Aqui está a ilustração de sermão “mais eficaz” e terrível que já usei:

Certo dia, minha esposa e eu estávamos discutindo sobre algo – o assunto exato foi esquecido faz tempo. No decorrer da discussão – provavelmente quando ela estava tirando o melhor de mim – fiquei tão frustrado que bati na parede da sala de jantar com meu punho. A parede não se moveu, claro, mas eu esperava pelo menos colocar um buraco no drywall. Por sorte (ou providência), o lugar que eu decidi socar com toda minha força estava apoiado em uma viga de dois por quatro. Digamos apenas que doeu.

Ambos ficamos em silêncio depois disso e comecei a varrer a cozinha e a sala de jantar (estávamos reformando na época). Imediatamente ficou aparente que alguma coisa estava errada com minha mão uma vez que eu mal conseguia segurar a vassoura com minha mão direita.

Minha esposa percebeu que eu estava com dor e que minha mão não parecia boa. Ela gentilmente ergueu minha mão para olhá-la. “Acho que está quebrada”, ela disse. “Precisamos levá-lo ao pronto socorro”. O diagnóstico dela foi logo confirmado pela equipe médica no ambulatório.

Desde quando ela viu minha mão, não houve raiva, ressentimento ou superioridade moral de sua parte – tudo o que teria sido justificado. Ela só estava preocupada com o meu bem-estar. Ela sabia muito bem que havia uma parte de mim batendo nela quando eu bati na parede, mas em vez disso, ela se concentrou no fato de que eu expressei minha raiva em outro lugar e não nela e que eu estava com muita dor como resultado da minha tolice.

Usei esta ilustração em um sermão sobre graça. Foi a última ilustração, sob medida para sustentar a verdade que Deus nos trata com bondade e graça mesmo quando nos mostramos hostis e irritados, mesmo com ele. Pensei que fosse a ilustração perfeita.

Acontece que muito poucos ouvintes ouviram tudo aquilo. Os comentários após o culto, e por algumas semanas seguidas, foram de três tipos:

“Obrigado por ser tão vulnerável e compartilhar essa história”.

E, em voz baixa para que ninguém mais pudesse ouvir, “Eu fiz isso, mas fiquei com muito medo de contar para alguém”.

E claro, “Isso foi tão engraçado!”

Ninguém me disse que, como resultado da ilustração, entendeu melhor a graça de Deus. Ninguém.

Mas me entenderam melhor. Aprenderam algo sobre meu temperamento. Meus esforços na reforma. Sobre minha esposa e meu casamento. E foram entretidos.

Pelos padrões contemporâneos, foi eficaz: Foi fascinante; foi divertido; os ouvintes se lembraram disso por semanas, até anos.

Mas se lembraram da coisa errada. Eles se lembraram de mim. Não se lembraram de nada sobre a graça de Deus, tanto quanto eu podia dizer. Então, concluí que foi a pior ilustração que já usei.

O problema é este: Este tipo de ilustração de sermão é a ordem do dia na pregação evangélica. E este é um motivo pelo qual a pregação evangélica está em apuros.

Quando estilo se torna substância

Pregação é a única vez na semana quando temos a oportunidade de ouvir sobre alguma coisa diferente de nós mesmo, diferente da horizontal. É o tempo para ouvir sobre Deus e sobre as maravilhas e mistérios do seu amor, sobre o que ele fez por nós em Cristo. Mas cada vez mais, a pregação evangélica tem se tornado outro jeito de falarmos sobre nós mesmos, e neste caso, aprender sobre o pregador.

Mais uma vez, no interesse de se identificar com a cultura, o mundo do entretenimento se tornou o modelo aqui para muitas igrejas. Para começar, o sermão em muitas igrejas evangélicas representa um cruzamento entre o padrão de um comediante e os monólogos de abertura dos programas de televisão de fim de noite. A ideia é ser “autêntico” – isto é, natural, sem roteiro e engraçado.

Isso, claro, é ingênuo, o mais ingênuo que se pode ser, porque você pode ter certeza de que esses monólogos de abertura dificilmente não têm roteiro. O padrão do comediante, assim como seu personagem, foi moldado e aperfeiçoado com meses ou anos de prática. Os anfitriões e os comediantes dos programas de televisão de fim de noite são divertidos, sem dúvida. Mas eles são divertidos exatamente porque são tudo menos autênticos. Em vez disso, eles têm profunda prática em sua profissão.

O sermão evangélico imita tudo isso, mas sem o uso de um projetor de roteiro ou sem repetir a mesma apresentação aperfeiçoada durante meses de shows. Não há pódios ou púlpitos, nem notas, para não mencionar um manuscrito do sermão. Entretanto, você pode ter certeza de que o pregador praticou o sermão na quietude de seu escritório e decorou suas melhores frases, bem como os gestos certos na hora certa – tudo para que possa parecer autêntico.

Não é apenas a configuração, mas o conteúdo que comunica a coisa mais problemática: que o sermão é, no final, principalmente sobre a horizontal. Dada a extensão do sermão, o método de entrega e as ilustrações pessoais da vida do pregador para sustentar a mensagem – tudo isso traz um foco inadvertido à pessoa que está pregando.

Deixe-me enfatizar a palavra inadvertido. Porque eu duvido que muitos pregadores invistam neste estilo de pregação contemporânea para se exaltarem. Estes homens e mulheres amam Deus e se esforçam para fazê-lo conhecido. O que eles não reconhecem é que o estilo ao qual estão engajados contrariam seus desejos.

O que aconteceu com o púlpito?

Considere o método de entrega – muitas vezes sem um púlpito (na melhor das hipóteses, um púlpito transparente) e, muitas vezes, andando de um lado para outro no palco enquanto prega. E fazendo isso de 30 a 45 minutos, pelo menos metade disto, se não até 75 por cento da hora de culto. O que tudo isso comunica é: O pregador é de longe a pessoa mais importante naquele lugar. O pregador é a pessoa em quem nos fixamos a maior parte do culto.

Eu não percebi o quão teologicamente importante é o púlpito tradicional até receber um comentário após um sermão que preguei como convidado. A equipe pastoral da igreja gostava de pregar do centro do palco e andar de um lado para outro durante o sermão – estilo dos comediantes. Eu, entretanto, fiquei atrás do púlpito improvisado – um púlpito de madeira em uma mesa pequena. Eu o fiz principalmente por razões práticas – dependo muito de anotações e/ou de um manuscrito, e não me desviava deles.

Após o sermão, um homem me disse: “Obrigado por pregar do púlpito”. Quando perguntei por que, ele explicou, “O púlpito nos lembra de que a autoridade do pregador não vem do pregador e da sua personalidade. O púlpito é um símbolo de que o sermão obtém sua autoridade da igreja, que por sua vez obtém sua autoridade da Escritura”.

Ponderando seus comentários por semanas, percebi o quanto um sermão sem púlpito, e especialmente o sermão entregue no estilo de comediantes, faz um trabalho extraordinariamente bom de entreter as pessoas e de fazer o pregador, e não a palavra pregada, o centro das atenções.

Uma coisa engraçada aconteceu comigo no caminho para a igreja

Acrescente a isso o problema do contentamento. Não se engane: Jesus ainda é pregado em muitas igrejas evangélicas. Mas não necessariamente acima de tudo.

Nós evangélicos somos aproveitadores do sermão prático que nos diz como viver para Jesus. Mas, muitas vezes, a prática deixa o bíblico de lado. Um sermão sobre “Cinco Passos para Manter Seu Casamento Forte” pode mencionar Jesus ou a Bíblia aqui e ali, mas retire essas referências e a essência do sermão continua a mesma: psicologia relacional prática e grandiosa. Na mesma linha, ouvimos sermões sobre como lidar com as finanças, com os principais conhecimentos extraídos da literatura financeira de autoajuda, decorados com versículos de Provérbios. E então existem os sermões sobre criar filhos, encontrar uma carreira, lutar contra o aborto e assim por diante. Tais sermões estão cheios de conselho sensato e sábio e nós precisamos de conselho sensato e sábio em muitos assuntos.

A pergunta é: Isso é o mais vital e relevante que temos para comunicar no culto? Na única vez na semana em que nos reunimos para louvar e glorificar a Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, é isto realmente o mais importante que podemos falar? Já esgotamos os tesouros e as maravilhas da Palavra de Deus? Já dissemos tudo o que podemos dizer sobre as glórias da salvação? Ou estamos entediado com discussão sobre Deus, então voltamos a falar sobre nós mesmos e sobre como tornar nossas vidas mais administráveis?

Um sinal de que somos profundamente tentados pela horizontal na pregação é a quantidade de ilustrações que pregadores usam hoje de suas próprias vidas. Houve uma época em que os pregadores eram desencorajados de usar suas próprias vidas como ilustrações de sermão. Mas em algum momento a partir da década de 1960 isso começou a mudar. A ideia era mostrar aos ouvintes que o pregador não era diferente dos ouvintes e enfrentava os mesmos desafios, dificuldades e tentações como todo mundo. Isso levou a ouvintes mais atentos e agradecidos, que agora sentiam que podiam se conectar psicologicamente com seu pregador.

Hoje, não é raro ouvir um sermão no qual a abertura, o fechamento e a ilustração chave do principal ponto do sermão sejam tirados da vida e da experiência do pastor e da sua família. Tais sermões fazem um trabalho maravilhoso de ajudar os ouvintes a se conectarem com o pastor. E os pastores continuam os usando justamente porque quando as pessoas saem do culto e apertam sua mão, elas dizem aquele foi um sermão maravilhoso, com comentários como, “Eu amo ouvir sobre sua família”, “Seus filhos são tão fofos” e “Eu realmente me identifico com você”.

Sério? Queremos que nossa congregação se identifique conosco? Isto é justamente o problema com ilustrações pessoais: Ela inadvertidamente coloca o holofote no pregador. Dentro de poucos meses de pregação, todos sabem as peculiaridades de cada membro da família do pastor, seus sucessos e falhas em partes fundamentais da sua vida, suas paixões e desgostos e assim por diante. Por fim, eles sabem mais sobre seu pastor do que sabem sobre Jesus.

Alguns pastores defendem a prática dizendo que só usam exemplos negativos deles mesmos – falando sobre maneiras pelas quais eles falharam em atender ao chamado de Cristo. O que eles não percebem é que isto apenas aumenta ainda mais seu status com a congregação. Invariavelmente, as ilustrações apresentam um momento ou percepção de quando o pastor reconheceu sua falha e mudou de direção. Então agora o pastor é alguém que é um modelo de humildade! E mesmo que o pastor diga, “Eu ainda luto com isso”, ou ninguém realmente acredita nela ou eles a exaltam como um modelo de seriedade espiritual – eles pensam, Ela realmente está trabalhando duro em sua vida espiritual!

Há, em suma, dificilmente uma maneira de usar uma ilustração da vida pessoal de alguém sem que isso distraia o olhar dos ouvintes de Jesus, o autor e aperfeiçoador da nossa fé. Esse papel agora foi subordinado pelo pastor, que depende de ilustração pessoal para tornar o sermão relevante.

Muitos pastores evangélicos têm se tornado viciados em usá-las porque, convenhamos, eles amam o retorno. As pessoas apertam sua mão após o culto e dizem-lhes o quanto gostaram daquela historinha. Eu sei do que estou falando. Pastores são muito solitários e inseguros e nós precisamos de afirmação tanto quanto (e talvez mais) do que todo mundo. É muito difícil resistir a esta tentação em um dia no qual o pessoal, o íntimo e o falar-tudo é a ordem do dia em qualquer outro lugar.

(Não é de se admirar que paramos de entender esta parte do culto como “adoração”. Não é assim em muitas das nossas igrejas. A respeito disso, agradeço a Deus pelos coros de louvor – pelo menos eles evitam que o culto desmorone completamente na horizontal).

Algumas sugestões

O caminho a seguir não é difícil de entender, e deixe-me ter o privilégio de ser mais exigente neste artigo, por eu ter experiência em pregar.

Primeiro, podemos trazer o púlpito de volta. Ele não precisa ser do tipo que nos lembra das igrejas do passado. Que tal projetarmos um púlpito contemporâneo que acentua o fato de que o pregador foi comissionado pela igreja e de que o sermão está definitivamente sob a autoridade da igreja – todos os quais estão sob a autoridade de Deus? Algo que diga em sua forma que neste momento, o sermão – a palavra falada de Deus – não é sobre o pregador daquela palavra, mas sobre o Deus que está com e acima do pregador.

Segundo, os pastores podem reduzir o sermão para que o culto não fique dominado por uma pessoa e por uma voz. Podemos dar espaço para mais música. Dar espaço para mais oração. Dar espaço para mais silêncio. Talvez dar espaço para mais celebrações regulares de sacramentos / ordenanças. Em outras palavras, podemos dar espaço para Deus.

Isso significa que a congregação tem que dar ao pastor mais tempo para preparação do sermão. Por mais difícil que seja de acreditar, leva mais tempo preparar um sermão curto do que um longo, porque cada palavra e frase tornam-se cada vez mais ponderados. Isso exige que o pregador pense muito sobre o que manter e o que deixar de fora.

Terceiro, eu gostaria de sugerir que colocássemos uma moratória em ilustrações pessoais – ou pelo menos reduzíssemos a quantidade. Os pregadores podem dizer que ficaram viciados em ilustrações pessoais no momento em que decidiram parar de usá-las. Tente por algumas semanas não usar nenhuma e você verá sua mente voltando para si mesmo e para sua experiência vez e outra para sustentar um argumento.

Claro, na cultura da revista People / do Facebook, onde estamos morrendo de vontade de conhecer os detalhes íntimos da vida dos outros, onde alguém não parece autêntico a menos que revele alguma coisa sobre sua vida pessoal – bem, não podemos ser comunicadores efetivos nesta cultura sem cair na ilustração pessoal ocasional. As pessoas querem se identificar pessoalmente com oradores, pregadores e escritores. Então, se quisermos ganhar audiência nesta cultura, temos que oferecer a elas um pouco de nós de mesmos. Isto é justamente por que, quando sou o pregador convidado em uma igreja, tento incluir uma ilustração pessoal no começo da minha fala. Feliz ou infelizmente, é mais provável que o público me dê ouvidos. É também por isso que meu editor me pediu para incluir algumas em meu livro.

Então eu entendo. Mas não tenho certeza por que um pastor, que tem todos os tipos de ocasiões que não seja o culto para levantar o véu e deixar que a congregação o veja como mais do que um pregador, precisa, semana após semana, usar sua própria vida para sustentar um ponto sermão após sermão. E eu vi muitos casos em que a anedota pessoal torna-se uma muleta tal que um culto da personalidade lenta, mas seguramente, começa a se desenvolver em torno do pastor.

Parte disto é devido à pura preguiça – acredite em mim, falo com conhecimento pessoal do vício. É muito mais fácil para alcançar a memória de alguém do que ler extensivamente. E quando o domingo de manhã está chegando, é simplesmente fácil demais recorrer à ilustração pessoal.

Parte disto é devido ao fato de que pregadores não sentem que têm tempo para ler ampla e profundamente, na literatura, na história, na política, na teologia. Então eles não têm nada quando se sentam para escrever um sermão. Esta é outra razão pela qual as congregações devem insistir para que seus pastores levem de 10 a 15 horas por semana preparando sermões.

Quarto, pregadores precisam perguntar a si mesmos no começo, no meio e no final da preparação do sermão: “Isso é principalmente sobre Deus? Isso ajuda as pessoas a entender melhor quem Deus é e o que ele fez por nós em Cristo? Isso em primeiro lugar e acima de tudo exalta a Cristo?”

Um sinal de quão horizontal nossa fé se tornou é a objeção interna que nossas mentes levantam neste momento: Sério? Posso pregar sobre Deus semana após semana? Quero dizer, quanto alguém consegue falar sobre Cristo antes de ficar repetitivo?

Como se Deus fosse finito. Como se houvesse apenas pouca coisa que se pudesse dizer sobre seus incontáveis atributos. Como se o céu ficasse entediado depois de algumas semanas de louvor porque teríamos ficado sem coisas para louvar.

Uma objeção, claro, é boa: “Minha congregação não precisa de orientação sobre como viver em Cristo?” Sim! E quando essa orientação está completa e firmemente fundamentada em quem Cristo é e o que ele fez por nós, então isso será mais relevante e significativo do que qualquer coisa que possamos falar sobre nossas necessidades com destaque para nossas vidas.

MARK GALLI
Editor-chefe da Christianity Today

Traduzido por Cynthia Rosa de Andrade Marques.
Usado com permissão.