Amigos, andar a pé faz bem. Fortalece os ossos, encolhe a barriga, mas acima de tudo, nos permite aproveitar o tempo para colocar as idéias em dia. Agora que moro perto do trabalho, re-descobri a bênção da caminhada. É o momento de colocar, mentalmente, a agenda em dia, de criar projetos novos, de repensar as conversas a seguir e até mesmo de escrever esta coluna.
No momento, meu trajeto inclui uma gama de botecos, desses de bairro, com balcão para se encostar a barriga e pedir uma pinga. São vários. Se concorrentes ou não, é difícil dizer. O fato é que há uma clientela fiel a cada um deles. Começo a identificar algumas figurinhas carimbadas, que marcam ponto todos os dias. Nunca saio do serviço antes das 8 da noite. Então, o horário nobre desses “barólatras” é passado, dia após dia, entre os “amigos de botequim”.
Há os cantores de moda de viola. Cantam de olhos fechados, emocionados (todos os dias a mesma música, é preciso dizer). Parecem felizes, apaixonados, românticos. Sempre têm uma platéia a aplaudir-lhes os desafinados tons finais de suas canções.
Há os que preferem um bate-papo com algumas “mocinhas de família”, que também gostam de saltitar por entre as mesas esparramadas pela calçada, como pirilampos em noites de verão. Ah! Como são solícitas. Parecem ter todo o tempo e a atenção do mundo. São tão compreensivas. Em retribuição, os barrigudos derretem-se em elogios às colegas. Tratam-nas com uma educação e fineza à toda prova, especialmente em época de pagamento. Sempre fico a pensar onde foi que eles aprenderam a tratar tão bem de uma dama. Deve ter sido no trato com suas esposas, aquelas que devem a esta hora estar em casa lavando suas roupas.
De vez em quando, ouço parte das conversas. São sempre histórias de valentia, coragem, às vezes até de truculência. Como são corajosos os freqüentadores de botequim! Enfrentam, quase sempre sozinhos, desde bandidos armados até onças ferozes. Aqueles que os escutam têm medo até de duvidar. Será que rola algum campeonato tipo “quem-consegue-contar-a-pior?”
Parece haver uma atmosfera de amizade, de aconchego, de aceitação e de respeito. Não duvido que para alguns deles, eméritos pinguços, o bar seja o melhor lugar do mundo para se estar. Ali, os relacionamentos são superficiais, descomprometidos, frugais. Ali não se cobram compromissos nem fidelidades. Todos são bacanas, todo mundo é “mano”, porque ninguém exige nada. Luís Fernando Veríssimo explicaria isso com uma frase brilhante: “Como são agradáveis as pessoas que não conhecemos direito”.
É difícil imaginar que esses elementos sejam assim dentro de suas casas. Imagino como é que eles vão chegar em casa. Qual será a primeira palavra que vão dirigir à sua esposa ou a seus filhos? Qual será a reação a algum pedido de alguém da família? Haverá a mesma generosidade? Duvido.
Por incrível que pareça, isto me faz lembrar a Internet. Entre numa sala de bate-papo, conheça “amigos” e passe horas e horas em agradável amizade virtual. Nada mais cômodo. Amizade virtual é como amizade de bar. É fácil ser alguém quando, na verdade, se é ninguém. Converse o quanto quiser, sobre o que quiser. Quando enjoar, desligue. Ou saia da mesa. Você pode ser tão simpático quanto uma aeromoça quando está desenvolvendo uma amizade virtual. Não precisa mostrar quem você realmente é.
Por que conseguimos ser tão cruéis com as pessoas a quem mais amamos e ao mesmo tempo conseguimos ser tão gentis com aquelas que mal conhecemos? O que nos leva a vestir máscaras que não mostram nosso verdadeiro rosto? Por que veneramos tanto o relacionamento superficial com o desconhecido e evitamos tantas vezes as “feridas leais feitas por aquele que ama (Pv 27:6)”? É porque muitas vezes preferimos o caminho fácil do bar ou do teclado ao invés de enfrentarmos a nós mesmos, com nossas mazelas e fraquezas, com nosso mau-humor e intolerância, com nosso egoísmo e arrogância. Preferimos a superficialidade que não nos cobra mudança de atitude, que não aponta nossos erros, que não se atrita conosco para eliminar as saliências nefastas do nosso caráter.
Estou certo de que é por isso que Deus exige a mutualidade. Aqueles versículos que falam sobre “uns aos outros”, “uns com os outros”. Uma igreja não é um bar nem uma sala de bate-papo. É lugar de vidas que se entrelaçam, que se unem vitalmente. Desse amálgama deve surgir alguém melhor do era quando entrou.
Pensando bem:
Quem não compreende isso, será mais feliz se freqüentar o botequim da esquina.