Zé Braga

Amigos, ir a Piracicaba e não conhecer o sorvete do Zé Braga é como ir a Paris e não ver a Torre Eiffel ou ir ao Rio e não ver o Pão de Açúcar. Além de ser o melhor picolé do Brasil, custa baratíssimo (R$ 0,25 cada!!!), é totalmente natural (feito com leite da fazenda), oferece sabores exóticos como tamarindo e carambola e se você não tiver trocado, pode pagar quando passar da outra vez. Nunca vi nada igual.

Conheci seu Braga quando morei na rua de cima da sua famosa sorveteria, próxima ao estádio do glorioso XV de Piracicaba. Foi em 1980. De lá para cá, perdemos as Copas de 82, 86 e 90. Ficamos Tetra em 94 e Penta em 2002. A moeda era cruzeiro, passou para cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, URV, real. Estávamos no fim do governo militar, veio o Sir Ney, o Collor da Mão Grande, o FHC e seus 40 ladrões. O Palmeiras ainda estava na fila (da qual saiu em 93), o Santos ainda sabia o que era ser campeão (o que, obviamente, já esqueceu). Ninguém sabia o que era computador pessoal, e Internet ainda era coisa de filme de ficção científica. 22 longos anos atrás.

Para mim, particularmente, a vida mudou muito nesses anos. Fiz curso universitário (não terminei, mas fiz), abri e fechei 4 negócios diferentes, casei, tenho duas filhas, mudei de cidade, de igreja, de cabeça e de visual (estou longitudinalmente mais elíptico). Nem vou fazer a lista de todos os que vi morrer e nascer nesse tempo, porque seria longa demais.

Sexta-feira passada, final de expediente na escola onde trabalho, antes de voltar para casa precisei passar numa loja no centro. Resolvo descer a rua XV de Novembro. Passo na esquina e, surpresa! Quem vejo firme e forte, costas arqueadas de tanto colocar palitinho em sorvete? O próprio. Meu querido Zé Braga. Não resisti. Dei a volta no quarteirão, subi a escadinha alquebrada e pedi sem medo:

— Tem de côco, seu Zé? Tinha. De abacaxi e carambola também.
— Seu Zé, lembra de mim? — perguntei por educação.
— Claro, você morava aqui em cima, mas faz tempo que não aparece. Mudou e sumiu, hein, filho? (Incrível, vender sorvete faz bem pra memória).
— Pôxa, eu conheço o senhor há mais 20 anos e o senhor já vendia sorvete. Há quanto tempo o senhor tem este ponto?
— Quarenta e sete anos.
Engasgo no picolé.
— Quantos anos?
— Quarenta e sete.

Você consegue imaginar o que é isso? Quarenta e sete anos fazendo a mesma coisa? E sem reclamar ou deixar cair a qualidade? Sua esposa o auxilia ao longo de todo esse tempo. Seja inverno ou verão, faça chuva ou faça sol, estão lá os dois, das 8h00 às 18h00. Criança pobre não paga, se elogiar o sorvete, leva algum de graça. Ele me contou que no começo sua idéia era ser uma mercearia, mas aí faltava o carrinho para ir ao Ceasa e então ele deixou a idéia de lado. Especializou-se na sorveteria e está tocando a sua vida assim até hoje.

Alguém poderia chamar isso de falta de visão empresarial, mas eu prefiro chamar de perseverança. Alguém poderia chamar isso de comodismo, mas eu prefiro chamar de contentamento. Alguém poderia alegar que assim ninguém fica rico, mas eu prefiro pensar que isso nunca foi o que os moveu. Trabalham no que gostam, fazem o melhor que podem e seu maior prazer é ouvir alguém falar bem do seu produto.

Fiquei pensando em quantas coisas eu comecei e desisti durante esse tempo todo. Lembrei-me de um conselho que recebi de um irmão, bem sucedido na sua carreira profissional e hoje servindo a Deus como missionário. Ele me dizia: “Você precisa escolher uma coisa para fazer e focar sua atenção nisso”. Dizia-me um professor de administração de empresas na faculdade: “O grande segredo num empreendimento é saber responder bem à pergunta: Qual é o seu negócio?”

Foco. Objetivo. Alvo. Meta. Palavras chaves para o sucesso. Lembrando que o sucesso pode ser o mero reconhecimento das pessoas de que você fabrica o melhor sorvete do bairro. Descubra o que você faz bem e envolva-se nisso com o máximo empenho. Você chegará lá.

Creio que esta é uma lição importante também na vida cristã. Não fazemos como Paulo, que “corria não sem meta, como que desferindo golpes no ar”. Ele tinha um objetivo, uma carreira a ser percorrida, o que ele finalmente fez e testemunhou: “Completei a carreira”. Isto é, atingi o alvo. Bati as metas. Alcancei o objetivo.

Outras vezes, não ficamos satisfeitos com o papel que Deus nos deu no Corpo de Cristo. Almejamos ser o outro. Lutamos para ter a mesma função do outro. Para falar a verdade, muitas vezes invejamos o outro. E por isso o trabalho que está sob a nossa responsabilidade muitas vezes sai muito mal feito. Se não trabalhamos com prazer na obra de Deus, mas por obrigação, aí o sorvete desanda.

Volto para o carro, depois do quinto picolé. E um pensamento me ocorre: se eu estiver vivo daqui a 47 anos, serei admirado pelo menos por um menino que me conheceu há 20 anos atrás?

Pensando bem:

Faz mais aquilo que você faz melhor.