No início dos anos 90, John Piper e Wayne Grudem publicaram “Recovering Biblical Manhood and Womanhood” [“Recuperando a masculinidade e a feminilidade bíblicas”], sob os auspícios do Conselho de Masculinidade e Feminilidade Bíblicas (CBMW). O livro teve como alvo o surgimento do “feminismo evangélico” e abordou a dinâmica de gênero no lar e na igreja. Quase três décadas depois, aspectos relacionados a mulheres e à liderança continuam gerando debates e controvérsias. Em seu livro intitulado “Recovering from Biblical Manhood and Womanhood: How the Church Needs to Rediscover Her Purpose” [“Recuperando-se de masculinidade e feminilidade bíblicas: Como a igreja precisa redescobrir seu propósito], a autora Aimee Byrd argumenta que homens e mulheres precisam recuperar seu chamado em comum, como irmãos em Cristo. Andrea Palpant Dilley, editora associada sênior da CT, conversou com Byrd sobre seu livro.
Como esta obra interage com seus livros anteriores?
Cada um adcionou algo aos outros, em termos do que tenho procurado, como leiga, na igreja. Meu primeiro livro incentivou as mulheres a se ver como teólogas e a levar a sério esse chamado. O segundo livro tratou de teologia. O terceiro examinou toda a cultura do ministério feminino e como ele está deixando má teologia se infiltrar na igreja.
Com este novo livro, eu queria focar na necessidade de treinamento e discipulado, como irmãos e irmãs, na igreja. Estamos sendo discipulados de maneiras diferentes? Como nossa leitura das Escrituras afeta nossos relacionamentos na igreja? Até que homens e mulheres cresçam no entendimento de seu relacionamento com as Escrituras, a tensão entre os sexos persistirá.
No contexto do debate entre complementarismo e igualitarismo, como você se identifica?
Eu me rotularia como confessional. Congrego na Igreja Presbiteriana Ortodoxa, então estou dentro dos limites da Confissão de Fé de Westminster. O ponto principal é buscar união em questões doutrinárias de primeira ordem. O debate da ordenação é uma questão de segunda ordem.
Eu vejo o papel pastoral como um lugar para homens qualificados e ordenados, mas não porque os homens são naturalmente melhores líderes. Eu vejo pastores como representantes de Cristo. No entanto, não consigo me identificar com o complementarismo, porque acredito que é um movimento com muitos erros doutrinários, erros de primeira ordem mesmo. Existem distinções entre homens e mulheres, é claro. Mas precisamos conversar sobre tudo isso com humildade.
Os céticos vão reclamar e dizer: “Isso não é apenas um problema complementar, ou pelo menos um problema que é exacerbado pelo pensamento complementar?”
Estou criticando um movimento complementar, para que haja algum peso nesse argumento. Mas isso é um problema para todos nós. Não compreendemos completamente a beleza de nossa criação como homens e mulheres. Nós nos vemos como irmãos e irmãs, chamados a promover a santidade um do outro? Vemos o espírito de reciprocidade que aparece nas Escrituras? Vemos o belo quadro apresentado por Paulo em Romanos 16, ao atentar para todos seus cumprimentos e recomendações a amigos e cooperadores no evangelho? Ele lhes apresenta uma bela imagem da teologia que ensina, onde homens e mulheres servem no ministério.
Todos somos responsáveis por comunicar a Palavra de Deus, uns aos outros, como discípulos. Em Romanos 16, vemos Paulo passar o bastão a Febe; ele a autoriza a entregar sua carta aos romanos. Ele confia nela para comunicar o significado dessa carta, que ele sabia que geraria muitas perguntas. Também temos o bastão em nossas mãos para compartilhar a Palavra de Deus uns com os outros. Essa é uma grande e bela responsabilidade.
Você argumenta que a visão predominante sobre as mulheres na CBMW é parasitária. E que os objetivos das mulheres apoiam os objetivos dos homens, com a redução delas ao papel de “afirmadoras masculinas”. Como você vê o fato de isso ocorrer na igreja?
Estou criticando o livro “Recovering Biblical Manhood and Womanhood”, no qual John Piper define o centro da feminilidade como “reafirmação dos homens”. Piper contribuiu muito para a igreja. Mas essa definição não deixa espaço para a agência feminina ou a contribuição feminina. Não acredito que minha feminilidade seja definida pela maneira como nutro a liderança masculina. As mulheres têm contribuições únicas, que são necessárias na igreja. Há uma reciprocidade entre masculinidade e feminilidade que é dinâmica, que nos leva ao nosso objetivo comum: a comunhão eterna com o Deus trino.
Muitas vezes ouvimos dizer que a mulher está subordinada ao homem porque Eva foi criada após Adão. Mas, na história da criação, o homem é inadequado sem a mulher. Ele precisa de uma força correspondente. Assim, quando o homem vê a mulher, ele enxerga algo de sua identidade definitiva de noiva de Cristo.
Você passa bastante tempo explorando a profetisa Hulda, do Antigo Testamento. Por que ela é importante para o seu argumento?
Quando o nome de Hulda aparece, penso naquele momento do filme “Curtindo a vida adoidado” em que o professor grita: “Bueller? Bueller?” e ninguém sabe quem ele é. Do mesmo modo, ninguém sabe quem é Hulda. Nós a vemos nas Escrituras duas vezes, em [2 Reis 22 e 2 Crônicas 34].
No Antigo Testamento, vemos o rei Josias enviar dignitários. Um exemplar do livro da lei é descoberto e ele precisa saber se é mesmo algo legítimo. Jeremias e Sofonias eram profetas na época, mas não foram procurados. Em vez disso, os conselheiros de Josias encontram Hulda, a profetisa, e ela autentica o livro, que é amplamente aceito como o coração de Deuteronômio. É a primeira vez que vemos a Palavra de Deus ser autorizada como cânon, e isso é feito por uma mulher. Isso é incrível. Em resposta, Josias se arrepende.
Temos de perguntar: o que o Espírito Santo está dizendo à igreja, hoje, com essa parte das Escrituras?
Você argumenta que a leitura das Escrituras é um empreendimento comum e misto. Mas e se, exegeticamente, as mulheres quiserem “um espaço só para elas”?
Encorajo o aprendizado misto nas circunstâncias certas, mas também encorajo o aprendizado exclusivo em grupos somente para homens e somente para mulheres.
Existem benefícios para estudos exclusivos. Tito 2 fala disso, com suas instruções específicas para diferentes demografias na igreja. Mas não podemos deixar de fora o elemento doutrinário em ambos os casos. Tanto homens quanto mulheres precisam falar sobre doutrina saudável e como isso se aplica em nossos relacionamentos dentro do corpo de Cristo. Quando começamos a dar às mulheres Bíblias rosas separadas, isso envia uma mensagem diferente. É da mesma maneira que as feministas radicais pensam — que a Bíblia é tão patriarcal que precisamos de nossas próprias interpretações para entendê-la melhor. Essa é uma estrada perigosa a seguir. Não é bíblico.
Que segregação você vê nas páginas das Bíblias de estudo?
Está presente nos artigos e nos colaboradores. Os artigos para mulheres tendem a ser sobre distúrbios alimentares, vida missionária, perdão, cura e assim por diante. Eles tratam, principalmente, de nossas fraquezas. Mas, nas Bíblias masculinas, os artigos tratam principalmente de liderança, agência e vocação. Na ESV Men’s Devotional Bible só há colaboradores masculinos. Mas, na versão feminina, existem colaboradores masculinos e femininos.
As mulheres estão em uma situação dupla. Nem sempre são aceitas como líderes de discipulado na igreja. Porém, nos ministérios paraeclesiásticos, onde elas são livres para discipular, não recebem instruções doutrinárias e responsabilidade eclesial. Qual é a sua solução?
Há uma razão pela qual as mulheres estão prosperando nos ministérios paraeclesiásticos. Elas estão recebendo investimento e sendo ouvidas. Estamos lançando livros e conferências de mulheres. Logo, é fácil ver por que as mulheres estão se reunindo nesses espaços. Suas igrejas não estão investindo nelas como discípulas. Meu livro é um chamado para que a igreja invista em mulheres e homens leigos, com dons, no ensino e no discipulado — e incentive uma reciprocidade saudável entre eles. Isso não vai acontecer a menos que os líderes das igrejas tomem a frente.