A história da criação, início e separação dos dias (4)

IV. O dia criativo.

1. Os sistemas e os dias

Separando-se os textos que enfatizam – citando repetidamente, as menções tarde e manhã, dos demais textos – que não enfatizam estes segmentos, verifica-se que no primeiro grupo estão as narrativas que tratam do tema proximidade e favor de Deus e, no segundo as que tratam do tema afastamento e desfavor. Os dois temas serão desenvolvidos, alternadamente, em três cenários sucessivos: paraíso, exílio do paraíso e libertação. Examinando-se os contextos dos três cenários, verifica-se que o pecado – aferido pela ordem de obediência no paraíso, e a Lei – aferindo os demais pecados, desempenham papel determinante nas narrativas. Tomados, pois, como elementos de referência, o pecado e a lei se estruturam de tal maneira que permitem vislumbrar três sistemas coordenados (SC), fundamentando e orientando as descrições em cada cenário: o paraíso no SC Criação, o exílio do paraíso no SC Decriação, e a libertação no SC Instrução.

No SC criação – anterior ao pecado e isento de pecados, se apresenta o andamento construtor que caracteriza a obra da criação. No SC Decriação – posterior ao pecado e gerador dos demais pecados, se apresentam as ocorrências que vieram ao mundo a partir da instalação da morte. E, por último, no SC Instrução – também posterior ao pecado, se apresenta a Lei, que informa sobre o pecado, afere os demais pecados e, sinaliza – com a morte substitutiva de animais, a que custo se obtém a isenção de pecados. De acordo com esta divisão, portanto, as ações se desenvolverão conforme as características de cada sistema, de maneira que cada conteúdo se aplica – ou se justifica, apenas, dentro do sistema que lhe é respectivo. Assim, chegamos às descrições dos dias que, como “peças” de cada sistema, deverão ser distinguidos juntamente com o sistema ao qual se referem. O que teremos que ver, portanto, nesta sessão, é de que forma as descrições indicam a separação dos dias, estudando, por último, a ordenação dos dias na primeira semana.

Antes de chegarmos, porem, no interior de cada unidade que se chama “dia”- nos três sistemas, é preciso considerar que, apesar de serem os dias diferentes, eles se “avizinham” um com o outro – como foi na sucessão do SC Criação para o SC Decriação ou na existência contemporânea do SC Decriação com o SC Instrução.

Esta transição e proximidade entre os sistemas, mais o fato de que todos os tipos de dia são compostos pelos mesmos segmentos (dia e noite, tarde e manhã), provavelmente respondem pela indistinção aparente que se verifica na leitura dos dias – já que todos os segmentos se apresentam com os mesmos nomes – nos três sistemas, apesar das diferenças que precisam ter – de acordo com cada sistema. Por isso, vimos para cada um dos segmentos do dia conceitos que, além de respeitarem as distinções de cada sistema, possam garantir que seus significados alcancem todos os sistemas.

Assim, os crepúsculos serão referidos, simplesmente, como a luz que ocorre no firmamento sem a presença do sol. O termo dia será entendido como a expressão de determinado curso de tempo que encerra duas condições sucessivas, opostas e simétricas: o dia de calendário, que reúne, em um só conjunto, claridade e escuridão, será referido como dia dual; e o período de claridade, por sua vez, será referido como dia diamétrico. E em se tratando do tempo, incorpora o aprendizado da relatividade, admitindo-se que o tempo pode correr de maneiras diferentes[1]. Podemos, então, seguir adiante no estudo dos dias, verificando de que maneira se iniciam, como cada um deles será reconhecido, e como se constituem – na seqüência de seus segmentos, conforme o sistema ao qual se referem.

2. Cada sistema tem seu dia

O estudo propõe que os sistemas Criação (Ø-), Decriação (+) e Instrução (-) terão, cada um deles, dias que lhe serão próprios e exclusivos; assim, o dia comum refere-se ao SC Decriação, o dia cúltico ao SC Instrução e o dia criativo ao SC Criação.

De acordo com cada sistema, os dias serão distinguidos pelo reconhecimento diferenciado de seus principais segmentos (claro e escuro, crepúsculos, metade da manhã e metade da tarde). Conforme for o dia descrito, se terá mudanças na ordem de ocorrência, extensão ou importância destes segmentos.

No dia comum, a dualidade do par claro-escuro é reconhecida na seqüência DIA-NOITE[2]; e a claridade do dia diamétrico – que se inicia no crepúsculo da manhã, termina no final do crepúsculo da tarde, depois de se estender pelas metades da manhã e da tarde[3].

No dia cúltico se inverte a ordenação do par claro-escuro, que muda para a dualidade NOITE-DIA[4]: a NOITE, como primeiro segmento do dia dual, tem início mais cedo – no crepúsculo do pôr-do-sol do dia diamétrico anterior, e o DIA, que começa no crepúsculo da manhã seguinte, termina mais cedo, no início do crepúsculo da tarde[5] – depois de avançar pelos segmentos da manhã e da tarde, do dia diamétrico seguinte.

No dia criativo o aparecimento da luz – que se chamou DIA, vinda depois das trevas – chamadas NOITE, completa o primeiro par dual NOITE-DIA[6]; e toda a extensão da claridade, existente no dia diamétrico, tem apenas dois nomes: o segmento tarde, com luz crescente na primeira metade do dia, e o segmento manhã, com luz decrescente na segunda metade do dia[7].

3. Duas espécies de tempo e três tipos de dia

Nessa estrutura de referências, o primeiro pecado parece separar duas espécies de tempo: antes dele, na primeira semana e no paraíso, o tempo instituído se desenvolve sem a morte – num contexto de leis naturais não conhecidas, estendendo a claridade do dia diamétrico da tarde à manhã. A partir do primeiro pecado – e como decorrência dele, o tempo comum evolui com a morte – sob leis naturais conhecidas, desenhando o dia diamétrico da manhã até à tarde.

Os demais pecados indicam separar dois tipos de dia, ambos no tempo comum: o dia comum na seqüência dual DIA-NOITE e o dia cúltico na sequência dual NOITE-DIA.

Entretanto, além dessa precedência da NOITE sobre o DIA, o dia cúltico mostra, ainda, outra distinção em relação ao dia comum: como no dia criativo enfatiza, com repetições, os segmentos da tarde e da manhã.

Tanto o dia criativo – isento de pecado, como o dia cúltico – nas condições de isenção de pecados, valorizam a repetição dos segmentos tarde e manhã. Entretanto, embora o dia cúltico possa ser comparado ao dia criativo – nesse aspecto, difere dele em outros.

No dia criativo, a extremidade da tarde inicia a claridade do dia diamétrico[8], que se estende até o meio do dia – quando termina o segmento tarde; e a extremidade da manhã encerra a segunda metade do dia – que foi iniciada manhã no meio do dia; ou seja, no dia criativo, os extremos da tarde e da manhã “emolduram” a luz do dia diamétrico. No dia cúltico, o que a extremidade da tarde inicia é uma noite[9], que se estende até o crepúsculo da manhã; e, assim, no dia cúltico, é a noite que se torna “emoldurada” pelos extremos crepusculares da tarde e da manhã.

Na transição do dia comum para o dia cúltico convenciona-se que o início de um dia de calendário passa a ocorrer no crepúsculo da tarde, mantendo-se o curso de tempo a que estamos habituados – na percepção comum ou intuitiva. Com este procedimento, as descrições adotam três inversões a fim de iniciar o dia cúltico, separando-o do dia comum. Inverte-se o início do dia dual – ou a unidade de calendário, que deixa de ser no nascer-do-sol e passa para o pôr-do-sol; inverte-se a posição da noite – que deixa de ser posterior à claridade e passa a anteceder a claridade; e inverte-se, ainda, a citação da tarde – que passa a ter precedência nas descrições, sendo referida antes da manhã.

Na transição que distingue o dia cúltico do dia criativo, as descrições mostrarão, ainda, outra espécie de inversão, que não consegue ser explicada pela noção intuitiva do tempo – sendo possível, entretanto, a partir da compreensão apresentada pela relatividade – como se verá a seguir, na composição do dia criativo.

4. A inversão da noite e da tarde

Com a adoção do princípio da relatividade, utilizado primeiramente como método na interpretação e classificação dos textos – de Gênesis a Deuteronômio, foi possível identificar como o pecado e a Lei se estruturam na formação de três sistemas, servindo de referência para a descrição dos dias. Resta-nos ver, agora, a segunda aplicação da teoria da relatividade: de que maneira o conhecimento físico do tempo permite identificar determinada ordenação para o dia criativo – o que não se conseguiria imaginar sem a flexibilidade na interpretação do tempo.

Se na separação do dia comum para o dia cúltico as descrições convencionam a mudança na maneira de se contar os dias (invertendo-se o marco de início – do nascer para o pôr-do-sol; invertendo-se a posição da noite – que é colocada antes do dia; e, também, invertendo-se a citação da tarde – que é descrita antes da manhã), na descrição do dia criativo o expediente da inversão é ampliado e, para a primeira semana, não são apenas os componentes do dia que são invertidos, mas sim, o próprio tempo!

Tal qual o dia cúltico, o dia criativo terá a noite como o primeiro segmento do dia dual, precedendo a claridade. Mas as semelhanças param aí. A tarde no dia cúltico, ainda que apareça nas descrições antes da manhã é, na verdade, seguida pela noite – que se interpõe entre o final da tarde e o início da manhã. No dia criativo, entretanto, a tarde, que aparece antes da manhã, não é seguida pela noite – mas pela manhã; e a manhã, por sua vez, é que será seguida pela noite. A descrição dos dias da primeira semana, portanto, ao apresentar a inversão dos segmentos da claridade, supera as medidas que se conseguem por convenção (que permitem mudar o marco de início na contagem dos dias), sinalizando com a inversão no passar do tempo.

5. A composição do dia criativo

Iniciada pela extremidade da tarde (do dia diamétrico anterior) e finalizada pela extremidade inicial da manhã (do dia diamétrico seguinte), a noite, no dia cúltico, se coloca entre uma metade tarde e uma metade manhã (no curso habitual do tempo que conhecemos: tarde-NOITE-manhã). Entretanto, no dia criativo, começando desde o primeiro dia, a noite não cabe entre as metades tarde e a manhã, sinalizando um curso de tempo completamente diverso, já que a tarde, invertida, aparece antes da manhã: NOITE-tardemanhã[10] .

A composição dual NOITE-DIA, e diamétrica tardemanhã, para o dia criativo, na seqüência NOITE-tardemanhã, pode ser atestada pelas seguintes evidências, entre outras.

O versículo 2 revela que as trevas – chamadas NOITE no versículo 5, existiram antes da luz – que, também no versículo 5, fora chamada DIA; portanto, a NOITE do primeiro dia dual ocorreu antes da luz do primeiro dia diamétrico.

Não sendo desta maneira, a NOITE do primeiro dia dual teria que ser entendida entre a tarde e a manhã do versículo 5, o que traria algumas situações anômalas. Por exemplo:

a) vinda depois da primeira tarde, essa NOITE, ao suceder o primeiro aparecimento da luz, seria, na verdade, a segunda NOITE (porque a primeira NOITE, as trevas do versículo 2, aconteceu antes do primeiro aparecimento da luz), e, por isso, como segunda NOITE, deve pertencer ao segundo dia dual;

b) se essa noite for, então, do segundo dia dual, o primeiro dia diamétrico ficaria sem manhã, já que a manhã relatada no versículo 5 – vinda depois da segunda NOITE, teria que ser do segundo dia dual;

c) se a manhã do versículo 5 for do segundo dia dual, só se conseguiria ter o primeiro dia diamétrico, completo, com a tarde relatada no versículo 8!

d) ou seja, nesse raciocínio, o dizer Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia, não significa coisa alguma, pois o primeiro dia, então “amputado” da metade manhã, não qualificaria o dia-luz que se quer informar; ou, pior ainda, tendo esta manhã que ser completada pela tarde do segundo dia, a fim de compor a primeira existência completa da luz – que se chamou dia, o primeiro dia nem sequer existiu, já que, de fato, o primeiro dia só viria no segundo dia (o que é descrito no versículo 8).

Admitindo-se, portanto, os dias como mostradores e marcadores do tempo, pode-se afirmar que o dia criativo, desta maneira “invertido”, vem sinalizar um tempo igualmente “invertido”, quando comparado aos dias e tempo que nossos sentidos reconhecem.

Com os recursos da relatividade, é possível reconhecer que o tempo na primeira semana, apesar de “invertido”, não “correu para traz”[11] . Desde o princípio, os dias e o tempo seguem adiante – tal como seguem agora; contudo, depois do primeiro pecado, o tempo passa a mostrar um contexto adverso de forças que, provavelmente, não existia no cenário inicial da criação. A descrição do dia criativo parece indicar, portanto, que o perfil do tempo nos primeiros seis dias era outro – diverso do que hoje conhecemos.

Conclusão

A noção comum do tempo não consegue explicar, com nitidez, a descrição dos dias na primeira semana. Apresentando uma ordem física diferenciada, a redação de Gênesis Um sugere compartilhar da mesma orientação descritiva utilizada, posteriormente, pela teoria da relatividade. Re-conhecendo, portanto, os dias, à luz deste método, a história da Criação ganha clareza e deixa entender melhor a realidade que precedeu o pecado.

Notas:

[1] Igor Novikov, Os Buracos Negros e o Universo, pp. 20 e 21.

[2] Gênesis 7,12: A chuva caiu sobre a terra durante quarenta dias e quarenta noites.

Deuteronômio 9,25: (…) E fiquei prostrado durante quarenta dias e quarenta noites (…).

[3] Gênesis 49,27: Benjamin é um lobo voraz, de manhã devora uma presa, até à tarde reparte o despojo.

Êxodo 18,13: (…) e o povo estava em pé diante de Moisés desde a manhã até o pôr-do-sol.

[4] Êxodo 23,18: (…) nem ficará gordura da minha festa durante a noite até o dia seguinte.

Deuteronômio 1,33: (…) de noite por meio do fogo (…) e de dia na nuvem.

[5] Êxodo 12,18: No primeiro mês, no dia catorze do mês, à tarde, comereis os ázimos até à tarde do dia vinte e um do mesmo mês.

Levítico 23,32: Será para vós um dia de repouso completo: (…) desde essa tarde até à tarde seguinte, cessareis completamente o trabalho.

[6] Gênesis 1,1-5: (…) e as trevas cobriam o abismo (…). Deus disse: “Haja Luz” e houve luz (…) e Deus separou a luz e as trevas. Deus chamou à luz “dia” e às trevas “noite”. Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia.

[7] Sobre os termos originais ‘èrèb e bõqèr, habitualmente entendidos como “crepúsculo da tarde” e “crepúsculo da manhã”, é preciso dizer ainda que um dia-luz só será completo se for composto de duas metades: uma metade – primeira, de luz crescente; e uma metade – segunda, de luz decrescente; a primeira metade começa no surgimento da luz e termina no meio do dia, e a segunda, começa no meio do dia e termina no desaparecimento da luz. No princípio dos dias, a luz só poderia ser chamada dia, se fosse apresentada, também – e principalmente ela, em duas metades. Assim, na primeira semana, ‘èrèb e bõqèr, parecem indicar cada uma dessas duas metades – sendo esta característica, como vimos, mais importante no reconhecimento do dia-luz que o aspecto duração – que, de fato, não parece ser valorizado pela narrativa.

Se realmente for assim, o que quer dizer, então, as expressões crepúsculo da tarde e crepúsculo da manhã? Seria uma referência a cada um dos crepúsculos, que ocorrem nos extremos das metades tarde e manhã – como parte de um todo? Ou, de outra forma, seriam os termos tarde e manhã, a inteireza dos períodos de luz crepuscular – significando o todo, e não apenas uma parte? O dicionário indica que os dois significados, a parte e o todo, se aplicam igualmente às expressões tarde e manhã – como se reproduz a seguir: Manhã, entre outros significados: Tempo que vai do nascer do sol ao meio-dia de manhã; e A alvorada, o amanhecer, o alvorecer (…); Tarde: (…) Perto da noite; e, tempo entre o meio-dia e a noite (Novo dicionário da língua portuguesa, pp. 879, 1355).

[8] Esta tarde com luz crescente, que nos é estranha, talvez encontre paralelo na citação de Zacarias 14,7: Haverá um único dia – Iahweh o conhece -, sem dia e sem noite, mas à tarde haverá luz.

[9] Levítico 23,5: No primeiro mês, no décimo quarto dia do mês, ao crepúsculo, é Páscoa para Iahweh (…).

Números 9,15: (…) Desde o entardecer ata à manhã, repousava sobre a Habitação com o aspecto de fogo.

[10] Na primeira aplicação da teoria da relatividade, se separa o dia cúltico do dia comum, através da inversão no marco de início dos dias – que é transferido do nascer para o pôr-do-sol, mantendo-se, contudo, o mesmo curso de tempo que vinha anteriormente – que se associa, também com o dia comum. Na segunda aplicação da teoria de relatividade, o autor distingue o dia criativo – e o separa do dia cúltico, levando o procedimento de inversão até o tempo. Comparando-se, novamente, a descrição dos dias, com os níveis de santidade do Santuário, a primeira separação – que distingue o dia comum do dia cúltico, se equipara com o nível de santidade inferior – no acesso à primeira tenda; a segunda separação – que irá distinguir o dia cúltico do dia criativo, se equipara ao nível de santidade superior – requerido para o acesso à segunda tenda – no Santo dos Santos. No primeiro caso, sinaliza-se com uma mudança de calendário; no segundo, sinaliza-se com a mudança no perfil do tempo.

[11] Finalmente, a figura de dois trens que seguem lado a lado em velocidades diferentes (A evolução da física, p. 131 e seguintes), pode indicar, mais uma vez, a dimensão do auxílio que se pode ter com a utilização da teoria da relatividade no estudo de Gênesis Um. Imaginemos um trem que siga, sempre adiante, a uma velocidade constante de 40 km/hora; imaginemos ainda, que este trem seja composto por uma locomotiva que puxe um comboio longo, repetindo três tipos diferentes de vagões, chamados manhã, tarde e noite, de maneira que o primeiro vagão – o que se junta à locomotiva, seja o vagão manhã e o último vagão – depois de várias seqüências manhã-tarde-noite-manhã-tarde-noite, seja o vagão chamado noite. Se estivermos, então, em outro trem – que viaja a 60 km/hora, ultrapassando o primeiro, a seqüência de vagões que veremos pela nossa janela, durante a ultrapassagem será – do último para o primeiro vagão, noite-tarde-manhã, noite-tarde-manhã, noite-tarde-manhã. Se, contudo, durante a ultrapassagem, nosso segundo trem sofre uma avaria mecânica, diminuindo sua velocidade para 30 Km/hora, a seqüência de vagões que veremos se inverterá, já que o primeiro trem, agora, estará mais rápido, de maneira que o passar dos vagões mudará para manhã-tarde-noite, manhã-tarde-noite, manhã-tarde-noite. Na visão que tivemos – de inversão na seqüência, não ocorreu que o nosso segundo trem tenha “voltado para traz”; pelo contrário, ele continuou viajando adiante, ainda que parecesse, de fato, estar “voltando”. Referindo-se à trajetória da criação, não se dirá que existiram nela dois trens – mas apenas um: este em que agora viajamos. O que o texto da primeira semana parece mostrar-nos, com sua “estranheza”, é que, no passado, o andamento construtor do mundo produziu um cenário natural bem diverso deste que, hoje, nos é familiar sob a morte; um mundo que não tinha, antes da “avaria” do paraíso, a escravidão da corrupção, descrita em Romanos 8, 22.

por Jorge Luiz Sperandio