Ex-rebelde liberiano admite ter comido corações de crianças

O ex-rebelde liberiano Milton Blahyi, comandante durante a guerra civil na Libéria, admitiu à BBC ter participado de sacrifícios humanos como parte das cerimônias tradicionais para garantir a vitória nas batalhas.

Blahyi, que hoje é um pastor evangelista, afirmou que comer corações de crianças era um dos rituais.

“Os sacrifícios incluíam a morte de crianças inocentes, para arrancar os seus corações, que eram divididos em pedaços para nós comermos”, disse.

Vários sacrifícios humanos aconteceram durante os conflitos entre 1979 e 1993, mas esta é a primeira vez que alguém admite a prática em público.

Em entrevista à BBC depois de confessar à Comissão para Verdade e Liberação da Libéria que seu grupo foi responsável pela morte de 20 mil pessoas, Blahyi disse que espera que a confissão ajude a curar as feridas de seu país.

“Eu andava procurando uma oportunidade para contar a verdadeira história da minha vida; e todas as vezes que eu a conto, eu me sinto aliviado”, afirmou.

Perdão

Blahyi disse à BBC que foi exposto à batalha pela 1ª vez em 1982, aos 11 anos, quando foi decretado o “pastor tradicional da tribo”.

Ele conta que, quando a teve início a rebelião contra o presidente Samuel Doe, ele teve que ir à guerra como aliado do presidente pois era do mesmo grupo étnico, o Krahn.

Milton, que era conhecido como o “General Bunda de Fora” pois ia para o combate nu, lutou contra a milícia de Charles Taylor, que está sendo julgado por crimes de guerra.

“A tradição me fez acreditar que, como pastor, ao me tornar guerreiro, tinha que fazer sacrifícios antes de ir para a batalha”, afirmou Blayhi.

Ele parou de lutar em 1996, depois que, segundo ele, “Deus apareceu quando estava pelado na batalha e disse que eu estava fazendo o trabalho do Satanás”.

Vergonha

Blahyi prefere ser chamado de “Joshua” e é visto com freqüência rezando nas esquinas e igrejas da capital, Monróvia.

“Eu rezo contra o assassinato e os sacrifícios humanos”, conta ele.

“Algumas pessoas me parabenizam, outras dizem que eu não deveria andar pelas ruas de Monróvia posando de orgulhoso. Mas eu continuo a dizer que não estou orgulhoso, mas envergonhado”, disse.

Ele afirmou ainda que está preparado para qualquer decisão da Comissão.

“Eu posso ser eletrocutado, enforcado. Mas acredito que perdão e reconciliação sejam os melhores caminhos a seguir”, afirmou.

Blahyi também fez um apelo a outros ex-combatentes para confessar seus crimes pois “onde quer que você vá, há um estigma sobre eles”.

Comissão

A Comissão para a Verdade e Reconciliação da Libéria, formada nos mesmos moldes da comissão pós-apartheid da África do Sul, começou no início deste mês.

Alguns críticos apontam que a comissão é muito fraca e argumentam que um tribunal para crimes de guerra deveria ser estabelecido no país.

Charles Taylor está sendo julgado em um tribunal que investiga o conflito em Serra Leoa, pois não há um similar na Libéria.

“Se você tem um indivíduo que admite que ele e seu grupo mataram mais de 20 mil pessoas, certamente deveria existir um mecanismo para que esta pessoa seja levada para a Justiça”, disse Mulbah Morlue, chefe do Fórum para a Implantação de um Tribunal para Crimes de Guerra na Libéria.

Apesar do final da guerra civil, vários agentes de paz da ONU continuam no país.