Igrejas nunca mudam

Amigos, se pessoas nunca mudam, por via de consequência as organizações que elas promovem tendem a não mudar também. É notório que as instituições costumam ter a cara dos seus fundadores ou líderes. Como os reis da antiguidade, que ao conquistar um novo reino a primeira coisa que faziam era destruir a dinastia deposta e eliminar todos os símbolos que pudessem remeter ao extinto reinado, em geral se tentar implantar a marca própria, o carimbo da gestão atual. Agora quem manda aqui sou eu. Era assim no tempo do Fulano, mas agora não é mais o Fulano. Manda embora até a secretária, porque sabia muito e gostava muito do antigo diretor.

Esta é a realidade. Igrejas são assim. Movimentos, denominações, ministérios, ou o que seja, refletirão sempre a personalidade, os valores, o modus operandi, as idéias (boas ou ruins), as práticas, os gostos daqueles que os iniciaram ou daqueles que os lideram. Não há o que se possa fazer. Não adianta a militância intempestiva nos jovens, nem a calma e a paciência da meia idade, nem a sabedoria e a experiência da melhor idade. “Tudo o que foi será de novo do jeito que já foi um dia” é um refrão de Lulu Santos, ecoando as palavras sábias do mais sábio de todos os homens, Salomão no seu Eclesiastes. Não adianta tentar lutar contra a maré. Não adianta questionar, apontar caminhos, criticar, falar alto nem falar baixo. Não fará diferença se o contraditório for suave ou áspero. O fato concreto é que as coisas serão sempre do jeito que sempre foram.

Gastar energia, empreender os mais bem intencionados esforços, caprichar, buscar a excelência na comunicação, escrever, viajar, pregar, conversar e até orar para que as coisas sejam diferentes. Nada disso resolve. Tanto que há muita gente boa fazendo isso pelo mundo afora e nada mudou. A fossilização de hábitos e práticas é irreversível. Não vai se alterar nem mesmo quando a presente geração passar. O status quo penetrou as entranhas, passa de pai para filho, de geração a geração. Mudanças cosméticas poderão acontecer, nos usos e costumes, nas exigências daqui e dali, na liturgia em um ou outro ponto, na origem das músicas cantadas, mas no frigir dos ovos, nossos bisnetos serão encontrados fazendo exatamente a mesma coisa que se fazia há 500 anos. Gostamos disso. Veneramos nossas tradições e modelos. Chego a considerar a hipótese de que isto seja verdadeiramente fundamental para a continuidade do show. Se algumas dessas coisas forem alteradas, muita gente vai entrar em parafuso e negar a fé. São muletas que criamos enquanto podíamos andar com nossas próprias pernas, mas que agora se tornaram parte de nós. Não conseguimos mais viver sem elas. Elas se tornaram uma extensão do nosso ser. Seria quase uma violência tentar exigir que as joguemos fora a esta altura no campeonato.

Como então, encontrar sentido, se tudo é tão definitivo? Aí que é o “barato”. Aprender a viver contente em toda e qualquer situação, como Paulo. Creio que há duas maneiras de se viver a partir de quando se percebe que mudanças nunca vão acontecer. A primeira é aceitar as coisas como são. É, sem dúvida, a mais confortável. Não gera caras feias, não produz desafetos. Você passa incólume por gregos e troianos e é aplaudido por ambos. Com o tempo, é possível que você até comece a pensar novamente como todos em redor. Vai chegar o dia em que você nem vai mais se lembrar porque ou para que fez aquelas perguntas inconvenientes. Pode ser que conclua que não passava de alguns arroubos da juventude inconseqüente, nada mais do que isso. Afinal, como diria o profeta, “não somos melhores do que nossos pais”. Se eles fizeram assim e deu certo, deve ser porque esse é o certo. Vamos viver nossa vida quietinhos e tudo voltará ao normal.

A segunda é aprender a conviver com as coisas como são. O que não tem remédio, remediado está. Não sei de onde tiramos a idéia de que temos necessariamente que fazer alguma diferença durante nossa curta caminhada. Há tantas e outras coisas boas que acabamos perdendo e deixando de desfrutar enquanto nos embrenhamos em nossas cruzadas apaixonadas. Coisas simples, prazeres lícitos, sensações esquecidas, amizades edificantes, que amortecemos de tão ocupados que ficamos tentando fazer “as mudanças”. Já mencionei nesta coluna a “Teologia do Sorvete” (07/04/2010). Já disse que “Cansei!” (12/10/2005) Já denunciei “Ladrões” (06/01/2008). Escritores renomados tem feito tudo isso de forma muito mais brilhante, mais contundente, mais divulgada do que eu. Pastores, palestrantes, congressos, cursos e treinamentos também. Para que? Para correr atrás de tentar mudar as coisas. Bobagem. É melhor aprender a conviver com elas.

Isto não significa desistir da fé. É simplesmente uma questão de constatar a realidade. Já cheguei a pensar que quando se deixa de sonhar, se deixa de viver. Outra bobagem. Tem muita gente que vive sem nunca ter sonhado. Pior do que viver sem sonhar é sonhar sem viver. E entre sonhar e viver, prefiro viver. Abdicar da vida para correr atrás do que depende dos outros não vale a pena. È um desperdício. Viver tentando mudar o outro ou as instituições do outro se torna um fardo mais pesado do que qualquer um de nós é capaz de carregar. Basta-nos o fardo de tentar mudar a nós mesmos. Certas coisas pelas quais lutei, hoje me fazem rir. Melhor assim. Antes, elas me faziam chorar.

Também não é abrir mão do Cristianismo ou, para melhor dizer, do Viver no Evangelho. Pelo contrário, penso que a resposta ao dilema seja exatamente este. Penso que o caminho seja, em realidade, uma opção não tentada na nossa geração, um caminho ainda não trilhado. Penso que o sentido da vida esteja numa espiritualidade real e simples, que nasce na vertical e se reflete na horizontal. Que demanda uma dimensão pessoal, individual e direta com o Pai, como também uma dimensão coletiva, comunitária e social. Mas tudo muito simples, sem complicações. Sem as lutas pelos gostos, cheiros e cores cerimoniais. Sem a digladiação politiqueira e baixa. Algo que nos remeta de volta ao que Atos chama de “singeleza de coração”.

Aqueles que estão sentindo este mesmo chamado poderão encontrá-lo ou aprendê-lo. Mas certamente não hão de consegui-lo através de alterações e mudanças naquilo que conhecem. Vinho novo não pode ser colocado em odres velhos.