas com o pagamento da escola dos filhos, da prestação do carro ou do aluguel, não consegue entender bem essa história.
Gustavo conseguiu o feito de conquistar uma nação. Todos torcemos por ele. Esses dias, voltando de uma conferência no Rio, encontrei-me com ele num aeroporto. Que legal ficar perto de um camarada “pra cima” como ele. Deu vontade de chegar nele para dizer pessoalmente: “Valeu, Guga!” A gente se sente mais brasileiro quando um brasileiro se destaca em alguma coisa. Verdade é que, naquele momento, não sendo mais o número um, às voltas com contusões e derrotas, não havia um batalhão de repórteres nem de meninos e meninas gritando por um autógrafo. Ele já caminhava normalmente, como um passageiro qualquer. É dura a realidade da fama: quando você está por cima, não consegue andar entre o povo de tanto assédio. Quando está por baixo, ouve os cochichos e até o escárnio entre o mesmo povo: “Lá vai o Guga, aquele que um dia foi o número 1…”
Sinceramente, duvido que Guga volte a ser o que foi. Não tenho mais esperanças. Pelo semblante dele ultimamente, parece que nem ele tem. Acabou a “era Guga”. Mas ele ainda pode ser útil ao esporte. Quem sabe pode produzir com sua experiência e simpatia novos campeões, que trilhem o mesmo caminho que ele trilhou na última década. Ok, ok. Talvez esteja sendo fatalista. Quem sabe ele ressurge das cinzas e se torna novamente um campeão? Cobrem-me, amigos. Voltarei a esta tribuna para homenageá-lo. Não sou o corvo da intolerância, que torce pela desgraça alheia. Até porque, como já disse, sou fã do Guga mesmo sem entender de tênis (só não bebo aquele guaraná que ele anuncia, que acho horrível). Se eu pudesse dizer-lhe alguma coisa, acho que seria mais ou menos assim: “Não se preocupe, amigão. Nem tudo está perdido. Você já fez bastante coisa boa. Vá em frente. Ainda gostamos de você, por tudo o que você representa para nós”.
Infelizmente, como diria o redundante César Coelho, a regra é clara: não se pode garantir a vitória de amanhã com a vitória de hoje. Chegar ao topo não é tão difícil quanto permanecer no topo. Vencer é uma coisa. Andar em vitória é outra história. Não é tarefa fácil. É mais comum a síndrome da égua paraguaia, aquela que sai na frente, abre 50 metros de vantagem, mas que na última volta tropeça, cambaleia e cai a meio metro do disco final. Não se pode viver de nome.
Mais ainda. Flávio Saretta não será um vencedor só porque Guga já foi. Melligeni não chegou ao topo porque Kürten chegou. O tênis, salvo quando disputado em duplas, é um esporte que depende de cada um. Como na cadeira de barbeiro. Como em ponte estreita.
Como na vida cristã. É um de cada vez. Não posso vencer porque meu pastor ou meu presbítero é um vencedor. Meu testemunho ruim não será obscurecido pelo bom testemunho de minha esposa. A minha vida é minha responsabilidade. Eu devo zelar por ela.
E quando eu me lembro das vitórias de ontem, devo fazê-lo apenas para me certificar de que é possível ser vencedor, mas que não é possível mais ser vencedor ontem. Só hoje, que é um novo dia, uma nova partida, uma nova temporada. E preciso manter mais do que vivo o alerta que Deus me faz: se eu penso estar de pé, que tome cuidado para não cair.
Mas, e se eu cair? Bom, aí eu não preciso ficar prostrado. Eu só preciso olhar para Aquele que estará ao meu lado, dizendo mais ou menos assim: Não se preocupe, amigão. Nem tudo está perdido. Você já fez bastante coisa boa. Vá em frente. Ainda gosto de você, por tudo o que você representa para mim”.
E quando ouvir esta voz, será motivo mais do que suficiente para me levantar, sacudir a poeira, limpar os esfolados e continuar.
Pensando bem:
Quando ouvir esta voz, será motivo mais do que suficiente para me levantar, sacudir a poeira, limpar os esfolados e continuar.