O olhar triste dos índios Marité e Tixumagu da etnia Ikpeng, de uma aldeia do Xingu, no Mato Grosso, denota a desilusão em ter de abandonar os costumes da comunidade para viver na cidade em busca do novo. O motivo da fuga está no colo do casal: os trigêmeos que nasceram este ano e que não foram aceitos pela comunidade por uma tradição cultural que acredita que filhos vindos da mesma gestação podem trazer azar. Para evitar o sacrifício deles, prática comum nesses casos, a família teve de ser forte para quebrar a regra e seguir outro caminho. “Tenho certeza de que eles vão se orgulhar da gente quando crescerem. Tenho orgulho de ter conseguido seguir com essa ideia e não deixá-los morrer”, diz o pai.
O líder indígena Tabata Kuikuro, também da comunidade xinguana, foi tão firme quanto o casal Marité e Tixumagu ao saber que sua esposa deu à luz gêmeos, hoje com dois anos. E não pensou duas vezes: “São meus filhos, como vou deixar alguém fazer mal a eles, deixar matar igual se mata bicho?”
Já o tio de Pautú Kamayurá não teve a mesma sorte ao nascer gêmeo do pai dele. Morreu logo depois do parto por acreditarem ser ele um “amaldiçoado”. Os dramas como o de Marité, Tixumagu, Tabata e Pautú se misturaram a tantos outros e viraram um documentário intitulado Quebrando o silêncio. O material, colhido ao longo de três anos, com depoimentos de comunidades de diversas etnias, é de responsabilidade de uma índia Terena que resolveu pesquisar sobre o infanticídio pelas aldeias por onde andou. Mãe de um bebê de 1 ano e sete meses de nome Tenó, Sandra Terena disse que sempre ouviu falar sobre o assunto quando pequena, mas não acreditava que ainda fosse tão comum em comunidades que já têm contato com os “brancos”.
A jovem diz não querer mudar a concepção cultural e colocar a prática do infanticídio como um crime, mas apenas alertar para a necessidade de uma assistência especial às famílias que não aceitam mais essa crença dentro de suas comunidades. “Constatei que muitas famílias – a maioria jovem -, que estudam e trabalham fora da aldeia, não enxergam mais suas tradições como eram antes, e a pressão da comunidade as obriga a se encaixar numa situação que não tem mais fundamento para elas”, diz Sandra.
Busca de apoio
A riqueza de detalhes contados em 80 horas de fita, três anos de captação e mais dois meses de finalização, rendeu um documentário de 29 minutos e virou um meio para sensibilização e busca de apoio. Na última quarta-feira, Sandra Terena enfrentou 22 horas de viagem até Brasília para mobilizar autoridades do governo e parlamentares. “Quero batalhar por ajuda em todos os lugares”.
Narradora do documentário e fundadora da Ong indígena Sirai-i, Divanet da Silva, casada com um índio há 14 anos, adotou três crianças indígenas, filhas de pais diferentes, que seriam enterradas vivas pelas famílias. “No início, foi complicado levar esse assunto para as famílias, mas aos poucos fui conquistando abertura”.