Surra no presidente

Amigos, o Senado endoidou de vez. A baixaria continua solta. Os senadores Arthur Virgílio (PSDB-AM), ACM Neto (PFL-BA) e, estou pasmo, a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), por quem já expressei minha pública admiração, sentindo-se acuados por suposto grampo de telefones de seus familiares, subiram à tribuna da Casa para dizer que se isso fosse confirmado, estariam dispostos a “dar um surra no presidente Lula”. Primeiro foi o Virgílio. Animado com a bravata do valentão, o neto de Toninho Malvadeza aproveitou para abusar das palavras, ficando na ponta dos pés para alcançar o microfone e incitar violência ao vivo na TV, para todo o país. Na mesma onda, sob a desculpa fajuta de que “para defender a família eu viro uma onça e faço o que for necessário”, veio a minha querida Helena com um arroubo misto de destemor, destempero e deselegância.

É verdade que muitas vezes a gente tem vontade de dar uma surra em alguns políticos. Mas todos sabemos que se a gente começar a entrar por este caminho, vamos voltar ao tempo do “prendo e arrebento” da ditadura militar. Seria um tremendo retrocesso. Por mais que pareça o contrário, não há absolutamente nada, nem mesmo proteger a família, que justifique este palavreado e estes acessos tresloucados de valentia. Cheira mal. Cheira a uma truculência pré-civilização. Não cabe em uma sociedade democrática e livre. Se consideram-se perseguidos, podem reclamar, denunciar, ir à justiça, o que queiram. Mas dizer que vão dar uma surra em quem quer que seja é inadmissível. Até porque o ACMinho só conseguiria enfrentar alguém de igual para igual, do alto dos seus 1,60m com um revólver na mão. E seria bom que ele se
lembrasse que o seu vovô quase foi cassado há pouco tempo atrás justamente por ter grampeado e monitorado um casal de namorados, naquele episódio dos resultados de votação.

Enfim, isto não é reprovável apenas pelo mau exemplo. O simples fato de ter havido tais declarações já torna os envolvidos passíveis de punição adequada. Não se pode desrespeitar uma autoridade constituída pela maioria da população, o chamado “principal mandatário da nação”. Não se pode colocar em risco a estabilidade de um país, atacando os postos de liderança constitucionalmente estabelecidos. Isto nos levaria ao caos. Não pense você que já chegamos ao caos. As coisas poderiam estar ainda muito piores, e estarão, caso nossas instituições sejam atacadas e desrespeitadas.

Não é questão de ser um desrespeito “a Lula”. Pouco importa quem está no cargo, o cargo precisa ser respeitado. Mesmo que fosse o Maluf, que lamentavelmente já está solto, colocando em risco a segurança da população de bem. É a regra do jogo. Se o presidente não age como deve, haverá os canais competentes para tirá-lo de lá. Falem em CPI, em impeachment, façam campanha para que ele não se reeleja. Mas falar em surra no presidente, além de injustificável, denuncia um certo nível de desespero, de necessidade de aparecer na mídia, de um comportamento completamente inadequado para alguém que, afinal, também é uma autoridade do país. Não fica bem.

Existem alguns que dizem que o Congresso Nacional é uma amostra da sociedade. Quer dizer, ao mandarmos para lá os representantes que escolhemos, refletimos nessa escolha os padrões de comportamento e de ideologia que o próprio povo tem. Assim, se existe corrupção no parlamento, é porque a sociedade é corrupta. Se existem acordos por baixo dos panos, é porque isso acontece também na sociedade civil. Se existe desrespeito à autoridade constituída, é porque o povo não respeita a autoridade. Sempre tive minhas restrições a este argumento, mas está cada dia mais difícil provar o contrário. A sociedade brasileira é, inegavelmente e para nossa vergonha, corrupta, imoral, indecente e desrespeitosa.

É por isso que a gente não pode acreditar ingenuamente que as coisas podem melhorar com as próximas eleições. Enquanto a massa não mudar de atitude, seus representantes continuarão a levá-las consigo para onde quer que forem.