8. Julgavam que Deus tinha um grande livro de “Débito X Crédito” (Mt 23:14)
O fariseu encarava Deus como se ele fosse um grande contador. Duas colunas, débito e crédito, o importante é não ficar no vermelho. Não admira que essa pseudo-teologia estivesse presente naquele grupo. Para querer justificar-se diante de Deus por obras, só acreditando ser auto-suficiente. E para isso é preciso ter sido formado no Jardim da Infância da hipocrisia, ter feito o Ensino Fundamental na escola das aparências, Ensino Médio nas tradições humanas, Faculdade de legalismo e Mestrado em exclusivismo. Curso completo para um fariseu autêntico. (Pensando melhor, isso não é possível. Ou é fariseu ou é autêntico. Os dois na mesma frase não combinam…)
Era a filosofia de morder e depois assoprar. Esta foi a antecessora das indulgências, cujo raciocínio era mais ou menos o seguinte: peque à vontade, depois troque por alguma coisinha boa que você consiga fazer. Se não conseguir, não tem problema. A gente acerta um preço pelo seu pecado, e você traz a grana e fica livre. (Esta bandalheira foi pior que a do Macedo. Na Idade Média, a “igreja” loteou o céu e estava vendendo terreno…)
Como é que isso funciona hoje? Quero chamar a atenção para uma atitude cada vez mais comum de tentar justificar as coisas por compensação. Por exemplo: “Fulano não tem muito compromisso com o serviço de Deus, mas pelo menos dá oferta”. “A igreja tal tem uma base doutrinária meio furada, mas tem uma visão missionária…”. “Ele é meio destemperado, mas sabe pregar muito bem”.
Sabe o que me lembra essa história? De vez em quando o guarda de trânsito pára aqueles carros de “autônomos da construção civil”. Carro com licença vencida, pneu careca, sem freio nem luz de freio, escada caindo do teto do automóvel, pára-choque arrastando pelo chão, sem a mínima condição. Aí eles olham pra cara do guarda e dizem: “Mas, seu guarda, eu tô trabalhando!!!!” Ué, e daí? Quer dizer que quem está trabalhando pode andar do jeito que quiser, tá tudo certo? “Os fins justificam os meios?”
Este é o mesmo raciocínio das pessoas que pensam poder salvar-se pelas obras. Deus olha as boas e esquece das más. Precisamos aprender que nem somos salvos por obras, nem vivemos por obras. “O justo viverá pela fé”. Continue fazendo coisas boas. Mas pare de fazer as más, porque as boas não vão “livrar sua cara”. Deus não raciocina desta forma. A idéia de Deus é: “Detestai o mal, apegando-vos ao bem”
9. Gostavam de fazer questão por coisas mínimas, mas desprezavam as mais importantes (Mt 23:23,24)
A lei de Moisés exigia o dízimo. Os fariseus gostavam de gabar-se de que seguiam isso tão à risca, que nem a hortelã ou o cominho deixavam de dizimar. Eram dizimistas fiéis. Nos mínimos detalhes. Achavam-se melhores do que os outros por causa disso. Mas quanto aos outros preceitos da lei, elencados por Jesus como “os mais importantes”, esses passavam batido. Sim, além do dízimo, havia muitos outros preceitos e conceitos que a lei exigia.
Muito importante esta colocação do Mestre. Existem coisas na Palavra de Deus que são MAIS IMPORTANTES do que outras. Fariseus não conseguem perceber isto. E até invertem o jogo. O que é MENOS IMPORTANTE, para eles passa a ter um valor inestimável. O que realmente importa, fica em segundo plano, se sobrar algum espaço.
Creio que a razão porque há pessoas que agem assim até hoje é óbvia. É muito mais fácil fazer as coisas pequenas da lei. Exige muito menos de comunhão com Deus e de maturidade separar os gramas de cominho e trazer para o sacerdote do que dia a dia descobrir e viver os altos valore e conceitos da piedade, como a “justiça, a misericórdia e o amor”. Não é preciso ter misericórdia para dar o dízimo. Basta obedecer o que está escrito. Agora, quanto aos “preceitos mais importantes”, esses exigem mais de nós. Reconhecê-los e cumprí-los é uma prova de crescimento na vida.
Observe que Jesus não disse que as coisas “menos importantes” deveriam ser desprezadas. Ele não disse que não adiantava nada dar o dízimo da hortelã, mas mostrou que era para “fazer estas coisas (as menos importantes) sem omitir aquelas (as mais importantes). A Lei era um todo. Ninguém podia escolher o que fazer e o que deixar de fazer. Ela exigia obediência irrestrita e inegociável.
A igreja de Jesus Cristo no mundo recebeu dele uma missão. Isto é a coisa mais importante que qualquer igreja no mundo tem para defender e preservar. Esta missão está bem detalhada no Novo Testamento, até (diga-se de passagem) muito mais através de princípios do que de mandamentos específicos. As igrejas que se julgam neo-testamentárias precisam entender que o Novo Testamento, como a Lei, é um todo. Não adianta escolher meia dúzia de princípios que as diferenciem das outras e bater no peito jactando-se da sua “fidelidade”. Especialmente quando esses distintivos são exatamente as “coisas menos importantes”.
Por outro lado, no cumprimento eficiente desta missão, não é necessário nem permitido abandonar os “preceitos menos importantes”. Façamos estes sem omitir aqueles. E assim não seremos como os fariseus. Nem precisaremos gritar muito para provar que somos melhores do que ninguém. “O Senhor conhece os que são seus”.
Encerramos esta série do que jeito que a começamos. Que Deus nos guarde de todo farisaísmo. Que ele nos dê sua graça para que ao invés de acusarmos, julguemos a nós mesmos. Que ele nos dê coragem para romper, primeiro em nossas vidas e depois em nossas comunidades, com qualquer sentimento que nos assemelhe a isso. Que não seja vão o alerta do Evangelho: “CUIDADO COM OS FARISEUS”. É possível que eles sempre existirão, assim como os escândalos sempre existirão. Mas que não sejamos nós a cumprir esta previsão. Sejamos autênticos e cada dia mais semelhantes a Cristo!