Preto, branco e cinza (1)

Amigos, vivemos uma época dentro do Cristianismo em que se busca a todo custo a chamada relevância. Os cristãos querem mostrar que sua igreja ou instituição tem um “algo mais” a oferecer, que as diferencia de todas as demais. Há uma preocupação de tentar mostrar que o Cristianismo tem tudo a ver com as pessoas, que não é uma contracultura, que tem muito mais para identificar do que para separar em relação à atual geração. Não queremos mais o rótulo de desatualizados, atrasados, sem cultura, alienados ou desinformados. Não queremos mais nos sentir a massa ignara, parvos indivíduos de português ruim e pouca escolaridade. Precisamos mostrar ao mundo que evoluímos, que chegamos aos bancos das melhores faculdades, que melhoramos nosso nível intelectual, que agora podemos discutir de igual para igual em qualquer debate na televisão.

De fato, não há motivo para que os cristãos se sintam assim inferiorizados. Contamos em nossas fileiras com mentes brilhantes, desde o articulado Lucas ao preparadíssimo Paulo, ex-Saulo de Tarso. Em todos os tempos, contamos com gente do mais alto gabarito. E se houve época (e foi assim desde os semi-analfabetos e incultos Pedro, Tiago e João) em que houve maioria de gente pouco estudada, também é verdade que entre esses havia quem silenciasse a sabedoria humana. Meu pai e os mais antigos crentes em São Paulo contavam histórias de pregadores de rua, simples e não estudados, que tinham na sua platéia diária advogados, juizes de direito, engenheiros entre outros endinheirados e cultos. Mas a questão não é essa. Isso, para mim o grau de escolaridade da igreja é coisa secundária nesta discussão, que deveria girar em torno de outra coisa.

É que, além disso, não queremos mais que as pessoas nos olhem como um povo que não compartilha os mesmos parâmetros de vida que os outros. Precisamos mostrar nossa contemporaneidade. Queremos que os outros nos vejam como iguais. Não queremos viver nem evidenciar nenhum tipo de diferença. Isso nos incomoda. Diria João Alexandre (em outro contexto), que de tão diferentes, parecemos iguais. Ao longo deste processo, acabamos nos permitindo negociar valores e conceitos que formam a base, a razão de ser do Cristianismo, desde o relativismo teológico, com seu flerte à filosofia e aos pensamentos humanos até a admissão de práticas e comportamentos condenados solenemente pela Palavra de Deus. A tentativa de tornar o Cristianismo relevante é, no dizer de Howard Hendricks, uma bobagem. Oras, teria vindo o Evangelho para se amoldar ao sistema ou para confrontá-lo? Surgimos no mundo para sermos arrastados pela correnteza ou para nadar contra ela? Há quem diga inclusive (acho que fui eu mesmo) que o cristão não tem que ser diferente; ele é diferente. Diferente na essência, no D.N.A. Por que essa fuga, essa pavor, esse medo indisfarçável de perdermos a relevância? Tal atitude parece denunciar que o que estamos querendo mesmo é andar desfrutando as bênçãos da salvação enquanto desfrutamos ao mesmo tempo os prazeres transitórios do pecado, renegando a escolha de fé feita por Moisés no Egito. Isso não tem nada a ver com relevância. Tem a ver com discernimento espiritual.

Jesus Cristo não veio para formar um povo que simplesmente funcionasse como vaquinhas de presépio em relação ao mundo em que estava inserido. Pelo contrário, ele nos mandou como ovelhas para o meio de lobos. Como sal, que preserva pelo contraste. Como luz, que não tem como conviver com as trevas. É uma ou outra. Os primeiros discípulos pertenciam a outro reino. Não a outro gueto, é verdade, mas a outro reino. Eles não viviam enclausurados e distantes, uma vez que a igreja em Atos “contava com a simpatia do povo” (Atos 2:47). Quando, porém, foram solicitados a pregar uma mensagem “politicamente correta”, não aceitaram a proposta: “não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (Atos 4:20). Não era nada acolhedora a mensagem dos apóstolos (me refiro aos apóstolos originais e autênticos, não às imitações baratas da atualidade). Enquanto os judeus buscavam o misticismo quase esotérico dos sinais e os gregos apegavam-se à filosofia e as dicotomias do saber, Paulo entregou aos dois grupos a única coisa que tinha que ser oferecida: Cristo crucificado (1 Coríntios 1:22-23). Sem enfeitar o pavão, sem preocupar-se com a relevância, sem vender a alma. Não que Paulo não tivesse capacidade para enveredar pelos caminhos que agradariam ao público. Ele tinha condições de embalar o Evangelho na sabedoria humana e na persuasão de linguagem (1 Coríntios 2:4). Ser convidado para discursar no Areópago ateniense não era para qualquer um. Operar milagres não era exatamente um problema para ele. Mas sua preocupação não era ser visto como alguém “igual aos outros” nem mesmo ser usado para dar espetáculo que lhe rendesse IBOPE. Sua missão era outra. Bem outra.

Você deve estar se interrogando o que tudo isso tem a ver com o título deste artigo. A resposta virá no artigo da próxima semana.

Até lá.