Caminhos Cruzados

“Vinde a mim, todos os que estai cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.” Mateus 11: 28.

Havia terminado uma jornada de um dia inteiro de trabalho. Despedi-me dos que dividiram horas comigo numa terça-feira fria, muito fria. Desliguei meu micro, fechei as gavetas, tranquei a porta e ganhei a rua. Sons de buzinas histéricas, o burburinho das pessoas e uma noite estrelada era o que ouvia e enxergava. Ao me aproximar da fachada de uma igreja muito conhecida em minha cidade, lembrei-me de Deus falando para Moisés “tire as sandálias porque o terreno é santo”. Nesse momento, não sei se apressei o passo ou um rapaz, mais à frente, diminuiu o dele. Emparelhamos. Nos olhamos e andamos mais alguns. Então, virou-se novamente para mim e perguntou: Você sabe onde tem uma casa de luz vermelha? O quê? Respondi. Ah, aqui em São Paulo vocês chamam de prostíbulo, indagou sorrateiro. Parei e pensei por uns instantes e, refeito da surpresa, perguntei seu nome e por que queria ir para um local daquele. Meu nome é Marconi e vim do nordeste há uma semana. Estou desesperado porque minha mulher me abandonou levando meus filhos e vim procurá-los aqui. Sei que ela está na casa de parentes na Praia Grande. E por que você quer ir a um prostíbulo então? perguntei novamente. Com essa pergunta, o jovem Marconi desabou e contou-me parte de sua vida, os problemas com as drogas e o álcool, as duas tentativas de suicídio, sendo a primeira interrompida por parentes que o tiraram da forca e a segunda por dois homens montados num cavalo que entraram no rio em que ele tentava se afogar, uma de assassinato em que deram um tiro de espingarda calibre 12 bem na frente dele e que não pegou. Também me revelou uma breve passagem em uma igreja evangélica na distante Carnaíba, sua terra natal em Pernambuco. Ele havia abandonado os cultos porque muitas pessoas que o conheciam tiravam o sarro dele, diziam que ele não podia mudar. Pedi, então, ao Senhor estratégias e sabia que o acaso não estava presente naquela situação. Conversamos por duas horas, talvez. O jovem que ainda não passava dos 25 anos e tem a vida como uma grande bênção, era propriedade de Deus.

Não consigo imaginar, diante de tantas chamadas da morte na vida dele, que o Senhor não tenha planos para ele. Na conversa, não tinha percebido o quanto havíamos caminhado, mas percebi quando chegamos perto, bem perto de outra igreja: dessa vez, a minha. Paramos. Olhei fundo naqueles olhos chorosos e disse, vamos orar. Comoveu-me ele tirar o boné para isso. Quebrantamento de ambos. Não havia mais tempo, pessoas curiosas, burburinhos e buzinas, mas um grande manto estrelado acima de nós. Senti o Senhor. Creio que o Marconi também. Oramos pela vida dele, da esposa Maria de Lurdes, dos filhos Ana Maria, Mariana, Graziela e Mateus, além da minha. Um forte abraço selou o momento e ficou em minha mente enquanto via o rapaz voltar de onde viera. Seu desejo pela carne havia caído por terra e sua esperança de ter a família de volta também. Os olhos dele brilhavam, tanto quanto os meus. Naquela noite, ambos aprendemos, sentimos juntos o amor de Cristo, aquele que cura, reconstrói, dá esperança aos cansados, inclusive eu.