O Senhor das Armas

“Existe uma arma para cada doze pessoas no mundo. A questão é: como armar as outras onze?”

Para Yuri Orlov (Nicolas Cage, de Os Vigaristas), protagonista de O Senhor das Armas, seu trabalho não é muito diferente do exercido por um homem que vende cigarros ou bebidas alcoólicas. Afinal, seu sustento é tirado da venda de armas, não do apertar o gatilho e atirar nas pessoas mortas por uma ou algumas balas. Isso já se torna responsabilidade de quem compra as armas. A discussão ética que permeia todo o filme é pertinente especialmente em tempos de desarmamento e possível proibição da venda de armas.

O protagonista de “O Senhor das Armas” é bom de lábia e sabe como faturar com isso. Não somente dinheiro, mas também a vida de seus sonhos, incluindo a garota que sempre desejou. Trabalhando como traficante de armas, Orlov abastece guerras em países do Terceiro Mundo com a ajuda de seu irmão Vitaly (Jared Leto). Entre balas e crianças empunhando metralhadoras, o negociante conta bolos de dinheiro e diamantes sem a moral para atrapalhar sua consciência. De uma forma cínica e tragicômica, o diretor Andrew Niccol conta a história desse traficante, que se confunde com a história mundial na medida em que ele encontra ditadores africanos, compra armas de uma Rússia recém-capitalista e abastece o Afeganistão para a luta contra os EUA.

O grande destaque de “O Senhor das Armas” não está na discussão que pode levantar sobre o desarmamento – trazendo o contexto para nossa realidade. Afinal, tudo é visto de uma forma cínica e amoral demais. Mas a condução do filme é muito bem-feita, desde a primeira cena, quando a câmera acompanha a trajetória de uma bala desde a fábrica até a cabeça de um menino, até a última, quando vemos Orlov no meio de um chão forrado de balas. O roteiro, muito bem escrito, abre mão do moralismo para dar lugar à história em si, baseada nos fatos reais acontecidos na vida de cinco traficantes de armas que realmente existiram. Outro destaque fica na escalação do elenco. Nicolas Cage está em um daqueles papéis que não poderiam ter sido dados a outra pessoa. Jared Leto, que interpreta seu irmão, é outro que caiu como uma luva no personagem.

Para quem acha que “O Senhor das Armas” levanta alguma questão moral quanto a essa cultura armamentista – arraigada principalmente na sociedade estadunidense, como já mostrou Michael Moore em seu Tiros em Columbine (2002) -, pense duas vezes. Com um protagonista tão carismático, é possível que o espectador tenha lapsos de loucura e realmente acredite que ele não tem nada a ver com guerras civis na África, por exemplo. O filme é cínico demais para querer levantar alguma questão e essa amoralidade chega a ser seu charme, para alguns, e seu maior defeito, para outros. Independente disso, trata-se, principalmente, de uma experiência muito bem-sucedida na questão da condução de uma história intrigante e chocante. Niccol encontra soluções na sua direção que tornam “O Senhor das Armas” uma bela obra cinematográfica.