Atraso dos EUA no envio de alimentos aprofunda fome na Somália, diz ONU

Funcionários da ONU (Organização das Nações Unidas) disseram na última sexta-feira (6) que o fornecimento de ajuda alimentar crítica à Somália foi interrompido e que as rações para as pessoas famintas tiveram que ser cortadas, em parte devido ao governo norte-americano ter atrasado as contribuições de alimentos por temer serem desviadas aos terroristas.

No mês passado, as autoridades americanas disseram que suspenderiam milhões de dólares em ajuda alimentar, por preocupação de que as empresas somalis que trabalham para a ONU estavam desviando alimentos e dinheiro para o Shabab, o grupo islâmico insurgente com crescentes laços com a Al Qaeda.

As autoridades americanas minimizaram o impacto dos atrasos e disseram que as remessas de alimentos seriam retomadas em breve, assim que o governo americano for assegurado de que a ONU está fazendo mais para policiar a distribuição da ajuda.

Mas na sexta-feira, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) disse: “a linha de suprimento de alimentos para a Somália foi quebrada”.

Funcionários da ONU disseram que cerca de 18 mil toneladas de alimentos doados pelos americanos estão retidos em depósitos em Mombaça, no vizinho Quênia, porque as autoridades americanas não estavam permitindo aos trabalhadores de ajuda humanitária os distribuírem até novas regulamentações mais rígidas serem elaboradas.

Os funcionários da ONU disseram que o governo americano está insistindo em garantias que não são realistas na Somália, como exigir que os transportadores de ajuda não paguem pedágio nos bloqueios de estrada, que são ubíquos e virtualmente inevitáveis em um país amplamente considerado um caso de estudo em caos.

As autoridades de ajuda americanas se recusaram a comentar o assunto nessa sexta-feira.

Nas regiões atingidas pela seca no centro da Somália, onde comunidades inteiras estão à beira da fome, os anciãos disseram que muitas crianças que estavam sobrevivendo das doações americanas agora estão morrendo de fome.

“Nós somos totalmente dependentes deste alimento e as pessoas agora estão sofrendo”, disse Ahmed Mahamoud Hassan, o presidente do comitê da seca em Galcaio, na região central da Somália. “Nós não temos nada mais para comer.”

A Somália é um dos países mais necessitados do mundo -e um dos ambientes mais complexos para entrega de ajuda. Desde que o governo central implodiu em 1991, este país seco tem se arrastado de uma crise a outra, a mais recente sendo uma terrível guerra civil entre um governo fraco e uma insurreição de extremistas islâmicos durante uma das piores secas em anos.

Os Estados Unidos tiveram um enorme papel no salvamento de vidas, fornecendo cerca de 40% dos US$ 850 milhões em ajuda anual para a Somália. Mas essa ajuda costuma ser apenas levemente monitorada assim que entra no país, devido aos riscos de trabalhar na Somália e o fato de grande parte do país ser uma zona fechada para estrangeiros.

Há meses os funcionários da ONU estão negociando com seus pares americanos, tentando chegar a um acordo nas novas regras que assegurariam, o máximo possível, que o alimento doado pelos americanos chegue até as pessoas necessitadas e não ao Shabab. No mês passado, as autoridades americanas disseram que estavam legalmente obrigadas a fazer isso, porque o governo americano listou o Shabab como uma organização terrorista, uma designação que significa que ajudar o Shabab é um crime sério.

Há crescente evidência, segundo documentos da ONU, que algumas das empresas contratadas pela organização na Somália estão roubando alimentos e canalizando a receita das vendas ao Shabab e outros grupos militantes. Funcionários da ONU estão investigando algumas de suas principais empresas contratadas.

Os funcionários da ONU disseram que outros países doadores têm se mostrados nervosos em contribuir com ajuda durante essas investigações, outro motivo para a escassez de ajuda na Somália. A recessão global também prejudicou as operações de ajuda ao redor do mundo.

Dito isso, “os Estados Unidos tradicionalmente são os maiores doadores do PMA”, disse Peter Smerdon, um porta-voz do programa, “e outros doadores não têm como compensar a diferença”. Ele alertou que os estoques de comida para a Somália estão encolhendo a cada mês e que, até dezembro, “estarão completamente esgotados”.

Em parte devido ao impasse em torno das novas regras e a interrupção consequente no abastecimento de alimentos, o Programa Mundial de Alimentos da ONU cortou recentemente pela metade as rações de emergência para mais de 1 milhão de somalis deslocados.

Os funcionários da ONU disseram que estão pedindo ao governo americano para que libere pelo menos parte dos alimentos dos depósitos no Quênia, enquanto acertam as novas regras.

Agentes da ONU afirmaram ainda que mesmo se quisessem contornar o governo americano e enviar alimentos de outros países, o que custaria milhões de dólares, seria impossível fazer com que chegassem à Somália a tempo e que os sacos de grãos americanos estocados em Mombaça são a única solução para evitar uma grande fome.

“A urgência da situação foi comunicada”, disse um funcionário da ONU em Nairóbi, que falou sob a condição de anonimato porque as negociações estão em andamento. “Basicamente a Usaid (a agência de ajuda do governo americano) precisa fazer sua parte, de um jeito ou de outro.”