Quem poderia imaginar? Uma produção totalmente rodada na Índia, sem nenhum ator conhecido do grande público, ser indicada a dez prêmios Oscar e faturar (até agora) quase US$ 80 milhões? Esta é a história por trás do filme Quem Quer ser um Milionário?, co-produção anglo-americana dirigida pelo inglês Danny Boyle em parceria com a estreante indiana Loveleen Tandam.
Quais poderiam ser as possíveis explicações para este sucesso? Em primeiro lugar, o roteiro. A partir do livro Q&A, de Vikas Swarup, o roteirista inglês Simon Beaufoy (o mesmo do premiadíssimo Ou Tudo ou Nada) desenvolve uma história nada menos que empolgante.
A história gira em torno de um famoso programa de TV no qual foi baseado o tupiniquim Show do Milhão apresentado pelo ícone brasileiro Silvio Santos. Calma, o Silvio Santos não aparece no filme. Só estou dizendo que o show “Quem quer ser um milionáio?” ou “Who wants to be a milionaire?” é um programa parecido com o show do milhão e é nele que o protagonista Jamal (Dev Patel) tenta conquistar alguns milhões de rúpias (a moeda indiana). O grande paradoxo disso tudo é que a Índia sofre atualmente uma crise religiosa, já que o país vem enriquecendo com a indústria de informática, mas sua milenar estruturação religiosa-social exige castas imutáveis, onde pobre morrerá pobre e rico morrerá rico, sem mobilidade, o que fez nascer uma espécie de classe média “culpada” por ter conquistado uma posição melhor na vida. Neste panorama, o favelado Jamal se tornar um milionário é praticamente uma heresia, um insulto. O título original do filme denuncia isso com mais força ainda: “Slumdog Milionaire” poderia ser traduzido por algo como “Favelado Milionário”.
O filme começa a se desenhar com mais consistência na medida em que um delegado, ao tomar o depoimento de Jamal, exige dele explicações para cada uma das respostas certas dadas ao show da TV. E Jamal vai aos poucos justificando cada uma delas por meio de passagens marcantes de sua vida. E que vida! Miséria, traições, intolerância religiosa, paixão, exploração infantil, fugas espetaculares, tragédia, envolvimento com o crime… Parece que não há nada que o rapaz – ainda com parcos 18 anos de idade – ainda não tenha vivenciado na própria pele. Tantos episódios mirabolantes juntos inevitavelmente acabam por encaminhar o filme para um estilo melodramático. É assim mesmo. Tanto que na cena final (o espectador verá) o diretor Boyle escancara sua homenagem à estética bollywoodiana (sim, é esse o nome da indústria de filmes indianos) de fazer cinema. Com direito a um desfecho eletrizante.
Puro entretenimento (ação + crime + romance) revestido com subtextos de crítica social. Não há muito o que entender e isso não poderia dar mais certo: “Quem Quer Ser um Milionário?” agrada ao fã do cinema comercial, ao mesmo tempo em que satisfaz público ávido por leituras mais sofisticadas.
Danny Boyle detesta que falem do assunto, mas é inegável a influência de Fernando Meireles e o nosso Cidade de Deus nas cenas de favela e na relação dos irmãos de “Quem Quer Ser um Milionário?”.