Em uma sociedade cada vez mais orientada pelo uso de imagens e tecnologias, a igreja contemporânea tem adotado vários meios de comunicar a palavra de Deus como uma forma de se relacionar com a cultura moderna. No intuito de se manterem relevantes, as igrejas têm feito uso extensivo do design gráfico, publicidade, branding, mídias sociais em sua comunicação. Para o teólogo Duane K. Friesen, a igreja deve compreender os princípios da linguagem da comunicação visual como sendo tão importante quanto a linguagem verbal. Ele argumenta que, uma vez que as imagens visuais desempenham um papel tão poderoso em nossa sociedade, se não compreendermos bem o modus operandi da comunicação visual, estaremos mais propensos a ser manipulados[1]. Uma reação a essa realidade são igrejas que abraçam de forma acrítica toda solução tecnológica e técnica de marketing existente para buscar o crescimento numérico da igreja, alimentando uma cultura de consumo. Por outro lado, outras comunidades são extremamente cautelosas quanto a quaisquer inovações e consideram qualquer investimento em comunicação visual como mero adereço frívolo. Leslie Newbigin alerta para o fato que na busca para ser relevante é possível cair no sincretismo e no esforço de evitar o sincretismo é possível tornar-se irrelevante.[2] É possível então manter um equilíbrio saudável entre uma comunicação efetiva e clara sem tornar o Evangelho em um produto a ser vendido? Creio que a igreja deve celebrar e abraçar a beleza produzida pela boa arte e design, mas deve estar ciente dos possíveis abusos que estão relacionados ao mau uso da comunicação visual no contexto eclesiástico.
O trabalho dos designers gráficos modernos no contexto da igreja pode ser relacionado aos iluminadores do passado, artistas envolvidos na produção de manuscritos e livros sagrados.[3] O design gráfico se ocupa da tensão entre forma, propósito, significado, conteúdo, habilidade e qualidade estética. A produção de Bíblias antigas e livros de adoração era o resultado de um trabalho de equipe multidisciplinar, como pintores, calígrafos, escribas, especialistas em pigmentos e pergaminhos. O resultado eram verdadeiras obras artísticas: tendo forma e função unidas em harmonia visual. Os iluminadores consideraram esses projetos como um banquete para os sentidos, que permitia aos homens se conectarem com a beleza divina, preparando-os para a adoração[4]. Friessen argumentando sobre a importância dos sentidos para a experiência de fé afirma que a “experiência estética é parte integrante de nossa resposta a Deus, o Criador do cosmos. A experiência estética é a nossa resposta sensorial ao modo como o cosmos e o mundo são ordenados.” [5] Os seres humanos não são apenas seres pensantes, como os racionalistas proclamavam, nossa imaginação e nossos sentidos são importantes em nossa percepção da realidade: toque, cheiro, gosto, movimento e som importam. Portanto, negligenciar ou ignorar o papel de artistas e designers e em uma comunidade de fé é ignorar aspectos importantes do que significa ser humano.
Tudo isso significa que a boa arte ou o bom design tem o poder de iluminar, simplificar, esclarecer, persuadir, ampliando a percepção e experiência de fé. Henri Nouwen em sua obra “A volta do Filho Pródigo” relata o impacto que a pintura da volta do Filho Pródigo do pintor holandês Rembrandt teve em sua história pessoal e compreensão da parábola de Lucas 15. Poderíamos citar vários exemplos de boa comunicação visual dentro do contexto eclesiástico. A iniciativa “The Bible Project” tem sido uma referência de bom conteúdo teológico, aliado à qualidade estética, facilitando a compreensão de temas bíblicos por meio de animações bem produzidas. Outro exemplo é o Livro de Adoração Evangélica Luterana desenvolvido pelo KantorGroup em 2006. Hinários geralmente são vistos como livros antiquados que se encontram em bancos empoeirados. No entanto, este hinário é capaz de relacionar a tradição com um visual moderno. Desde a escolha da tipografia até o uso de ilustrações de vários artistas ao longo das páginas, o design do livro não distrai chamando atenção para si mesmo, mas conduz e inspira o adorador de uma forma agradável. Outro exemplo, vindo de nosso contexto brasileiro, a Litúrgica, é o excelente trabalho do designer Kaiky Fernandez que produziu uma fonte de dingbats (pictogramas) baseado no calendário litúrgico cristão. Seu projeto representa de forma simbólica períodos do calendário cristão, ministérios, elementos do culto, que podem ser incorporados a projetos visuais de qualquer igreja.
No entanto, quais são os problemas, abusos ou até mesmo perigos com relação ao uso de design gráfico e técnicas modernas de comunicação visual? W. David O. Taylor argumenta que a má arte é um dos principais problemas relacionados a comunicação visual de igrejas. Ele considera a arte ruim tudo o que é “clichê, melodramático, barato, apressado, plástico, superficial, elitista, berrante, preguiçoso, frio, autoindulgente e impessoal.”[6] Infelizmente, as igrejas e líderes evangélicos geralmente não são treinados para avaliar a comunicação visual, tornando os padrões de avaliação muito subjetivos e pessoais. As expectativas da comunicação religiosa são geralmente baixas, resultando em comunidades de fé que reivindicam tradições ricas e autênticas sendo representado por boletins mal planejados, logotipos superficiais e símbolos vazios.[7] A supersaturação é outro resultado possível relativo ao abuso da comunicação visual. As pessoas estão constantemente sendo estimuladas em suas vidas cotidianas através de anúncios visuais, outdoors, telas, vídeos, mídias sociais, etc, resultando em inquietação, insatisfação e uma mentalidade de consumo. Portanto, cabe às igrejas considerarem se por meio da linguagem visual, estão conduzindo seus fiéis à contemplação, adoração e louvor ou simplesmente os levando a um frenesi de emoções agitadas pelo abuso de imagens, vídeos, telões de LED, etc.
Outro problema comum relacionado à comunicação visual em igrejas está relacionado à autenticidade. Há muitas maneiras diferentes pelas quais a igreja pode se relacionar com a cultura circundante, mas uma das mais comuns dentre igrejas em busca de relevância é simplesmente copiar a cultura contemporânea. Com isto, artistas e designers que atuam em igrejas ignoram a originalidade e validade de seu trabalho e simplesmente procuram imitar estilos, tendências e modismos que fazem sucesso no momento. Fazendo um contraponto, Andy Crouch afirma que pode haver um aspecto positivo em se inspirar na cultura geral ou em um estilo artístico, como sendo uma forma legítima de reconhecer que mesmo a cultura secular possa ser usada como veículo para levar as boas novas.[8] O próprio apóstolo Paulo cita filósofos pagãos como maneira de explicar o Evangelho (Atos 17:28). No entanto, isso pode levar a uma postura de passividade, onde a igreja, sua equipe criativa, artistas visuais e designers estão sempre à espera para ver que bem cultural ou tendência para sua assimilação e apropriação — criando uma versão “gospel” do mesmo. E como a igreja está imersa em um cenário cultural em rápida transformação, se tudo o que ela faz é imitar os estilos musicais, os recursos visuais e as inovações tecnológicas da cultura dominante, ela sempre estará um atrasada. Ou pior, em vez de criar algo autêntico, único e que possa realmente apelar como algo novo para uma cultura secular, a igreja produzirá apenas uma subcultura de baixa qualidade, que só se comunica com aqueles que já fazem parte desse ambiente.
Finalmente, o uso de design gráfico, artes visuais e comunicação torna-se problemático se se transformar ídolo, ou seja, um fim em si mesmo. Se a igreja está focada apenas no crescimento numérico e em ser reconhecida, confiando mais em suas próprias técnicas, recursos e tecnologias, é possível que esses meios não sejam mais meros instrumentos, mas ídolos que alimentam um sistema religioso. O alto investimento em marketing, redes sociais e ações promocionais podem ser indícios de uma igreja que já não confia mais tanto no Espírito Santo, mas amoldou-se ao espírito da época. O apóstolo Paulo lembra ao povo de Deus que “temos este tesouro em potes de barro, para mostrar que o poder que ultrapassa pertence a Deus e não a nós” (2 Co 4: 7). O conteúdo do jarro é mais valioso do que o jarro em si e o poder do Evangelho está em Deus, não na fragilidade do barro, em nossa humanidade. Assim designers devem confiar mais no poder do Senhor Senhor do que em suas habilidades no Photoshop. Não desejo com isso criar uma dicotomia entre trabalho ativo e oração, aprimoramento técnico e confiança no Espírito. Contudo, podemos aprender com as antigas tradições de iluminação. Os iluminadores criaram um trabalho extremamente elaborado e qualificado, com constante oração e reflexão teológica resultando em trabalhos que perduraram por séculos. A excelência técnica deve ser o alvo de todo trabalho cristão, como fim último, a glória de Deus.
Em seu devido lugar, tanto a arte como design podem relacionar o mundo físico com o metafísico, traduzir verdades em imagens, ideias em símbolos constituindo-se poderosos veículos de entrega capazes de conectar o intelecto à imaginação, ambos essenciais a uma vida de fé plena[9]. A igreja e seus líderes devem cultivar, inspirar e preparar artistas, designers, ilustradores, calígrafos, fotógrafos, publicitários, para servirem ao Senhor por meio de seus dons criativos, de forma original, elaborada e ao mesmo tempo devocional; não como instrumento de propaganda religiosa, mas para revelar ao mundo a beleza que vem do supremo Criador.
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[1] Duane K. Friessen. Artists, citizens, philosophers: seeking the peace of the city (Scottdale: Herald Press, 2000), 177.
[2] Leslie Newbegin. The Foolishness of the Greeks. Kindle Edition.
[3] Daniel Kantor. Graphic Design and Religion — A call for renewal (Chicago: GIA Publications, 2007), 1.
[4] Ibid, 6.
[5] Friesen. Artists, citizens, philosophers, 169.
[6] W. David. O Taylor. For the beauty of the church (Grand Rapids: Baker Books, 2010), 150.
[7] Kantor. Graphic Design and Religion, 42.
[8] Andy Crouch, Culture Making, 93.
[9] Kantor. Graphic Design and Religion, 50.