Iraquianos debatem a criação de um território cristão

Um novo plano relacionado à autonomia cristã na área iraquiana do Curdistão animou os debates entre os líderes iraquianos cristãos. Eles estão desesperados para acabar com a fuga em massa dos cristãos do Iraque.

Com igrejas bombardeadas e sacerdotes seqüestrados cada vez mais em Mosul e em Bagdá, a população cristã do Iraque caiu para menos de 450 mil pessoas, a metade do seu tamanho em 1991.

“Há um ano, a luta da comunidade cristã não era muito conhecida”, disse Michel Gabaudan, do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, à agência The Associated Press. “Mas isso tem mudado, porque agora temos claras evidências de que eles são perseguidos.”

As poucas igrejas históricas do Iraque (algumas do terceiro século depois de Cristo) concordam que alguma coisa deve ser feita para preservar sua existência. Mas, um consenso quanto à solução tem se mostrado ilusório.

O desacordo é sobre cooperar ou não com a liderança curda para se formar uma área autônoma dentro do Estado federal curdo. Uma outra hipótese é se criar um novo Estado apenas para as minorias. Um bispo caldeu disse que os dois planos de criar um “gueto” cristão só iriam piorar as coisas.

Sarkis Aghajan é o homem que tem a palavra de maior peso quanto ao futuro da comunidade cristã. Ele é o ministro curdo da Fazenda e da Economia e membro do Partido Democrático do Curdistão, que está agora no poder. Sarkis tem apoiado financeiramente milhares de refugiados cristãos que vêm do sul, ao mesmo tempo que pede por uma região cristã anexada ao território iraquiano do Curdistão.

“Eu exigi que o direito de autonomia para nosso povo [cristão] – caldeus, siríacos, assírios – fosse determinado na Constituição da Região Curda”, disse Sarkis à agência de notícias Compass.

Sarkis apoiou publicamente pedidos de emendas na Constituição Curda, feitos no mês passado por cinco partidos políticos cristãos. Eles querem que a Constituição garanta uma área cristã autônoma na planície de Nínive, terra de origem do cristianismo iraquiano, localizada ao norte de Mosul.

“Uma vez que a planície de Nínive está dentro da fronteira expandida da região curda, propomos incluir na Constituição um texto claro sobre o direito de nosso povo à autonomia na dita planície”, lê-se no documento de 10 de novembro.

Opiniões divididas

A resposta inicial dos líderes curdos foi positiva.

“É justo que os direitos deles sejam reconhecidos e implementados na Constituição curda, incluindo o direito à autonomia na planície de Nínive”, o primeiro-ministro do Curdistão iraquiano, Nejervan Barzani, disse em uma entrevista coletiva, em 6 de dezembro. “Essa é nossa política permanente.”

Mas, alguns líderes cristãos se opuseram a qualquer plano de ceder essa área ao Curdistão iraquiano, dizendo que os cristãos e outras minorias precisam de um Estado federal completamente independente.

Quem mais falou foi Pascale Warda, ex-ministra iraquiana de Remoção e Migração.

Pascale visitou os Estados Unidos em outubro, em busca de apoio para formar o Estado federal independente para as minorias não-muçulmanas na planície de Nínive. Esse plano tem sido apoiado pelo Movimento Democrático Assírio.

A campanha desse movimento tem sido impulsionada por relatos da Agência de Notícias Internacional Assíria, que dizem que a polícia e o exército curdo aterrorizam os cristãos. Segundo um artigo de 18 de dezembro, curdos se apropriaram de terras pertencentes a cristãos assírios.

Apesar dos relatos negativos, os líderes curdos parecem ter feito uma oferta sincera para atrair os cristãos à região deles, no norte.

“Nós saudamos qualquer irmão cristão que escolher vir e viver no Curdistão, seja de forma temporária ou permanente”, o presidente curdo Massoud Barzani disse em dezembro de 2005. “Vocês são livres para aceitar essa convivência fraterna e para ajudar na construção de seu país.”

O ministro Sarkis cumpriu essa promessa, construindo mais de cem novas vilas e igrejas para os refugiados cristãos.

“Mais de cinco mil casas foram construídas para os cristãos, além de escolas, centros médicos, centros de internet e salões de eventos”, Sarkis disse ao Compass.

Mesmo os muçulmanos curdos convertidos ao cristianismo desfrutam de direitos que são tradicionalmente restritos a igrejas históricas ou oficiais. Esses convertidos também podem afirmar publicamente que são cristãos.

“Prefiro que um muçulmano se torne cristão do que um muçulmano radical”, disse o primeiro-ministro curdo em maio.

“Um tiro pela culatra”

Mas, incorporar a planície de Nínive ao Curdistão iraquiano é mais complicado do que espremer alguns direitos na nova Constituição curda, a ser votada em abril de 2007.

O verdadeiro teste para qualquer forma de autonomia seria ganhar a aprovação exigida no parlamento nacional iraquiano em Bagdá, onde os ministros cristãos, que são a minoria, teriam que barganhar o apoio de grupos curdos ou xiitas.

Três distritos que constituem a planície de Nínive também podem precisar de referendos distintos para votar o governo autônomo, anexado ao território curdo ou não.

As forças curdas ocupam no momento esses distritos e dão segurança, embora a área pertença à governadoria de Mosul, sob o governo central de Bagdá.

Muitas das vilas em volta de Mosul, a cidade bíblica de Nínive, são de maioria cristã. Mas, a planície é bastante diversa, com grupos yezidi, shebek e muçulmanos sunitas. Estudiosos disseram ao Compass que qualquer referendo pela autonomia poderia precisar de, no mínimo, um acordo entre cristãos e yezidis para ter sucesso.

É bastante improvável que os sunitas do Iraque, que controlam agora o governo de Mosul, apóiem um plano de dar autonomia às minorias.

É aí que o problema pode começar, disse ao Compass o arcebispo caldeu de Kirkuk, Luis Sako.

Luis é um dos poucos clérigos iraquianos que se pronunciou sobre o assunto. Luis acredita que qualquer anúncio de que os cristãos buscam para si uma região pode ser “um tiro pela culatra”.

“Temos 300 mil cristãos em Bagdá, Kirkuk e Basra. Na maioria dos casos eles terão problemas, talvez até sejam perseguidos, por causa disso. Os outros poderão dizer: ‘Saiam daqui, vão para a sua própria terra’.”, disse o arcebispo.

Ele também disse duvidar que a planície de Nínive seja segura, espremida como está entre territórios árabes e curdos.

“Os cristãos não podem viver isolados – somos do norte, do centro do Iraque e do sul. Onde quer que vivamos, devemos cooperar com os cidadãos. Não temos que criar um gueto.”

“Última chance”

Mas, alguns líderes indicaram que os ataques aos cristãos já estavam em ascensão antes mesmo de qualquer plano ser anunciado.

“De qualquer forma, iremos ver ataques contra nosso povo na região de Mosul”, comentou Baito, ministro do Turismo. Ele é forte apoiador da autonomia cristã destro da região curda e é presidente do Partido Patriótico Assírio.

“Os curdos querem trabalhar conosco para mostrar aos EUA e à Europa que eles são democráticos e cuidam das minorias”, disse Paulo Koshaba, líder de uma tribo cristã que, em 1964, se separou de uma das maiores comunidades cristãs do Iraque, a Igreja Assíria do Leste. Paulo tem trabalhado para curar essa ferida, crendo que apenas uma igreja unida pode sobreviver no Iraque.

“Essa é a nossa última chance. Temos que agarrá-la, ou ela irá escorregar de nossas mãos.”

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