Entrevista da semana: Abigail, a pérola do Carmelo

Ex-esposa de Nabal, um dos homens mais ricos do Carmelo (sul de Hebrom), dono de um respeitável rebanho de 3.000 ovelhas e 1.500 cabras e forte produtor de lã, Abigail é uma dessas histórias com final feliz. Bela e respeitada na juventude, teve um casamento conturbado com Nabal. Depois da morte dp marido, ela acabou despertando fortes paixões no então ungido rei Davi. Ela fala sobre casamento, família e faz um retrospectiva de sua trajetória.

: Se a sra me permite começar nossa entrevista com uma pergunta que todo mundo sempre se fez, como uma mulher com as suas qualidades físicas e interiores foi se apaixonar por Nabal?

Abigail: (Risos discretos) Antes de mais nada, respeito muito a memória do meu primeiro marido. Ele vinha de uma excelente família (NR: ele era da casa de Calebe). A gente não acerta em tudo na vida. Talvez tenha sido um erro a minha decisão, se bem que essa é uma entre as muitas coisas em que as mulheres não opinam muito em Israel. Além disso, ele tinha lá suas qualidades. Era muito bom para os empregados e era um comerciante muito competente e próspero. Gente como eu sempre procura o que as pessoas têm de melhor, às vezes se esquece de ver os defeitos, com medo de julgar os outros.

: Como foi aquele dia em que a sra. conheceu a Davi pessoalmente? A sra. se lembra de algum detalhe?

Abigail: Sim, foi um acontecimento que marcou a minha vida. Um empregado chegou contando que tinha havido um desentendimento entre Nabal e Davi e que Davi tinha ficado muito aborrecido com ele.

: Mas parece que não foi tão simples assim. Falou-se que Davi tinha prometido uma ação dura contra Nabal e seus empregados, do tipo acabar com todo mundo, matar todos os homens dali…

Abigail: É, Davi ficou muito chateado porque ele e seus homens tinham dado proteção aos rebanhos e pediu somente um pouco de suprimento em troca e Nabal não quis atender.

: Consta que Davi tinha prometido matar todos os HOMENS da casa. Nesse caso, a sra. por certo estaria livre, seria poupada. Por que, então, interferiu? Não era uma boa chance de…

Abigail: Jovem, a vida de um homem vale tanto quanto a de uma mulher. Já imaginou que tragédia teria acontecido naquele dia? Quanto sangue inocente seria derramado à toa? Davi mesmo me agradeceu muito naquele dia por ter evitado que ele fizesse aquela chacina que prometeu.

: Como a sra. conseguiu arrumar toda aquela comida em tão pouco tempo?

Abigail: Eu sempre fui da opinião de que quando a gente quer, a gente dá um jeito. Quase nada é impossível quando uma mulher está determinada a fazer a coisa certa.

: É verdade que a sra. não falou nada a Nabal do que estava fazendo em favor de Davi? Não havia risco se ele soubesse de alguma coisa?

Abigail: Havia risco, sim. Mas eu preferi não falar nada para que as coisas não ficassem piores. Tem momentos na vida em que a gente precisa saber falar e tem momentos em que a gente precisa saber ficar calado.

: Nabal era muito difícil? Como era a sua convivência com ele?

Abigail: Olha, eu prefiro não falar muito sobre isso. Eu não quero ficar jogando as pessoas contra ele. O que passou, passou. Que Deus o julgue. O que eu posso falar sobre isso é que, da minha parte, eu fiz todo o possível para que as coisas andassem bem em casa. Afinal, a maior riqueza que um homem pode ter não são as posses e um grande rebanho, mas uma família unida e temente a Deus.

: No dia em que ele ficou doente, ele tinha ficado bêbado durante uma festa. Ele sempre fazia isto?

Abigail: Já disse, prefiro não comentar. Festas são coisas comuns para pessoas da alta sociedade, para quem tem muito dinheiro. Era comum ter festas daquele tipo em casa. Às vezes ele exagerava, sim, mas no outro dia ele estava livre do vinho e pronto para o trabalho. Isto não era um grande problema.

: Alguém chegou a avisar a sra do que estava para acontecer? Como a sra ficou sabendo do que estava rolando?

Abigail: Um dos nossos funcionários me contou. Ele estava muito assustado e pediu para que eu fizesse alguma coisa.

: Mas não é estranho que ele tenha procurado a sra ao invés de procurar Nabal?

Abigail: Os empregados da casa me respeitavam da mesma maneira que respeitavam a Nabal, por isso ninguém questionou a minha decisão de interferir naquela crise com relação a Davi. Para mim não foi nenhuma surpresa que eles me procuraram. Não tinha sido a primeira vez.

: A sra se surpreendeu com a reação de Nabal quando foi lhe contar o que tinha acontecido?

Abigail: Totalmente. Não havia motivo para tudo aquilo. Era uma situação que poderia ter sido resolvida só com uma boa conversa. Ele era um homem que sempre teve boa saúde, sua morte foi repentina, chocante. Claro que eu não esperava isso. Quem tem boa índole sempre espera que as pessoas mudem, que reflitam quando não agem bem e que procurem uma solução. Eu não queria que ele morresse daquele jeito. Seria muito melhor para mim que ele tivesse permitido uma transformação, uma mudança. Infelizmente, Nabal escolheu outro caminho.

: Quando Davi lhe propôs casamento, a sra disse que servia mais para lavar os seus pés, mas logo depois subiu no jumento e foi encontrar-se com ele. O que a fez mudar de idéia tão rapidamente?

Abigail: Eu não mudei de idéia. O que eu falei foi de coração. Ele era, já naquela época, um herói nacional, embora não fosse ainda unanimidade. Eu era uma ilustre desconhecida. Mas tinha um outro lado. O que eu pensei naquele momento é que a vida ia continuar, era preciso seguir em frente. E se Deus estava no controle de tudo, como sempre está, então por que hesitar?

: Há quem acuse a sra de ter dado o “golpe do baú”. Como a sra responde a estas críticas?

Abigail: Bom, isso não são críticas. São acusações maliciosas da imprensa. Que interesse eu teria em dar o golpe do baú se naquele momento Davi estava dependendo de nós até para comer? Além disso, eu não matei o meu marido. Não tem nada a ver. Quem me conhece sabe o quanto eu respeitei Nabal.

: O que a sra diria para uma mulher que tem o marido difícil de tratar?

Abigail: Que ela não tente fazer justiça com as próprias mãos e ame e respeite seu marido até o fim. Que ela saiba a hora certa de falar com ele e a hora certa de agir também. Não acho que uma mulher precisa sofrer calada o tempo todo; chega uma hora que a gente tem que fazer alguma coisa, até para nossa própria proteção e sobrevivência. Eu nunca fui uma Amélia. Eu sabia muito bem o que se passava nos negócios, sabia onde estava a chave do cofre, tinha uma certa independência. Uma mulher virtuosa não é uma mulher que serve de capacho para o marido, mas a que procura ajudá-lo. Nem sempre a gente consegue, mas Deus é justo e não nos deixa desamparadas.

Pensando bem:

Nota da redação: Nabal & Abigail eram de Maom (I Sm 25:2), e tinham suas fazendas em Carmelo. Sua história mostrou, entretanto, que a verdadeira riqueza que ele conseguiu não foi sua fazenda, mas sua esposa. Depois de sua morte, Davi casou-se com Abigail.