2. Gostavam muito das suas tradições (Mt 15:1-9; Mc 7:1-13)
Os rabinos haviam criado uma série de interpretações particulares da lei, que ao longo do tempo passaram a ter valor igual e até superior ao da própria Escritura. Quando essa tradição era obedecida, o homem era valorizado. Esse era “dos bons”. Esse tinha “dutrina”. Muitas vezes suas tradições nada mais eram do que um “jeitinho” para atropelar os conceitos básicos de uma lei, como neste exemplo que o Senhor cita a respeito de ajudar e honrar os pais. Note: o problema deles não é que eles fossem “tradicionais”, porque ser tradicional nada mais é do que repetir um modelo, seja ele qual for. A questão era o tipo de tradição que eles queriam manter. Grande parte delas não tinha qualquer respaldo da lei. Era pura invencionice. Era chifre na cabeça de cavalo, era pêlo em ovo. Eles mesmos criavam certas coisas para mostrar o quanto eles eram rigorosos, ortodoxos, sérios ou espirituais. Mas Jesus mostrou que isso nada tinha a ver com espiritualidade. Pelo contrário, era uma rejeição aberta da própria lei. Eles invalidavam o mandamento e então catapultavam suas próprias idéias ao nível de Escritura.
Estamos nós livres de tal atitude? Permita-me um comentário. Peço-lhe que o leia com atenção, acompanhando a lógica do raciocínio. É sabido que os católicos tem suas tradições anti-bíblicas. Isto envolve desde interpretações inconsistentes de textos bíblicos (como a teoria da transubstanciação) até aberrações como a ascensão de Maria (algo absolutamente apócrifo e desprovido de valor bíblico ou teológico). E então, o que fizeram? Como não podiam sustentar essas tradições biblicamente, simplesmente assumiram que a igreja católica tinha o direito de elevar ambas, a Bíblia e a tradição, ao mesmo pé de igualdade. Pronto! Tá resolvido. Agora, se a Bíblia não diz, a tradição diz. E ambas tem o mesmo valor. Errado? Claro que sim. Nem se discute. A Bíblia é a verdade absoluta, e se não está lá, não aceitamos. Este foi o brado da Reforma Protestante: SOLA SCRIPTURA! Somente a Escritura!
Acontece que as igrejas evangélicas (entre elas o chamado “movimento dos irmãos”) também tem grande parte de suas ações pautadas em tradições que, para sermos honestos, não se encontram em lugar algum da Bíblia. Podem não ser tradições ANTI-BÍBLICAS, como as católicas e nem tradições envolvendo questões fundamentais da fé. Mas são tradições e são A-BÍBLICAS, isto é, não se encontram na Bíblia. Até aí não haveria grandes problemas, se tais tradições não fossem usadas como aferidor da espiritualidade alheia, bem ao estilo dos fariseus. Então, criticamos os outros grupos que tem práticas que a Bíblia não contempla, mas agimos semelhantemente em outras coisas. É mais ou menos isso: “Regra No 1: Ninguém pode manter uma prática se não estiver na Bíblia. Regra No 2: A Regra 1 não se aplica a nós, só aos outros”
Exemplifico: quem nunca ouviu coisas do tipo “nossa igreja é melhor porque celebra a Ceia dessa forma ou daquela”; “nossa igreja é melhor porque canta esse ou aquele tipo de música”; “nossa igreja é melhor porque bate palma ou não bate”; “nossa igreja é melhor porque os missionários são sustentados assim ou assado”; “crente bom é aquele que anda de terno e gravata”? São gostos pessoais transformados em lei, em estatuto, que ao longo do tempo passam a valer mais do que a própria Palavra de Deus. Discute-se a forma das coisas, mas não a sua essência. E enquanto essas discussões tomam conta da arena, invalidamos a ordem de Deus para que sejamos uma igreja que faça diferença, que seja sal num mundo em decomposição e luz numa sociedade em trevas.
Como já foi exposto, nem toda a tradição é necessariamente ruim. Nem tudo o que é antigo precisa ser descartado. Não é aí que está o problema. A questão é fazer das nossas preferências uma tradição e delas uma regra irrevogável e ainda por cima considerá-las melhores do que a dos outros.
É preciso questionar sempre o que estamos seguindo de fato. Ao invés de ficar o tempo tentando “manter um padrão” supostamente bíblico, o que convém a esta geração é aprender a separar o que é a TRADIÇÃO DOS FARISEUS e o que é O MANDAMENTO DE DEUS. Por este, vale a pena viver e morrer. Por aquela, não vale a pena nem gastar muita saliva.
Pensando bem:
“A mera aparência externa não produz mudança de caráter” (Jabesmar Guimarães, a propósito do artigo da semana passada)