Quando chega a hora de partir (2)

Leia antes: Quando chega a hora de partir (1)

Amigos, tenho visto situações e conversado com pessoas, com muito maior freqüência do que seria desejável, que demonstram claramente que muita gente está perdida, desanimada, encostada pelos porões das igrejas, amordaçada numa espécie nefasta de ditadura eclesiástica, sem poder reagir com medo das ameaças e do sentimento de culpa daqueles que, não podendo oferecer nada melhor, colocam medo e estigmatizam os que estão na sincera busca de algo melhor. È criado todo um esquema para prender e asfixiar.

Gostaria de acreditar e poder dizer, como alguns dizem, que isto se restringe a algumas igrejas neo-pentecostais, especialmente à recente onda das “apostólicas” – esse pessoal que se auto-declara enviado de Deus e depois abre franquia de unção. Gostaria de afirmar que são poucas e distantes de nós as igrejas que, de tão escandalosamente afastadas do ensino bíblico, não demandam muito esforço para ver que ficar ali não vai dar certo. Gostaria de pensar que só aquelas que aparecem na televisão, “meu amigo, minha amiga”, “Em O NÔME do Senhor Jesus Cristo” ou vendendo Bíblia em 10 pagamentos são ralas na exposição da Palavra.

Gostaria, mas não posso. Porque existem igrejas que na teoria são bíblicas, na doutrina são sérias, mas na prática são tão devastadoras contra a vida frutífera de gente sincera que está presa ali e que não pode sair, ou porque nasceu ali, ou porque a família é dali, ou porque teme as represálias de uma mudança de postura. São igrejas, como escrevi há mais de 5 anos, que já morreram faz tempo. Só falta enterrar. São o produto inerte de pessoas que acham que sabem tudo, que conseguem fazer tudo sozinhas, que não precisam da ajuda de ninguém. Mas sabem eles o que pensam os membros, como sofrem calados (às vezes nem tanto) os que conseguem enxergar um palmo à frente.

Alguns afirmam que você tem que ficar até morrer, porque Deus o quer ali e você não pode abandonar o barco. Tem que morrer junto com a igreja. Outros vão pelo caminho de que é preciso ter paciência, que nem tudo se resolve do dia para a noite. Ainda existem os otimistas, que acham que uma hora as coisas melhoram e no fim dá tudo certo.

Pode ser que cada um deles tenha sua parte de razão. Deus muitas vezes conduzia seus melhores servos por caminhos empedernidos. Houve tempo de fome na vida gente graúda, como Abraão e Isaque. Houve desertos na vida de Moisés, de Elias, de João Batista. Houve uma cisterna brava, escravidão e cadeia na vida de José. E não se pode deixar de considerar a hipótese de que Deus nos queira na aridez de uma igreja sem visão, sem propósito, sem eira nem beira, para forjar nosso caráter e preparar a nossa vida para sermos mais úteis. Tudo isso precisa, mesmo, sem ironia alguma, ser considerado.

Mas me convenço, cada vez mais, de que há situações em que se deve considerar seriamente a possibilidade de sair. Falo de situações que colocam em risco a saúde da nossa fé. Como já exposto no artigo anterior, não de motivos menores, como o estilo de louvor ou o nosso gosto pessoal, meramente (não acho que o louvor seja um motivo menor, refiro-me ao estilo, ao ritmo, ao “jeitão” da coisa). Não por ter visitado um lugar algumas vezes, participado de reuniões e eventos especiais, porque esse encantamento em geral é efêmero. Depois de inúmeras conversas com amigos e amigas de lugares tão distantes quanto se possa imaginar, resolvi tornar públicos alguns pensamentos que poderiam ajudar alguns em momentos de dúvida.

Não custa sugerir algumas perguntas, que precisam ser respondidas com calma, oração e busca da face de Deus. Não de uma sentada só, mas ao longo de algum tempo. Não com a decisão já tomada, mas como um processo de tomada de decisão. Com franqueza e honestidade diante de Deus. Melhor ainda se compartilhando suas conclusões com um conselheiro cristão de confiança. Se você está pensando em sair de onde está, responda a estas perguntas, sempre procurando justificar o que diz com fatos, não com mero achismo. Considere questões como:

  1. O lugar onde estou é favorável ao meu crescimento espiritual? Encontro ali alimento espiritual, comunhão, espaço para desenvolver meus dons, liderança, se não preparada, pelo menos piedosa?
  2. A causa do desconforto que sinto (por que se não sentisse não estaria pensando em mudar) é minha ou da igreja? Lendo o artigo anterior, identifiquei alguma razão ilegítima que me faz pensar em ir embora?
  3. Se em alguma medida a culpa é minha, eu já trabalhei nisso o suficiente de modo que eu possa dizer que, embora não seja perfeito, pelo menos não sou eu o causador do desconforto da igreja? Minha vida pessoal e devocional estão em ordem, de maneira que eu possa, com consciência tranqüila, afirmar que, embora não seja perfeito, pelo menos estou tentando andar direito?
  4. Já fiz tudo o que estava ao meu alcance para tentar reverter o quadro? Já orei, já clamei, já me coloquei à disposição, já me envolvi, já dei sugestões? Esperei o tempo suficiente para ver se ainda há chance de mudança do estado de coisas?
  5. É possível que Deus me use ainda, de alguma maneira e em alguma medida, para reverter o quadro? (Sim, chegam momentos em que não tem mesmo mais jeito, mas é uma possibilidade que sempre precisamos considerar).
  6. Terá chegado o fim o tempo de Deus para mim neste lugar? Lembre-se que até os apóstolos ficavam um certo tempo em um lugar e depois partiam. É verdade que eles não partiam porque estavam enjoados ou desanimados com a igreja onde estavam, mas porque Deus tinha novos projetos para eles realizarem.
  7. A mais importante de todas: o que Deus tem a dizer a respeito disso? Busquei suficientemente a Sua face, com oração e jejum, para saber o que ele quer de mim?

Não tenho nenhuma dúvida em afirmar, mesmo correndo grande risco de ser mal interpretado de um lado ou de outro, que é lamentável que existam igrejas que não mereçam alguns de seus membros. Outras há que se merecem. São feitos um para o outro. A igreja finge que é séria e os membros fingem que acreditam nisso. Nesse caso, não há muito que fazer, senão clamar pela misericórdia de Deus. Tenho feito isso, aliás, por alguns casos que conheço.

Se há situações em que a saída de alguém pode ser um alívio, em outras chega a ser juízo de Deus para uma igreja. Pessoas que poderiam ser extremamente úteis são descartadas por causa do orgulho, da vaidade e do interesse de alguns, especialmente maus líderes. Então Deus intervém e os deixa à sua própria sorte. É como se Deus estivesse dizendo: “Ok, pessoal. Vamos ver agora como é que vocês se viram”. Claro que também existem casos em que, mesmo bem intencionado, um membro não tem a habilidade necessária para conduzir processos e implantar mudanças. Nesse caso, a remoção para outra igreja pode significar também a abertura de uma nova chance, de uma oportunidade nova para sua vida. Em casos assim, os dois lados ganham. A igreja ganha uma chance de repensar o que estava errado e o membro que sai idem. A nova igreja também se beneficiará da ajuda nova, com o novo gás. Agora, se tudo isso não passar de oba-oba, um novo ciclo de insatisfação se iniciará em pouco tempo.

Sair de uma igreja pode ser uma decisão impensada da qual a gente logo venha a se arrepender. Mas pode também ser um passo correto, na direção de um espaço mais adequado para o desenvolvimento rumo à maturidade e serviço na caminhada de fé.

E se isso vier a acontecer, o que fazer a seguir?

Quando chega a hora de partir (3)

Pensando bem:

“Trevas a respeito de sair é luz a respeito de ficar.” William McDonald