Amigos, já perceberam quantas vezes na Bíblia aparece a expressão “depois destas coisas”? Se por um lado esta é simplesmente uma expressão que dá continuidade a uma narrativa, por outro lado é uma frase que nos remete também à continuidade da vida. A vida segue, os dias passam, as circunstâncias mudam. Nada é para sempre.
Você é julgado hoje pela opinião pública. Você é rotulado no cair da tarde, quando as sombras confundem a imagem. Fazem a sua sentença à revelia. Poucos se dão ao trabalho de perguntar o que você tem a dizer a respeito. E então o sol se põe. Ele se esconde por trás dos montes, levando consigo segredos, verdades, esperanças, desilusões, tristezas, desafios, angústias, injustiças (a rigor, diriam, os cientistas, o sol nem se põe nem se esconde. Mas se não pudermos mais falar assim, o mundo perde a poesia e as metáforas deixam de ser metáforas).
Mas ele não fica na sua tenda para sempre. Dali a algumas horas surge novamente. Dizemos que este é o momento mágico do nascer do sol. Da alvorada. Do arrebol. Nos dois momentos as matizes enchem nossos olhos. Um dia desses, vinha de viagem, fim de madrugada. Que cena maravilhosa é ver o sol nascer. Os raios dissipando a neblina da manhã, tornando mais clara e nítida a paisagem embaçada. Eliminando dúvidas, aclarando as coisas. Lembrei-me de Jacó.
Depois de andar pelos descaminhos das suas más escolhas, Jacó está de volta, prestes a encontrar seu irmão. Ele não contava com essa, mas antes de encontrar-se com seu irmão, ele se encontra com Deus. Passa a noite lutando com ele. Quando, finalmente, se vê derrotado e machucado, porém abençoado e lúcido o bastante para perceber que sua vida nunca mais seria a mesma, ele atravessa o vau de Jaboque. Diz o texto de Gênesis 32:31, que naquele momento “o sol nasceu para Jacó”. Manco, cansado, sujo, perplexo. Mas um novo dia começaria para ele. Acho esse trecho fantástico, estupendo, tremendo.
Saber nascer para um novo dia é absolutamente essencial para aprender a viver. Porque só quando deixamos para trás velhos hábitos, comportamentos, atitudes e até velhos rótulos é que conseguimos enfrentar os fantasmas do passado que nos atormentam. Dali para a frente, Jacó reencontrou seu irmão, resolveu suas pendências e tocou a bola para frente.
Por isso, mesmo sabendo que serei lugar comum – algo que escritores e leitores detestam –, não posso deixar de citar, nada originalmente, a sabedoria popular: nada como um dia depois do outro. Cada vez que o sol nasce, muita coisa nova acontece. Nessa hora alguns motivos vão sendo revelados. Quanto mais passa o tempo, mais as atitudes vão mostrando quem é quem, quem queria o quê, quem tramou para quem, quem passou a perna em quem. Já diziam os escoceses: “dê corda ao diabo, que ele mesmo se enforca”. Tem coisa que é só sentar e esperar. Nada mais previsível do que o ser humano quando perde a noção.
Há coisas que não podemos explicar, porque pouca gente estaria disposta a entender. Já até me disse cansado de explicá-las. O mesmo sol que nasce trazendo alento para alguns serve para trazer vergonha para outros. Revela as coisas de outrora, as razões até então ocultas. O amanhecer pega muita gente que se fez de vítima com a arma em punho, mostrando suas garras e desnudando sua pobreza de espírito.
Daqui até lá, muitos dias haverá em o que a rotação e translação ainda trarão surpresas e revelações. Para alguns, o sol vai raiar como a liberdade no horizonte do Brasil. O nascer do sol será libertador. Não haverá sombras nos cantos da alma. Não serão necessárias atividades alucinantes na tentativa de construir pontes de pau-a-pique para reconstruir aquelas que nós mesmos destruímos com as bombas da nossa vileza de caráter. Para outros, o sol vai nascer quadrado, presos como estão aos vícios, erros e safadezas do passado, dos quais – ao invés de se livrarem pela confissão e arrependimento – preferem seguir acreditando que nunca os cometeram.
O que faz a diferença é a experiência com Deus que você tem ou não tem antes de atravessar o riacho. É o mesmo Deus que faz o sol nascer sobre os bons e sobre os maus, sobre os justos e injustos. Só que para os justos, o sol traz alegria. Para os injustos, traz o terror. Davi podia dizer que ele deitava em paz e logo pegava no sono. Isto quer dizer que mesmo quando ele ia para a cama chorando, a alegria chegava ao amanhecer.
Felizes aqueles que um dia vêem o sol nascer como Jacó.