Leia antes:
Demônios do Templo (1)
Demônios do Templo (2)
— Senhora Cláudia e Senhor Adilson, o seu filho sofreu um quadro infeccioso grave. A sepsis neonatal precoce é um evento não muito comum que acontece quando uma bactéria ascende por via vaginal e encontra uma brecha para infectar o bebê através da placenta. As manifestações são graves e precoces. A infecção foi tratada com antibióticos que exterminaram a bactéria do corpo do bebê. Antes da cura, porém, a infecção produziu danos…
O casal temia ouvir a palavra “seqüela”. Tinham conversado um pouco sobre isso, mas as emoções ainda estavam muito inflamadas para pensar no que fariam caso o tão sonhado bebê tivesse alguma seqüela da infecção.
— A tomografia mostra um sangramento difuso no cérebro que afetou principalmente a região responsável pelos movimentos do bebê; esta é a razão por que ele ainda precisa tomar medicações anti-convulsivantes. Ainda não é possível saber qual será a extensão do dano motor. Nosso oftalmologista, Dr Wagner, fez um exame rápido no fundo de olho que mostrou um sangramento na retina do lado direito fora da área de melhor visão e do lado esquerdo um descolamento total da retina. O ecocardiograma está normal. Os demais órgãos e sistemas não apresentam, até o momento, alterações sensíveis.
— Doutor, quais limitações o bebê vai ter?
Médicos não gostam de falar em seqüelas. Contar sobre possíveis limitações físicas e-ou mentais é duro para quem fez uma longa faculdade de medicina mais outros duros anos de residência com a finalidade de trazer a saúde. O médico escolheu bem as palavras para não fazer rodeios ou incutir falsas esperanças.
— O bebê não sofreu dano cardiológico e isto é bom. Existe uma possibilidade de no futuro de ser asmático como conseqüência tardia da respiração mecânica. No olho esquerdo não há visão. Há possibilidade dele enxergar com o olho esquerdo mas a visão pode ser sub-normal.
Os pais choravam, mas recebiam as informações com resignação. Será que não acaba? Pensou Adilson esboçando um planejamento da nova estratégia familiar. O médico prosseguiu.
— Quanto à lesão cerebral não é possível dizer qual é a extensão do dano. Alguns pacientes ficam com seqüelas extensas que jamais se curam. Outros pacientes, após extenuante trabalho de fisioterapia e exercícios, conseguem adquirir alguma autonomia motora. Além disso, existe também a possibilidade de algum dano neuro-comportamental. Vocês serão encaminhados para um serviço multidisciplinar da Universidade Federal e serão assistidos por uma equipe. A alta do bebê já está assinada.
Os pais receberam o bebê nos braços, colocaram a melhor roupa que tinham comprado, enrolaram numa mantinha e saíram pela porta da frente do hospital cientes de que suas vidas jamais seriam as mesmas. Passaram no Hospital Universitário para agendar a primeira avaliação que foi programada para duas semanas após a alta.
Dois dias depois de sair do hospital, entretanto, Cláudia foi ao posto de saúde onde fez o pré-natal. Os funcionários do posto tinham sabido do caso porque uma das auxiliares era plantonista no Hospital à noite. Cláudia levou o bebê ao posto para apresentá-lo ao médico.
— Belo bebê, Cláudia. Parabéns! Ficamos preocupados com o que aconteceu. Toda a equipe do posto queria saber notícias de vocês. Como você está?
— Estou bem, obrigada. Ainda tentando entender, aceitar, não sei bem nem como falar sobre o assunto. Só sei que amo meu filho e quero cuidar dele.
— Então, você veio aqui hoje para se consultar ou a consulta será para o Pedro? Lembro bem que este era o nome que você havia escolhido.
— Na verdade, doutor, estamos bem; não viemos consultar. Só preciso que o senhor troque a receita do remédio anti-convulsivante para que a farmácia do posto possa me fornecer. E este não é o PEDRO, seu nome é JONAS.
— Pois não, permita-me conferir a dose do remédio e trocar a receita para você. Mas agora você me deixou curioso. Você trocou o nome que havia escolhido? Lembro que você falava com excitação sobre como seriam as variações de Pedro, Pedrinho, Pepê…
— Não troquei o nome. Durante nove meses eu gerei na minha mente e no meu coração o PEDRO PAULO. Adilson e eu fizemos planos, pintamos o quarto, minha tia lá de Passa Quatro fez um quadro bordado em ponto cruz com o nome PEDRO PAULO. Quando conheci o filho que tinha dado à luz eu o amei imediatamente. Me apaixonei pelas bochechas, pela barriguinha… Ficava olhando pela incubadora durante muito tempo. Aquele era meu filho e eu o amava. Queria levá-lo pra casa e cuidar dele. Mas não era PEDRO PAULO, pelo menos não do jeito que eu o gerei na minha mente. Quando saímos da maternidade pedi ao meu marido que o registrasse como JONAS.
Semanas depois, Cláudia, Adilson e o pequeno Jonas seguiram para o Hospital Universitário onde o pequeno passou a ser tratado.
Conclusão: Demônios do Templo (4)