Riqueza instável

Amigos, concordo com o Papa quando ele concorda com a Bíblia. Ele discursou um dia desses falando aos capitalistas do mundo para aprenderem a lição que a atual crise econômica mundial tem a ensinar: o dinheiro não vale nada. Um dia você tem, no outro pode ficar sem nada. As riquezas terreais são efêmeras. Não se pode confiar nelas.

Certo é que muita gente vai ficar ainda mais rico com este sobe e desce de bolsas de valores e dólares. Quem compra na baixa, espera pacientemente até o momento de vender na alta, com altos lucros. Mas quem não tem este privilégio e depende de crédito, por exemplo, fica a ver navios. E a ver dívidas acumulando e a falência se aproximando. “Estamos preparados para enfrentar a crise”, é o recado dos ministros e presidentes. Se estamos mesmo, só o tempo vai dizer. De calças na mão ficarão as sociedades cujas economias foram calcadas sobre o consumo (mais adequado seria dizer consumismo) que levou as pessoas a se endividarem muito acima da capacidade de pagamento e que agora precisam dar um jeito de se arrumarem de outra forma, para que uma recessão não traga a carestia. Quem sabe um guerrinha “para libertar o povo sofrido e oprimido” de uma terra distante, de preferência onde tiver bastante petróleo.

Lembro-me de quando ainda adolescente ficava de boca aberta com os ricos da cidade. Eles construíam da dia para a noite. Alguns magnatas erguiam prédios de apartamentos como quem constrói castelos de areia na beira da praia. A cidade crescia, os empreendimentos se multiplicavam. Dinheiro faz dinheiro e o dinheiro que o dinheiro faz, faz mais dinheiro. Este era o lema. Mudei de lá, rodei algumas paragens e hoje, quando volto, percebo um fenômeno interessante: o dinheiro até que continua circulando, mas agora nas mãos de outros. Alguns tubarões de outrora hoje mais se assemelham a raquíticos lambaris. E ecoam as palavras definitivas de Jesus “não coloquem sua confiança na instabilidade das riquezas”. Fortunas acabam. Impérios se pulverizam. Sistemas financeiros ruem. Conglomerados econômicos vêm ao chão. Empregos confortáveis são perdidos. Negócios da China vão pelo ralo, até mesmo quando você é o chinês.

O que acaba acontecendo diante deste quadro é o mesmo que acontece diante de um caixão. É só então que a maioria das pessoas pára e se pergunta se vale a pena. Aonde queremos chegar com tanto estresse, tanto corre-corre, tanto curso, tanta especialização, tanto de tanto e do tanto que fazemos sem parar, a ponto de nem mais sabermos exatamente o que tínhamos em mente quando começamos? Temos mesmo condições de garantir o chamado “futuro melhor”? Somos capazes de acrescentar 50 cm à nossa existência? Esta é grande lição da crise.

Mas já se sabe que poucos estarão aptos para aprendê-la e discerni-la. Porque pensar diferente da manada é complicado. Pobre gnu que faz meia-volta enquanto os outros correm desembestados savana a dentro. Contentar-se com o que temos, o cerne da espiritualidade verdadeira, é privilégio de poucos. Achar o equilíbrio entre trabalhar para viver e viver para trabalhar é tarefa complicada. O mais fácil é correr atrás do vento. É viver sempre atrás do que não se sabe o que é. É aceitar com naturalidade a eterna frustração do coração insatisfeito. É acreditar na propaganda que martela o nosso cérebro, que nos faz imaginar “como posso continuar vivendo sem isso?”, “como posso aceitar ficar sem aquilo?”, “claro que eu mereço esse mimo!”.

E assim, vamos levando a vida. De segunda à sexta, nos matando de trabalhar. De sábado e domingo estirados sobre o sofá, mortos de cansaço, ou tentando aliviar as tensões no entretenimento preferido, porque ninguém é de ferro. Os melhores anos da nossa existência, nossa energia mais concentrada, nossa capacidade produtiva, toda canalizada para a construção do conforto e bem-estar.

Está aí, batendo na nossa porta, a degringolada da Economia para nos perguntar:

Vale a pena?