O rei que almoçava com um cão morto

Amigos, a cena é macabra e o assunto indigesto. Mas nada muito pior do que os noticiários dos últimos dias. Aliás, no que diz respeito à minha filha Carolina, ela se chocou muito mais com este assunto do que com as notícias da TV, que ela não entende direito. Faz mais sentido para ela as baixas ocorridas em frente à nossa casa e na casa da minha sogra.

Duas mortes trágicas. Um brutalmente atropelado na avenida movimentada. A outra, avançada em dias, foi recolhida a seus pais em ditosa velhice. O primeiro foi enterrado como indigente, porque ninguém apareceu para reconhecer o corpo. A segunda, mais requintada, foi sepultada com honras e lágrimas. Seu nome era Lua, cadela Chihuahua que habitava a casa dos meus sogros há longos anos (a bem da verdade, já fazia hora extra, a anciã…). Dois cães, dois vidas e dois destinos.

Bem, são apenas dois cães. É verdade, tanto que o que morreu em frente de casa, graças à intervenção prestimosa do meu amigo Nando (que felizmente estava na minha casa naquela hora), acabou depositado num saco de lixo e deixado na calçada para o lixeiro levar, já que a prefeitura se recusou a recolher o extinto. A outra, mesmo que tivesse pedigree, já se encontra decomposta, nalgum terreno piracicabano. Afinal, para que serve um cão morto?

Desculpe invadir sua tela com tais cenas da vida real deste (literalmente) mundo cão, mas não pude deixar de me lembrar de alguém que se auto-definiu exatamente como sendo… um cão morto! Rapaz, que modos de se referir a si mesmo. Um cão morto. Quer dizer, alguém sem qualquer valor ou utilidade. Alguém que não despertaria o interesse de ninguém. A gente não faz nada com um cão morto. O máximo que se consegue fazer é ter dó. Claro que a gente não fica feliz quando vê um cãozinho ser atropelado ou mesmo morrer de velhice, mas o que fazer além de lamentar?

Mefibosete se sentiu assim. Sua história está em II Samuel 9. Ele era aleijado (porque uma criada o derrubou do colo quando ainda bebê), a sua dinastia havia sido deposta por Deus, e pouca esperança restava para uma vida feliz. Quem se importava com alguém como ele?

Um dia Davi mandou chamá-lo. Queria que ele mudasse para Jerusalém e passasse a comer e beber no palácio. Coisa que nem um cão vivo teria direito, que dirá um morto… Uma mudança e tanto na vida de Mefibosete. Passaria a ser alguém com valor.

Alguém se importou com ele, não obstante nada houvesse nele que pudesse ser de interesse. Simplesmente alguém o amou. Simplesmente mostrou graça. E ele nunca mais seria o mesmo. Sua vida seria revolucionada a partir daquele momento.

Você já se sentiu como Mefibosete? Você já foi “barrado” no baile”? Já se sentiu alguém sem valor, sem utilidade, desprezado? Na verdade, nenhum de nós tem mesmo qualquer valor. Somos como um caco de barro. Pior. Vamos encarar. Somos cães mortos.

Mas o Rei olha para nós. O Rei se lembra de nós. O Rei conhece o nosso nome e conhece a nossa história. Conhece tanto que mandou seu Filho para se tornar um de nós, e viver uma vida inteira sendo desprezado, sendo um de quem os homens escondiam o rosto e não faziam caso. Ele conhece a dor do desprezo e do abandono. Ele conhece o latejar da rejeição.

Ele não é o rei Davi. É o Rei dos reis. Sua graça é muito maior do que a de Davi. Sua graça revoluciona a nossa vida, tira-nos da lama do pecado e nos faz assentar nas regiões celestiais em Cristo. Isso faz com que a nossa existência ganhe razão e sentido.

Um dia desses visitei Petrópolis. Paguei R$ 10,00 só para olhar a casa onde morava o imperador. Se D. Pedro vivo, nem pagando R$ 10.000,00 eu poderia entrar. Eu dificilmente teria acesso ao palácio. Não faço parte da elite. Não tenho sangue azul. Não tenho sobrenome famoso.

Não faz mal. Eu me assento no palácio do Soberano do Universo. O Rei me recebe não porque sou importante, mas porque ele me ama. Sou querido nas mansões reais. E um dia vou morar lá.

Um cão morto como eu.

Pensando bem:

“Sublime graça que alcançou um pobre como eu Que a mim, perdido e cego achou, salvou e a vista deu!” (John Newton, trad por Luiz Soares – HC 14)