Amigos, passadas as eleições, temos uma nova presidente, um novo congresso e um senado renovado. Na pior e mais baixa campanha desde a redemocratização do país, depois dos vinte anos de regime militar, o país se viu na obrigação de votar em candidatos que não queria. Tanto que tivemos uma abstenção de mais de 20% no segundo turno. O voto idealista, partidário ou programático foi minoria. Ouviu-se muito mais falar em não-voto, em voto de protesto, voto nulo ou voto por exclusão. Disseram até que o polvo Paul morreu porque depois de acertar todos os vencedores da última Copa do Mundo, colocaram para ele escolher entre Dilma e Serra e o bichinho preferiu morrer!
Ou seja, a maioria dos brasileiros não gostou do que viu. Fomos forçados a votar naqueles que consideremos menos nefastos, não nos mais preparados. Havia boas razões para não se votar em ninguém. Não havia opção ou terceira via. Faltaram propostas que sensibilizassem a população para uma mudança ou mesmo para a continuidade. Em todo este tempo de campanha não surgiu um nome em torno do qual esperanças de renovação se concretizassem. Muita gente, como eu, sabia dizer porque NÃO queria este ou aquele, mas tinha pouco a dizer quanto a porque SIM este ou aquele.
Analisando pelo viés de liderança, deixando de lado as implicações políticas e ideológicas (se bem que é muito difícil fazer esta análise desta forma), faltou opção. Estamos escassos de líderes. É inegável que a popularidade de um presidente que deixa o governo com mais de 80% de aprovação popular tenha tido um peso decisivo no último pleito, o que considero absolutamente legítimo. Não sabemos que influência Lula terá no próximo governo (e isto não está em discussão aqui), mas sabemos que influência ele teve na eleição atual. Grande parte dos votos que elegeram a primeira presidenta do país tem sua origem no prestígio do atual presidente e não na confiança que a próxima possa ter inspirado. Talvez a maioria das pessoas que votou em Dilma Roussef não o fez por ela, mas por ele. Todos esperamos que ela nos desminta nos próximos quatro anos.
Por outro lado, se é legítimo que outras propostas e programas de governo sejam apresentadas à sociedade, se isto faz parte da democracia, era necessário ter alguém que encarnasse este desejo. Simplesmente não se criou um nome forte o suficiente para se opor à enorme popularidade conquistada pelo presidente Lula. Não apareceu um nome de oposição que fizesse frente. Ficou evidente que os projetos pessoais, no caso específico de José Serra, se sobrepunham aos interesses do seu próprio partido. Contumaz derrotado e com pouquíssimas chances de vencer o pleito (vide o resultado), simplesmente não abriu espaço dentre seus pares para que um novo quadro se estabeleça com mais chances de derrotar o atual governo, se achavam isso tão necessário. Marina Silva, que foi para alguns uma opção, mostrou-se incapaz de convencer o eleitorado com seu discurso frágil e monótono, de uma nota só. Não empolgou. Não convenceu. Nem de longe vendeu a imagem de uma grande líder. E, também neste caso, boa parte dos seus 20 milhões de votos foi muito mais um voto “do contra”: não quero Dilma, não quero Serra, então o que me resta é Marina.
Sei que você pode não concordar com esta análise. Talvez haja entre meus leitores aqueles poucos que votaram em Marina, Dilma ou Serra por convicção. Bem está. Cada uma na sua, sem problemas. Não tenho a intenção neste espaço de politizar a discussão, inclusive porque entendo que a solução para este impasse transcende a esfera político-partidária.
Meu propósito ao analisar de maneira quase leiga o processo eleitoral de 2010 é nos remeter a uma reflexão mais ampla, posto que para mim, a falta de opção que merecesse nosso voto consciente é mais do que uma conjuntura eleitoral. É a conseqüência de uma indisfarçável, lamentável, perigosa e absurda crise de liderança.
Não temos mais líderes. E não é só na política. Em geral, faltam referências para as pessoas. A qualidade daqueles que ocupam cargos estratégicos está caindo geração após geração. Não se consegue encontrar comprometimento aliado à competência, nem mesmo para eleger o síndico do prédio. Proponho a discussão de alguns aspectos que podem nos ajudar a reverter o quadro, pelo menos em algumas áreas da atividade humana.
Em primeiro lugar há uma crise ética. Apesar da guerra de lama e de acusações mútuas, não há partido político que tenha mãos limpas neste país. A briga fica por conta de quem descobre primeiro e quem descobre mais. Não há ética na política, porque não há ética nos negócios, não há ética na indústria, nem nos sindicatos, nem nos conselhos de administração das grandes empresas, nem nas igrejas, no condomínio, na loja, nem na padaria, nem em lugar nenhum. Ser ético é sinônimo de ser bobo. A correção e a justeza são virtudes esquecidas. Liderança que não consegue ser ética não é liderança.
Você acha que só os políticos em campanha manipulam números? Pois eu cansei de ver relatórios de gerentes mostrando um “altíssimo crescimento da empresa” quando na verdade aqueles números eram pífios se comparados à concorrência ou até mesmo às possibilidades de mercado. Já vi gente sendo promovida por maquiar resultados, mostrando o que interessava e escondendo a realidade. Já vi gente se apropriando da criatividade alheia para apresentar aos superiores uma “grande ideia” que nunca foi sua. Assisti a negociações em que o fornecedor se viu obrigado a fazer o serviço por 1/3 do preço de mercado, tamanha a mesquinharia do contratante. Sem contar que temos uma tolerância para com os pequenos delitos. Quanta gente que se considera muito “honesta”, que mantém um discurso austero no ambiente da empresa anda comprando o famoso GATONET do Paraguai e se gabando do grande negócio (eles tem que roubar o código de acesso pela Internet para fazer o aparelho funcionar, mas juram de pés juntos que o negócio é “totalmente legalizado”). Quer mais? Já soube de missionário dando relatório do seu ministério com números fantasiosos e com fotos de lugares onde eles nunca sonharam em pisar, para aumentar o nível de sensibilidade dos mantenedores. Já vi gente que desvia dinheiro de oferta para depositar em paraíso fiscal. E depois você vem reclamar da falta de ética no Congresso Nacional? Aí é apenas o reflexo dos valores do povo que os elegeu.
Em segundo lugar há uma crise de egos. Já citamos a ausência de oposição, que se dá muito em função de não se permitir que novos nomes ocupem seu lugar. Cargos vitalícios de poder são uma sentença de morte à liderança. Em organizações religiosas, como igrejas, juntas missionárias, denominações, acampamentos etc, isso é o que mais ocorre. Pessoas que tem todo um discurso de inclusão, mas que na verdade se agarram ao osso e não o largam por nada. Na melhor das hipóteses, se o sujeito tiver alguma competência, as coisas ainda vão funcionar mais ou menos enquanto ele estiver por ali. Quando ele morrer ou se mudar, vai se descobrir que não tinha mais ninguém preparado para continuar. Na pior, se o manda-chuva for imbecil e incompetente, enquanto estiver por ali travando tudo e mantendo tudo debaixo do seu mais absoluto controle, a coisa simplesmente não anda. Ele não faz, porque não sabe fazer, e não deixa ninguém fazer, porque seu orgulho gigante não permite. Nessa guerrinha estúpida todos perdem.
Em terceiro lugar há uma crise de competências. O nível das pessoas está caindo. Ficamos boquiabertos ao saber que vamos ter um congresso formado por Tiririca, Romário e outros ilustres desconhecidos igualmente ocos. Alguém votou neles, não se esqueçam. E, de novo, não é só na política que faltam quadros decentes. Quem trabalha com Recursos Humanos sabe a dificuldade cada vez maior que existe para selecionar pessoas. A educação formal avançou, qualquer pessoa hoje em dia consegue se formar. Porém a maioria dos advogados não consegue passar nos exames da OAB. Conheço professores e professoras de português que escrevem ABENEGASSÃO para abnegação e provavelmente não sabem o que a palavra significa. A coisa mais difícil é encontrar mão-de-obra qualificada neste país.
Por tudo isso, o voto por exclusão deve nos fazer parar para pensar. As eleições de 2010 já fazem parte da História. Agora, cumpre-nos como cidadãos passar a rever nossas atitudes para que o futuro nos encontre melhores. Você que é estudante, capriche mais. Estude mais. Menos MTV e mais livro de conteúdo. Menos Justin Bieber e mais música. Você que é empresário, já pensou em formar seus colaboradores como pessoas, investindo no seu desenvolvimento pessoal (esta é uma mensagem subliminar: aguarde!)? Você que precisa um sucessor na diretoria da empresa, já começou a fazer alguma coisa a respeito? Você que é pastor ou presbítero, já começou a preparar pessoas para ajudá-lo enquanto exerce seu ministério e para sucedê-lo no momento adequado?