Era um apartamento pequeno em algum lugar da zona norte carioca, lá pra mil novecentos e setenta e poucos. Fazia um calor…! Era sábado, e o pai tirava um cochilo à tarde, sob o vento produzido por um velho ventilador verde. Estava sozinho. Acordou. Ouviu algum ruído na sala. Chegara o filho com a noiva e por ali ficaram, sem fazer muito barulho e sem saber que o pai por ali mesmo estava.
“O que estariam fazendo os dois ali, sozinhos…?” Preocupou-se o velho. “Pode ser perigoso”, pensou. A tentação bate à porta, o inimigo de nossas almas não brinca em serviço, prepara tudo com precisão, sabe onde a coisa pega. Na sua sabedoria, o pai sabia que arrependimento é como trem da Rede Ferroviária Federal. Só vem tarde…
Inquietou-se. Não sabia se orava, se ficava no quarto, se fingia que continuava dormindo ou se ia à sala e anunciava sua presença. Teve medo de ver o que não queria – sei lá, um beijo escandaloso, uma situação constrangedora – afinal, os meninos pensavam estar sozinhos… não queria parecer indiscreto, mas também não queria se passar por tolo. O calor parecia mais forte agora, e as hélices do ventilador não faziam frente à demanda. O pai mal podia ouvir o que o filho e a quase futura nora conversavam.
“Por que falam tão baixinho… que coisa!!!”
Chega disso! Iria no mesmo instante à sala e interromperia tudo com uma frase simples: “Boa tarde… (pausa) tudo bem?” Não, primeiro uma tosse, só pra dizer que havia alguém em casa, só pra… sei lá, dar a eles a chance de se ajeitarem. Melhor: ligaria o rádio, como quem quisesse ouvir o futebol ou um programa na rádio Copacabana, a emissora evangélica. Ou então… usaria o telefone, ligaria pra alguém. Seria essa uma forma de mostrar que eles não estavam sós. O que acontecia na mente do pai, para dizer a verdade, era uma espécie de embate interior, um monodiálogo:
– Mas, puxa vida, meu filho não precisa disso…! Foi criado ali, no temor de Deus… – ponderava o lado pai amigo.
– É, mas, jovem você sabe como é que é… – contra-argumentava o lado responsável.
– Pelamordedeus, homem! Você confia ou não na criação que deu a seu filho? Até que ponto… – apelava o lado pai amigo.
– Confio desconfiando! – respondia desafiante o lado responsável – nunca ouviu essa expressão?! Pois ouviu agora!! Larga a mão de ser ingênuo, abre teu olho…!
A sessão do tribunal interno da consciência não terminava nunca, assim como o suor e a tensão do pai, que reunia tanto um lado quanto o outro das partes envolvidas no “tribunal”. Aliás, leitor, este texto também não precisa ter sua leitura concluída, pois não fará sentido se você não compreender algo básico: “Sem a santificação, ninguém verá o Senhor”. Tá lá em Hebreus, e acabou-se.
Finalmente tomou coragem. Melhor enfrentar a situação. Se tivesse de chamar os dois à atenção, chamaria. Cumpriria sua missão de pai, sacerdote do lar, profeta de Deus na casa, e fim de papo!!
Apenas uma cortina fazia separação entre o corredor e a sala. Bastaria abri-la. E… quando o fez… deu de cara com uma cena que em momento algum havia imaginado. O filho e a noiva estavam ajoelhados, orando! Talvez por isso não falassem alto! Diziam segredos, não um ao outro, mas àquele que, de antemão, conhece os segredos dos corações dos homens. Que cena…! Que desfecho!!
O tempo passou, e a vida seguiu seu rumo: o filho casou-se com a noiva, que virou nora; o pai virou avô, e agora já é bisavô. O filho e a nora têm ministério específico com casais e saem pelo Brasil, como instrumentos usados por Deus para endireitar as veredas de muita gente. A vida deu voltas, mas o apartamento pequeno ainda está no mesmo lugar, no frio e no calor. E a Palavra do Senhor continua valendo. Ontem, hoje e eternamente…!
por Zazo, o Nego