SEUL, Coréia do Sul — Depois de duas décadas vendo um grande número de pacientes chorando muitas lágrimas, já bastava para o obstetra Shim Sang-duk, que jurou que nunca mais realizaria abortos, um negócio financeiramente lucrativo na Coréia do Sul, noticiou o jornal Los Angeles Times. Mas recusar realizar abortos num país apelidado de “República do Aborto” carrega um preço excessivo para este médico: Shim tem de viver com ameaças de morte de mulheres que buscam aborto e não são atendidas. Ele também tem de viver sabendo que a perda de lucros provenientes de abortos poderá levar ao encerramento de suas atividades médicas.
Apesar disso, Shim continua fiel à sua decisão e está liderando um movimento de obstetras e ginecologistas para acabar com a prática do aborto na Coréia, transformando a profissão médica e incentivando o governo a impor uma antiga proibição ao aborto que é rotineiramente ignorada desde a década de 1970.
“Com o tempo, parei de sentir emoções”, Shim disse para o Los Angeles Times. “Vim a ver os resultados do meu trabalho exatamente como um pedaço de sangue. Durante a operação, eu sentia da mesma forma como se estivesse tratando cicatrizes e curando doenças”.
Shim atribuiu sua própria mentalidade pró-aborto em parte à antiga política de controle populacional da República da Coréia que durante décadas incentivava a profissão médica a fornecer aborto e contracepção às mulheres coreanas por motivos patrióticos.
“Eu apoiava o argumento do governo de que era certo fazer isso”, continuou Shim. “Era bom para o país. Estimulava a economia”.
O governo agora abandonou essa política, e está freneticamente agindo em direção oposta para salvar a nação de uma implosão demográfica provocada pelos próprios coreanos. Essa implosão ameaça minar a sobrevivência econômica e social da nação.
Contudo, a própria conversão de Shim na questão do aborto ocorreu porque ele observava a conduta das mulheres que haviam feito aborto. Ele notou que a maioria dessas pacientes chorava depois do aborto, mas as lágrimas o perturbavam porque elas eram bem diferentes das lágrimas das mães que haviam dado a luz. “Esse era um tipo diferente de lágrimas”, disse ele.
Shim realizou seu último aborto a pedido de uma paciente antiga que lhe implorou que matasse seu bebê em gestação, muito embora ele já tivesse parado de realizar abortos. Depois de dar a ela aconselhamento extensivo, Shim cedeu, mas a mulher chorou como as outras mulheres, vistas por ele, que haviam feito aborto propositado, e essa foi a última vez que ele quebrou sua regra.
As pacientes que entram no salão de entrada da clínica de Shim podem ler um quadro que explica sua nova perspectiva pró-vida e sua posição na questão do aborto. “Os abortos, que rejeitam a valiosa vida de um feto, são a própria desgraça para o país e para a sociedade, bem como para as mulheres grávidas, famílias e médicos pediatras e ginecologistas”.
O aborto é um negócio lucrativo para os obstetras da Coréia do Sul. Considerando a taxa de natalidade excessivamente baixa (1.09) e a mentalidade de aborto do país, a prática se torna quase necessária do ponto de vista financeiro para os mais de 4.000 médicos pediatras e ginecologistas, pois aproximadamente de 43 por cento a três quartos das gravidezes acabam em abortos propositados, não nascimentos.
O Ministério da Saúde dá as estatísticas oficiais para o aborto em 350.000 bebês abortados por ano, enquanto os partos chegam a 450.000 bebês por ano. Contudo, um exame da Assembléia Nacional revelou em outubro que o número de abortos na Coréia pode ser muito mais elevado: 1.5 milhão por ano.
Aliás, mais de um terço das clínicas de obstetrícia e ginecologia são projetadas para realizar abortos. A Associação Coreana de Obstetrícia e Ginecologia calcula que 60 por cento das clínicas de obstetrícia e ginecologia têm o equipamento para lidar com partos, enquanto o número de clínicas de obstetrícia e ginecologia em funcionamento continua a diminuir sem parar com mais de 200 clínicas tendo fechado suas portas entre 2005 e 2008.
A clínica de obstetrícia e ginecologia de Shim fazia um quarto de seus lucros da realização de abortos, e agora que ele parou de realizá-los, ele diz que muitas pacientes pararam de se consultar com ele — tantas que ele poderá também ter de fechar seu negócio. Algumas fizeram ameaças contra sua vida pelo fato de que ele recusou fazer um aborto nelas.
Apesar disso, Shim disse para o Times que sem aborto, ele se sente como “um jovem médico de novo”.
A fim de lutar contra o aborto tanto nas leis quanto na cultura, Shim fundou uma associação chamada Associação Coreana de Médicos Ginecologistas, que está incentivando outros médicos a abandonarem a prática de abortos e está exortando o cumprimento rigoroso da lei de aborto, com penas para os médicos que violam a lei.
Aproximadamente, 700 médicos deram seu apoio à nova organização, embora Shim tenha dito ao Times que até agora só 30 médicos concordaram em abandonar suas atividades de aborto.
Mesmo assim, a organização tem um site, que destaca as clínicas que não realizam abortos, e recentemente enviou panfletos informativos para 3.400 médicos coreanos lembrando-lhes que a criança em gestação ou “feto” tem o “direito de viver”.
Os esforços de Shim se juntam aos esforços oficiais do governo, que está finalmente aceitando as conseqüências de suas campanhas míopes de controle de população. Na semana passada, o Conselho Presidencial para o Futuro e Visão anunciou um projeto “Aumente o Número de Coreanos”, que dá privilégios e subsídios econômicos para mulheres que têm mais de dois filhos, e considera impor com um grau maior a lei que proíbe quase que totalmente os abortos, a fim de aumentar a taxa de natalidade da Coréia.
“Temos visto uma sociedade que promovia o aborto”, Kwak Seung-jun, líder do Conselho Presidencial, disse para os jornalistas na semana passada. “Há poucas pessoas que percebem que o aborto é ilegal. Temos de trabalhar para criar uma disposição onde o aborto seja desestimulado”.
Traduzido por Julio Severo