Chuva de graça

Amigos, após mais de cem dias de seca quase nordestina, nossa região tomou nesta tarde um verdadeiro banho de esperança e alegria. De repente algumas nuvens se formaram e aquela névoa de poeira pouco a pouco foi sendo engolida por um spray refrescante e renovador. Foram poucos minutos apenas, o suficiente para aumentar as expectativas de que o clima desértico que enfrentamos há quatro meses vai começar a se desfazer.

Não resisti e saí para minha caminhada diária (que ainda persiste) debaixo de chuva. Lembrei-me dos velhos tempos de menino, quando a chuva jamais foi motivo para interromper nosso jogo de futebol ou nosso passeio de bicicleta. Ninguém era de açúcar e a experiência era invariavelmente plena de boas risadas, escorregões, tombos desajeitados e muita descontração. Por alguma razão que não consigo identificar hoje em dia, naquela época nunca associei a chuva repentina com o fim do tempo seco que castiga o aparelho respiratório ou torna a poeira insuportável. Para nós, era apenas um motivo de farra debaixo d’água. Hoje foi muito mais do que isso. Foi um verdadeiro alívio, aclamado por muitos, inclusive por mim, como uma demonstração viva da misericórdia de Deus. De fato, o ar encontra-se agora com qualidade tão superior, que até me arrisquei a sentar diante do computador para colocar em dia minhas colunas atrasadas.

Nunca vivi no sertão nem no deserto, apesar de já ter lido histórias sobre a seca e seus resultados. Só sei que chegou um momento desta estiagem do Sudeste brasileiro em que parecia que nunca mais iria chover. Fomos tentando nos acostumar aos baixíssimos índices de umidade relativa do ar e nos preparando para uma situação cada vez pior. Por isso, a percepção da chuva acabou nos deixando de tal maneira animados, que ao sair na rua este era o assunto de todos com quem cruzei pelo caminho. Uma breve chuva revigorou as forças, trazendo esperança e otimismo. Já se cogitava até em racionamento de água. Se a chuva ficar pelo menos um pouco, ele não será mais necessário. Poderemos literalmente respirar mais aliviados.

Penso que muitos momentos da nossa existência são secos. Por vezes períodos prolongados, que parecem não ter fim. Eles afetam nosso humor, nossa esperança, nosso ânimo, nossa vontade de fazer as coisas. Eles tem um poder inexplicável de drenar nossas energias. O clima seca por fora e a alma seca por dentro. Vamos perdendo as forças lentamente, perigosamente. A vida vai escorrendo pelas frestas, pouco a pouco. São épocas da nossa vida em que chegamos a pensar que nunca mais veremos a chuva. Tendemos a pensar que estamos fadados a morrer de seca num deserto interminável. Começamos a ver miragens, imagens ilusórias que nos tornam ainda mais abatidos e frustrados. Chega uma hora que a esperança, outrora rio caudaloso, seca tal qual o ribeiro de Querite definhara diante do profeta Elias. E então palavras como “nunca mais”, “impossível”, “não tem mais jeito” passam não apenas a povoar o imaginário como também fazer parte do vocabulário do dia-a-dia.

E quando já não agüentamos mais, a brisa sopra trazendo a nuvem da graça bem em cima de onde estamos. A gente olha para cima, ainda sem acreditar muito bem no que está acontecendo. Mas ela vem, porque “estando as nuvens cheias, derramam aguaceiro sobre a terra” (Eclesiastes 11:3). Aguaceiro que renova nossas forças, que nos faz sair sem camisa debaixo da chuva só pelo prazer de voltar encharcado para casa. O cheiro de água nova lavando o chão empoeirado penetra nossas narinas como se fosse uma fragrância caríssima. O ar, outrora impregnado de pó sufocante agora traz consigo um desejo de conquista.

Mesmo no deserto árido a chuva da graça nos alcança. Alcança para lavar a alma, remover a poeira acumulada, para limpar as vias respiratórias e por para dentro ar puro e renovador para os pulmões cansados. Alcança para dar esperança e dizer que ainda não acabou. Que ainda podemos seguir um pouco mais, ainda que saibamos que vamos precisar de mais daqui a pouco.

Quem sabe precisamos ficar uns tempos sem água para perceber o quanto dependemos dela. Quem sabe precisamos passar por alguns desertos na vida para perceber, como o salmista, que “a graça de Deus é melhor que a vida”. Não é por acaso que Davi aprendeu isso enquanto estava no deserto de Judá, “numa terra árida, exausta e sem água” (Salmo 63:1-3).

Chove, chuva. Lava a minha terra e lava a minha vida. Mostra em ambas que a preciosa graça de Jesus não é apenas incomparável: ela é imprescindível.