Amigos, compreendo a irritação e a indignação de muitos cristãos que acompanham futebol a propósito das últimas determinações da FIFA sobre comemorações religiosas durante a Copa do Mundo. Também gerou uma forte reação as críticas do jornalista Juca Kfouri ao meio-campo Kaká a propósito do mesmo assunto. De tal maneira que o próprio jogador, normalmente comedido no trato com a imprensa, acabou mandando um recado na entrevista coletiva, dizendo-se perseguido por causa de sua fé em Jesus Cristo.
Apesar de consciente de que posso estar isolado no meu posicionamento, quero chamar meus queridos leitores a uma reflexão que ainda não vi repercutir entre os cristãos, a maioria dos quais se sentiu ofendida com a situação. Antes de me considerar um traidor das fileiras ou um desertor, leve em consideração alguns argumentos.
Embora não seja fã, nem admirador do estilo Juca Kfouri, não consigo ver em nada do que ele tenha dito ou escrito uma “perseguição” e muito menos a perseguição de um ateu a um cristão. Isso é forçar a barra. Se Kaká não gostou de ver uma especulação sobre sua contusão exposta sem base jornalística, era isso que ele deveria ter questionado. Kfouri não é o único a se incomodar com o excesso de manifestações religiosas nos campos de futebol. Há dezenas de outros jornalistas esportivos que pensam e expressam a mesma opinião. Talvez para sua surpresa, considero que eles tenham uma certa razão. Essa coisa de misturar Jesus com futebol está passando do limite.
Primeiro porque há muito jogador que se esconde por trás dessa conversa de “Atleta de Cristo” para ocultar um caráter nada recomendável, segundo relatos dos próprios boleiros que com eles convivem. Um movimento que começou sério parece ter saído do controle. Além disso, imagine-se do outro lado. Suponha que você veja jogadores adeptos do Candomblé comemorando seus gols diante das câmeras com sal grosso e danças macabras. Como você se sentiria? Como você reagiria se os jogadores muçulmanos comemorassem com saudações a Alá? E jogadores japoneses dando beijinhos em miniaturas de Buda pendurados no pescoço? Será que nós iríamos gostar disso? Ou seríamos os primeiros a pedir que essas manifestações fossem proibidas? Em tempo: não tenho dúvidas de que Jesus Cristo está acima de tudo isso, que Ele é a única Verdade e único Caminho. Não tenho qualquer dúvida de que se esses jogadores fizessem isso, seriam dignos de compaixão, porque estão perdidos. Mas pense na perspectiva dos que são de fora. Eles ficam tão indignados quanto nós ficaríamos, se fosse o contrário.
Onde entra, então, a questão de “Prega a palavra, quer seja oportuno, quer não”? Eles não tem que testemunhar de Jesus a qualquer preço e em qualquer lugar? Respondo com a experiência de tantos anônimos cristãos de todos os lugares. Eu nunca fui craque de bola. Não poderia ter sido um profissional de futebol. No entanto, como tantos, trabalho com carteira assinada desde os 13 anos. Em todas as empresas por onde passei, as pessoas sempre souberam da minha fé. Procurei dar um bom testemunho do Evangelho, honrar o nome de Cristo, meu Salvador, em todos esses lugares. Não fui perfeito 100% do tempo, mas procurei andar direito. Para isso, nunca precisei subir na mesa do refeitório para fazer uma pregação evangelística, nem enviar e-mails com mensagens durante a hora do trabalho, nem usar os produtos das empresas onde trabalhei para colar adesivos com o nome de Jesus. Nunca saí pelos corredores da empresa gritando “ÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔ GLÓRIA!!”. Nem mesmo costumava usar um vocabulário especial de “crentês”, repleto de chavões igrejeiros. É possível até que tenha perdido muito mais oportunidades do que aproveitado, mas assim mesmo pude compartilhar Jesus com muitos dos meus colegas.
Mais que isso, lembro-me com saudades do gerente para quem tive a honra de trabalhar no meu primeiro emprego. Ele também era cristão. Era um homem íntegro (ainda é, porque está vivo até hoje), correto, decente, incorruptível. Todo mundo sabia disso. Quando me desliguei da empresa, fui chamado à sala de um dos diretores. Ele lamentou minha saída, em especial por ter sido indicado justamente por aquele irmão para o cargo. Entre outras coisas, aquele alto executivo referiu-se ao meu gerente como “uma das únicas pessoas a quem eu daria meu talão de cheques assinado e em branco”. Ou seja, uma declaração de integridade. Poucas vezes, permita-me citar seu nome, querido irmão Samuel, se ouviu esse homem “pregando”, literalmente. Mas poderia haver pregação mais eloqüente do que seu testemunho de vida? Por outro lado, trabalhei com outros cristãos, de quem ouvi coisas do tipo “esse cara fala tanto em Deus e em Jesus, mas ninguém suporta trabalhar com ele!”. Precisa dizer alguma coisa?
Portanto, antes de engrossarmos o coro de perseguidos, vamos analisar bem todos os ângulos da questão. Talvez tenha chegado a hora em que jogadores realmente comprometidos com sua fé em Jesus Cristo devam desenvolver outra estratégia. A ideia de comemorar gols com as mãos estendidas para cima, olhos cerrados e lábios balbuciando “obrigado, meu Deus” foi muito interessante nos anos 80, desde o querido centroavante Baltazar, mas passou por tanta gente estilo Marcelinho Carioca, que ficou manjada. Hoje funciona mais como uma antipropaganda do que como um tributo a Jesus Cristo. Está na hora de menos gestual e de mais atitude. Afinal, contra gestos de religiosidade todo mundo pode falar. Mas contra um testemunho digno (como é caso, até aqui, do próprio Kaká), contra uma vida correta, contra uma postura realmente cristã, não existe jornalismo nem ateísmo que consiga ganhar pontos. E quando esse é o caso, ninguém precisa se defender.
Os fatos falarão por si.