Está sendo uma sensação diferente de “fora do mundo”, sem o acesso fácil à Internet. É interessante isso. Da outra vez que vim aqui, eu não tinha e-mail e nem computador em casa. Não senti falta de nenhum dos dois. Agora, parece que está a faltar um pedaço. É angustiante ter que esperar tanto tempo para ler e-mails. A gente vai incorporando a tecnologia sem perceber. Ontem, por exemplo, depois de tentar várias vezes, acabei não conseguindo acessar. Tudo bem.
Hoje faz duas semanas que saí de casa. Pode parecer muito, mas pense nos missionários que estão há 20 anos trabalhando aqui. Somente há pouco tempo existem vôos regulares para Luanda (1200km). Antigamente, quando alguém vinha para cá, não podia saber o dia exato de voltar. Uma viagem de 3 semanas, como a minha, era impossível de ser prevista. Numa emergência, a saída seria muito prejudicada. Agora temos vôos quase diários para a capital. Isto facilita muito as coisas.
Não posso nem dizer que estou a fazer qualquer sacrifício. As condições de vida aqui, para mim que sou visitante, são praticamente as mesmas que tenho na minha casa no Brasil. Claro que viver aqui seria diferente. Mas tenho vergonha quando alguns irmãos me agradecem tanto por ter vindo, como se fosse um enorme esforço. Isso é nada, comparado ao que homens e mulheres têm feito ao longo dos anos para servir a Deus neste país tão sofrido e carente.
Seria uma ótima idéia que jovens brasileiros dentre nossas igrejas pudessem visitar Angola para conhecer uma realidade bem diferente da que tem aí. Como ganhariam uma nova perspectiva para suas vidas se pudessem visitar os doentes com tuberculose, AIDS, lepra e outras doenças nos “hospitais” daqui! Sua noção de cristianismo e de compromisso com Deus certamente seria afetada profundamente ao ver as agruras deste povo. Dificilmente continuariam a gastar seu tempo e suas energias nas baladas na vida.
Tenho dito isso há muito tempo, e agora ainda mais convicto: não é à toa que Deus tem permitido que tantos talentos no meio do Seu povo cheguem à universidade e formem-se médicos, professores, fonoaudiólogos, dentistas, nutricionistas, engenheiros e tantas outras coisas. Seria tão bom que no Brasil a gente desenvolvesse a mesma visão das igrejas dos chamados países desenvolvidos sobre como usar esse potencial todo a favor da obra de Deus! Ouço e vejo muita gente de vários países envolvidos em trabalho voluntário, pessoas que separam de suas férias e recursos para servir por algum tempo em lugares como Angola. É absolutamente inacreditável o impacto que causa e a necessidade que existe de pessoas assim aqui. Tanta coisa para ser feita e tanta gente de braços cruzados nas igrejas, reclamando da vida, achando que todos estão contra eles, choramingando pelos cantos. Acorda, Brasil!
Na sexta-feira completei o curso de Hermenêutica Bíblica que havia sido solicitado a dar na Escola Bíblica. Foram 10 dias, com 4 horas diárias. Não sei se era exatamente o que esperavam, mas creio que o resultado final foi bom. Mais de 100 alunos participaram, embora nem todos ao mesmo tempo. Há muitas faltas ocasionadas por doenças nos alunos ou em suas famílias. Houve uma boa presença de praticamente todas as igrejas na cidade, que são muitas. Queira Deus que esses irmãos se despertem para a grande importância do estudo sistemático e dedicado da Palavra. O que mais se precisa em Angola hoje em dia é de ensinadores capazes, que conheçam a Bíblia, saibam interpretá-la e aplicá-la ao dia-a-dia das pessoas e igrejas. Ok, ok. No Brasil também precisamos. Mas temos tanta gente para fazer, que julgamos que podemos até perder tempo discutindo bobagens, como se deve usar bateria na igreja, a versão da Bíblia que podemos usar, se cantamos do hinário ou das transparências, se o volume do som está muito alto, se pode usar coreografia e outras “pérolas” que insistem em poluir nossos fóruns de debates e publicações. Então, já chegou a hora de repartirmos com os que têm menos do que nós.
Acabo de voltar de mais um longo estudo, das 9h00 até meio-dia, a respeito da Segurança da Salvação (recadinho do coração para a Igreja na Paulista: se preparem, porque agora já me acostumei a pregar pelo menos 2 horas de cada vez…). Aqui também há aqueles que não conseguem entender a salvação como um estado. Preferem vê-la como um “jogo”, em que a qualquer momento a gente pode tomar um contra-ataque e perder o campeonato. É preciso apresentar a Doutrina do Evangelho desde sua base, para que alguns se convençam da verdade. Foi um tempo muito proveitoso. É contagiante o entusiasmo daqueles que estão a progredir no conhecimento de Deus e de Sua Palavra. Estão sempre dispostos. Se tivesse matéria preparada, certamente teríamos aulas todos os dias. Há muita sede e ainda são poucos os que estão preparados para ensinar. A demanda é muito grande.
No Brasil, não são todos os horários que se podem usar para isso. Sim, sim. Todos estão tão envolvidos em seus afazeres diários que não querem NEM PENSAR na hipótese de sacrificar algumas horas de descanso ou lazer para investir em um estudo bíblico e um discipulado. Temos tempo para tudo, desde freqüentar a academia até levar o cachorrinho para secar o pêlo no veterinário. Mas estudo bíblico de sábado à tarde? Nem pensar. Reunião de liderança de domingo depois do almoço? Ah, não! É a “única” hora que eu tenho… Acho que em parte isso se deve a um certo paternalismo com que tratamos a coisa. O negócio, cada dia mais me convenço, é trabalhar com quem mostra interesse. Quem não mostra, que fique pelo caminho.
Graças a Deus, a saúde tem sido excelente. O ritmo de trabalho tem sido acelerado, mas em termos de horas trabalhadas, tem sido até mais fácil do que quando estou na escola. Tenho dormido mais cedo e levantado um pouco mais tarde do que normalmente o faço no Brasil. Além disso, nem lembro que existe banco, nem contas, nem alunos de inglês, o que alivia o stress consideravelmente. Atendi o telefone 3 vezes nesses 15 dias e desde que saí de casa não sei o que é dirigir um carro. Se fosse continuar assim, poderia ficar até mais tempo!! Claro que há a falta da família, dos amigos e da igreja. Mas dentro de alguns dias estaremos juntos, se Deus permitir.
Marcos Soares
Enviado especial em Angola
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