“Você já se questionou alguma vez por que algumas crianças são “birrentas” e outras não? Para responder a essa pergunta alguns podem argumentar sobre “a natureza ruim da criança”, enquanto outros podem dizer simplesmente que ela é assim por ser uma criança chata. Na realidade, se olharmos com cuidado para a vida de crianças “birrentas” e “não birrentas”, percebemos que aquelas que fazem birra, frequentemente conseguem o que querem. Já aquelas que fazem pouca ou nenhuma birra, raras vezes ou nunca receberam aquilo que queriam agindo assim na frente de, por exemplo, seus pais ou avós. […] Algumas crianças são extremamente hábeis em controlar o comportamento de seus pais. Quando elas querem alguma coisa e os pais não cedem, elas simplesmente “aprontam o maior berreiro”. O que acontece então? Muitos pais atendem à sua vontade, dando à criança o que ela quer no momento em que está fazendo a birra.” (Moreira e Medeiros, 2007)

Aí está um provável caminho para alguns de meus infindáveis questionamentos a respeito do comportamento humano. Fico observando crianças que, quando chateadas, gritam, se jogam no chão e fazem o maior alarde. Algumas outras, já maiorzinhas, quando contrariadas insistem em reagir gritando com os coleguinhas, agredindo verbalmente, usando de ironia e diminuindo o outro. Para que os julgamentos prévios não comecem a surgir, é importante deixar claro que até os quatro anos de idade este comportamento encontra explicações fisiológicas.

Nessa fase, o lado esquerdo do cérebro, que é responsável pelo pensamento lógico e linguagem, ainda está em desenvolvimento. Já o direito, mais primitivo e já desenvolvido, é intuitivo, emocional e não-verbal. Além disso, o sistema límbico, responsável pelas emoções, diante de algum estímulo que cause medo, insegurança ou raiva, desperta na criança uma enxurrada de emoções fortes. Em resumo, “enquanto a parte mais primitiva do cérebro já vem bem desenvolvida desde o nascimento, a parte superior – nosso cérebro racional, composto pelo neocórtex e em particular pelos lobos frontais, que comanda o pensamento racional, a capacidade de solucionar problemas, criatividade e imaginação – só atinge sua plena maturidade por volta dos 25 anos de idade.” diz o pediatra e psiquiatra Daniel Siegel em seu livro The Whole Brain Child (algo como “O cérebro integral do bebê”), sem tradução no Brasil. (Vieira,2016)

Em uma das disciplinas que estudamos em Psicologia – a Análise do Comportamento – aprendemos através de experimentos com ratinhos em laboratório o porquê de alguns comportamentos. Ratinhos? Sim!A fisiologia dos animais é muito parecida com a fisiologia humana, além disso, muitos testes feitos em animais, jamais poderiam ser realizados em seres humanos, como intervenções cirúrgicas ou eletrochoque, por exemplo. Sem contar que alguns experimentos são demorados, levam anos. Não encontramos voluntários que se submetam a isso.  E “do mesmo modo que humanos e não-humanos compartilham algumas características do seu funcionamento interno – sua fisiologia -, também compartilham algumas características comportamentais, como, por exemplo, ser o comportamento de todos os organismos animais sensível a suas consequências. ” (Moreira e Medeiros 2007). Portanto, assim como o médico estuda os efeitos de um medicamento para seres humanos em ratos, o psicólogo que tem o objetivo de entender o comportamento humano, também recorre aos experimentos com animais em laboratório. Essa prática nos oferece insights a respeito do comportamento humano, nos despertam para possibilidades que nos ajudam a entender melhor o porquê de certos comportamentos.

Pois bem, foi com esses pequenos bichinhos que um dos grandes nomes da teoria comportamental, B. F Skinner, descobriu o que hoje chamamos de reforçamento. Ao colocar um ratinho em uma caixa de experimentos contendo uma barra que libera comida ou água quando pressionada, é possível fazer com que, através de reforços, o animalzinho aprenda a pressionar a barra para obter o que deseja. E o mais interessante é que esse mesmo comportamento, se não reforçado, pode também ser extinguido. Ou seja, essa descoberta nos faz entender que o comportamento de um animal humano ou não-humano é totalmente condicionável. Qualquer ser humano saudável é capaz de aprender a se comportar de maneira aceitável e a eliminar comportamentos prejudiciais através do método de reforçamento. Reforços positivos para comportamentos desejáveis e atenção máxima com reforços para comportamentos inadequados.

É muito importante que, durante o desenvolvimento da criança, período em que a área racional de seu cérebro ainda está em desenvolvimento, os pais (ou cuidadores) assumam as rédeas da situação, fazendo a vez da razão enquanto seus filhos estão totalmente tomados pela emoção. Especialistas recomendam que os pais traduzam para os pequenos aquilo que estão sentindo e nomeiem seus sentimentos: “Eu sei que ficou chateado por não ter sido convidado…” ou “Entendo que esteja com raiva por não poder levar esse brinquedo para casa.”, por exemplo. O neuropediatra Mauro Muzkat, da Unifesp, alerta que o estado emocional dos pais tem grande impacto sobre o comportamento dos filhos e o nível de excitação da criança. “Graças aos neurônios-espelho, as crianças reproduzem desde as expressões até as sensações dos pais”, diz ele. “Se a criança está tensa, os pais não devem entrar no mesmo circuito reativo. Isso só vai pôr mais lenha na fogueira”, afirma. (Vieira,2016)

Em outras palavras, quando seu filho entrar num acesso de raiva, a melhor coisa a fazer é manter a calma e a firmeza. Nada de gritaria, ameaças e argumentações. Até os quatro anos de nada adianta grandes explicações e negociações. Nessa fase a percepção de tempo é inexistente, por isso o prometer para depois não traz nenhum resultado. Neste caso a melhor saída é a distração. Mostre outra coisa interessante ou chame-o para participar de uma corrida. Mas nada de oferecer um prêmio para que pare de chorar. Não esqueça dos ratinhos! Se oferecer um sorvete a uma criança para que ela pare de chorar por conta de um brinquedo, estará reforçando um comportamento negativo. A mesma coisa se atender ao pedido dele durante uma crise de mau-comportamento: “Tá bem meu filho, vou comprar, mas só dessa vez. Agora levante e pare de chorar!”. Quer maior reforçador do que esse? Em outras palavras está dizendo à ele: “Parabéns pelo show que acabou de dar, venha, receba seu prêmio!”

E assim como o comportamento é reforçado quando premiado, pode se extinguir se não receber o reforçamento (ou se receber uma punição): “Meu filho, não vou te atender enquanto estiver se comportando dessa maneira. Podemos conversar assim que se acalmar. Aqui em casa resolvemos conflitos conversando e não gritando, esperneando ou fazendo birra.” Faça disso um hábito (associado a reforços positivos em caso de bom comportamento) e em pouco tempo verá a birra desaparecer.

A criança é capaz de aprender através do método do reforçamento que o “não”, a perda, a frustração, o “outro vencedor”, o “não ser convidado”, o “não ter tudo o que os outros tem” não é motivo pra surto, apenas encontro com a vida real. A vida em sociedade é feita de indivíduos e suas relações e, se o anseio é de uma sociedade mais equilibrada, então estamos falando de relações sadias e de indivíduos emocionalmente estáveis, concordam? Criança aprende dentro de casa a forma de se relacionar lá fora. Se gritos, ofensas, chutes, desrespeito e comportamentos inadequados são tolerado e reforçados nos relacionamentos mais próximos, a micro sociedade, a criança certamente replicará lá fora, na macro sociedade. O pequeno que não aprende a controlar seu comportamento diante das emoções, vai crescer e se tornar o adulto que grita com o funcionário, que agride verbalmente quando recebe um “não”, que aponta o dedo na cara, intimida o outro para se sentir melhor e recorre ao “mimimi” quando fica chateado. Ou seja, o adulto que permite que a emoção controle a razão.

Está nas mãos dos pais a responsabilidade de ensinar às suas crias a maneira saudável de lidar com suas emoções. E vale lembrar que o nosso exemplo fala muito mais do que qualquer sermão bem dado (muito mais!). Observe em primeiro lugar como você, responsável, tem lidado com os conflitos, nãos e frustrações da vida. Gritos? Ironias? Violência verbal? Desrespeito? Maledicência? Um pedacinho do sucesso de toda uma sociedade depende de você e a possibilidade de agir está aí, dentro da sua casa.

Referências:

Moreira, B. M. Medeiros, C. A. Aprendizagem pelas consequências: o reforço. Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007, p.50.

Moreira, B. M. Medeiros, C. A. Atividades de laboratório. Princípios Básicos de Análise do  Comportamento, Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 166.

VIEIRA, V., Super Interessante. [ON-Line]. 31 de outubro de 2016. Disponível: http://super.abril.com.br/comportamento/a-ciencia-contra-a-birra/. Recuperado em 06 de março de 2017.