A infância é uma fase importantíssima para o desenvolvimento social e emocional do ser humano. Os especialistas insistem em afirmar o quanto as relações sociais de qualidade interferem positivamente nesse processo. E quando falamos “de qualidade” estamos falando de relações fora das redes sociais. Já calculou quanto tempo seu filho (ou você) passa por dia se relacionando pela internet? A tecnologia é uma ferramenta como outra qualquer que, sendo bem utilizada, pode trazer benefícios. Mas é fato que o inverso também é verdadeiro. Estudos recentes apontam que o excesso de tempo gasto com tecnologia pode causar dependência e, caso ainda não saiba, já existem grupos de profissionais especializados para acolher crianças, adolescentes e adultos vitimados por esta nova “droga”. O uso descontrolado de tecnologia pode desencadear uma série de patologias e problemas em nossa saúde emocional e prejuízos nas relações sociais.
Qual é a garantia que temos que uma criança ou adolescente terá maturidade suficiente para lidar com todas as questões trazidas pela onda da tecnologia e que penetram o nosso mundo psíquico sem que percebamos? Nenhuma! Se nós, adultos, muitas vezes não somos capazes de desenvolver um auto controle nesse aspecto, que dirá uma criança ou adolescente que ainda não amadureceu a parte superior do cérebro, que comanda o pensamento racional e a capacidade de solucionar problemas? Com o advento das redes aguçamos a nossa necessidade de exposição, de mostrar o que estamos fazendo, onde estamos e com quem estamos. O problema na verdade não está no ato em si, mas na quantidade, frequência e o quanto esse comportamento interfere na nossa vida real.
As redes sociais são importantes, uma forma moderna de se comunicar, mas pesquisas apontam que estamos cada vez mais distantes uns dos outros e, essa realidade experienciada na infância e adolescência pode trazer estragos ainda maiores, já que falamos de um processo neurológico ainda em formação. Na era da tecnologia o estar com o outro passa a ser secundário; a necessidade primária se torna a postagem do evento, não o evento em si; a conversa na vida real é substituída por horas de conversa no WhatsApp; a necessidade constante de aprovação se torna rotina, colocando a importância de quem sou nas mãos de terceiros. As possibilidades e caminhos são diversos!
A criança e o adolescente se torna presa fácil neste processo. O adulto responsável precisa estar em constante mediação para que seus filhos passem a maior parte do tempo em relacionamentos reais e que o prazer esteja nos momentos em si e não nas postagens e curtidas. Exercício diário!
Não podemos esquecer da manipulação dos vínculos criados nas redes. Num diálogo na vida real precisamos esperar o outro falar, ler as feições, observar o olhar, a respiração e isso requer mais recursos, colabora para um desenvolvimento emocional saudável. Já a comunicação nas redes pede o imediatismo e colabora para o comportamento egoísta. As pessoas passam a ter uma intolerância cada vez maior para a espera. O sistema de recompensas no cérebro é ativado constantemente: “Quanto mais rápido sentir satisfação, melhor. Preciso das curtidas agora, preciso das respostas agora… Se esse post não deu certo, vamos para o próximo!” Então olho para o celular a cada vibração a espera das respostas. É o princípio de qualquer vício.
A questão é que na vida real não funciona assim. No vestibular, na faculdade, no serviço, no amor, nas relações de amizade precisamos esperar pelo retorno e pela satisfação (isso quando ela vem!). E se nosso cérebro está sendo treinado desde a infância para a satisfação imediata e constante, quando voltarmos para a vida real o que teremos? Patologias e relações adoecidas, pois não sabemos mais esperar e dialogar. Consultórios de psicólogos lotados!
Foi observando todas essas questões que pesquisadores nomearam um novo padrão de comportamento, o e-personalit, onde “o que mais importa sou eu, no meu tempo, as minhas coisas, os meus valores”, dificultando a convivência na vida real e também nas redes sociais. Por não estar ouvindo a voz, lendo feições, gestos e olhares, fico mais solto e faço\ falo coisas que não teria coragem de fazer na vida real, me escondendo atrás de uma tela. Na vida real, se falo algo desagradável, posso observar a feição daquela pessoa e aquilo me atinge e me transforma de alguma forma. Isso é valiosíssimo para a construção da saúde emocional. Por trás da tela essa experiência não é possível.
A cada minuto gasto atrás de uma tela, temos um minuto perdido na vida real. O que as crianças e adolescentes mais precisam são de experiências reais e contato com pessoas reais, pois um relacionamento real depende de esforços constantes. O grande problema é que as redes nos poupam desses esforços, empurrando os desafios pra outra hora. Desligamos, ficamos off-line, não respondemos, mascaramos, mentimos… Um mecanismo de fuga. Evitamos encarar o problema de frente. Mais um fator que colabora negativamente para o desenvolvimento emocional saudável da criança/adolescente sentada aí no seu sofá.
Se temos o anseio de realizar o papel da maternidade/paternidade de forma responsável, é importante a total atenção ao que nossos filhos andam acessando e o tempo gasto com a tecnologia. Esta é uma fase em que não há filtro algum. Os pais precisam fazer esse papel e auxiliar os filhos no processo de maturação. Na infância e adolescência sugestões vindas de terceiros se tornam mais importantes do que as dos seus responsáveis se eles não estão sempre presentes reforçando seus valores. É aí que a criança entra na onda da blogueira fitness, da pop-star, do youtuber ou do amigo conectado 24 horas por dia, que passam a ser suas referências de seres humanos.
Se você tem uma criança ou adolescente em casa, a hora de agir é agora. Colocar um filho no mundo qualquer pessoal é capaz, mas educar uma criança para que se torne um cidadão honrado, um ser humano que colabore positivamente para a sociedade, ah, isso é para poucos! Educação pede tempo e relacionamento. Não é perda de tempo, mas investimento de vida em prol da humanidade.
Este artigo foi escrito com base numa entrevista realizada pelo programa HumanaMente com a psicóloga Dora Góes – Colaboradora do Grupo de Dependências Tecnológicas do IPq – Instituto de Psiquiatria do HC, mediada pela jornalista Inês de Castro e pelo psiquiatra Daniel Barros.