Superapóstolos

Em minha caminhada cristã, me impressiono ao ver como alguns irmãos exageram numa inocência forçada quando se fala a respeito dos problemas presentes na comunidade cristã. Fato é que efetivamente existem problemas – e muitos – neste ambiente. Ao longo do tempo, formou-se um sistema anexo à Noiva de Cristo, um sistema que na verdade é uma falsa igreja, um regime apóstata que trata do Reino como algo absolutamente antagônico a sua própria essência. Não estou falando da igreja institucionalizada, pois ela é fundamental para o Reino. Sou absolutamente contra o movimento dos ‘cristãos desingrejados’, pastores de si mesmos. Mas este assunto fica para outro artigo.

Não sei se defino essa visão das coisas como inocência ou como cegueira. O próprio Senhor Jesus nos adverte a respeito do joio que cresce junto ao trigo, porém, qual deve ser nossa postura como cristãos diante desse cenário monstruoso que está se formando debaixo de nossos narizes?

Falado a pouco a respeito da noiva, que a Bíblia define tipologicamente como a Igreja, façamos uma breve reflexão a respeito dela. Quem teve a oportunidade de preparar uma celebração matrimonial sabe como é, para o noivo, o anseio em ver sua amada noiva adentrando o templo, adornada, preparada, perfumada, embelezada para o encontro com o noivo. Do outro lado, a noiva, que passou longas horas se preparando para o momento máximo, pronta para agradar o noivo, com sua beleza, preparação absoluta de entrega, e que segundo reza o padrão moral e espiritual cristão, devendo estar pura e limpa, para que celebre junto ao noivo e enfim esteja unida a ele.

Diante disso, vamos refletir um pouco nas Escrituras.

Amigo do Noivo

‘Vós mesmos sois testemunhas do que vos disse: eu não sou o Cristo, mas fui enviado como seu precursor. O que tem a noiva é o noivo; o amigo do noivo que lhe serve e o ouve, alegra-se grandemente por causa da voz do noivo. Portanto, essa satisfação já se cumpriu em mim. É necessário que Ele cresça e que eu diminua’. João 3.28-30 (Versão King James – KJ).

João Batista, ao declarar tais palavras, estava se referindo – em primeira instancia – aos seus discípulos, que deveriam passar a seguir ‘aquele que estava batizando do outro lado do Jordão’ (v.26), mas por inferência, aplica-se o texto à noiva de Cristo, a igreja. Convém que ‘os amigos do Noivo’ dessa geração operem da mesma forma, diminuindo, anulando-se, para que Ele cresça e para que a noiva seja apenas do Noivo.

No entanto, temos visto uma geração de sacerdotes pregadores do erro crescendo sobremodo e impondo-se como os donos da noiva, e não como amigos do Noivo.

Paulo, apóstolo, amigo do noivo

O pragmatismo é um veneno muito pernicioso. De um modo geral, o homem acredita que as coisas que ‘funcionam são as que estão certas’, e tal via é extremamente perigosa.

Diferente de alguns cristãos modernos, a igreja ao longo de sua existência sempre lutou contra as heresias vindas não somente de fora, mas também o erro apregoado dentro. Veja as palavras do teólogo reformado Louis Berkhof:

Pela dádiva de sua Palavra à Igreja, Deus a constituiu em guardiã do precioso depósito da verdade. Enquanto forças hostis são colocadas contra ela e o poder do erro transparece em toda parte, a Igreja deve providenciar para que a verdade não pereça na terra, para que o grau no qual ela está incorporada seja mantido puro e sem mutilações, a fim de que o seu propósito não seja derrotado, e para que ela seja transmitida de geração em geração. Ela tem a grande e responsabilizante tarefa de manter e defender a verdade contra todas as forças da incredulidade e do erro. [1]

Paulo trata deste assunto com uma igreja que, nos padrões atuais, seria a mais perfeita de todas: a igreja em Corinto.

A cidade de Corinto, na época com população estimada em 250 mil cidadãos livres e 400 mil escravos tinha localização privilegiada. Possuía dois portos e pleno acesso ao Mar Mediterrâneo, o que fazia dela uma espécie de encruzilhada por onde viajantes de todo o mundo passavam. O comércio era exuberante, a cultura cosmopolita e os cultos aos deuses helênicos eram intensos, uma vez que a cidade abrigava doze grandes templos, sendo que um dos mais infames era dedicado à Afrodite, deusa grega do amor, onde mais de mil mulheres eram escolhidas todos os anos para que seus corpos servissem de oferendas religiosas em cultos regados a sexo cultual. [2]

Numa cidade com tais costumes, estava a comunidade de cristãos da Igreja em Corinto, uma igreja cheia dos dons (1 Co 1.7), porém imatura ao ponto de dividir-se em concórdias (1 Co 1.10-17).

Para tal comunidade Paulo lança uma severa advertência que ecoa em nossos dias: a lábia da serpente através dos falsos obreiros. Eis o trabalho daqueles que amam a noiva!

Sugiro ao leitor que leia 2 Co 11 integralmente antes de prosseguir. Feito isso, continuamos nossa reflexão.

Pois tenho verdadeiro ciúme de vós, e esse zelo vem de Deus, pois vos consagrei em casamento a um único esposo, que é Cristo, a fim de vos apresentar a Ele como virgem pura. (2 Co 11.2, KJ)

1. Zelo pela Noiva: Neste versículo, Paulo fala sobre zelo e ciúme por aquele povo cristão, o qual ansiava em apresentar diante de Deus como noiva virgem e pura. Uma noiva sem a mancha do erro, do engano, do pecado pré-nupcial, ou seja, uma noiva que não fosse usurpada pelo maligno e por seus falsos obreiros.

Como li num artigo recentemente, a noiva tem sido estuprada, violentada, usada, envergonhada por homens que aparentam serem amigos do noivo, mas que na verdade servem a Mamon, a seu próprio ventre – ministros de Satanás. Homens que lideram impérios religiosos voltados a si mesmos. Onde estão os amigos da noiva para ecoar o alarde que tal caminho voltado para o homem, e não para Deus, é uma via de engano? Dói para poucos ver esta situação e infelizmente é cômodo para muitos calar-se consentido com a tragédia.

Entretanto, receio que, assim como a serpente enganou Eva com sua astúcia, também a vossa mente seja de alguma forma seduzida e se afaste da sincera e pura devoção a Cristo. (2 Co 11.3, KJ)

2. O engano da serpente: Seguindo em 2 Co 11.3, Paulo fala sobre o engano da serpente, a sedução que Eva sofreu e que, pela astúcia do diabo, poderia seduzir aqueles cristãos, de tal modo que suas mentes seriam ludibriadas a ponto de afastá-los da pura e sincera devoção a Cristo. Os falsos mestres que se infiltraram no meio do povo estavam pregando ensinos pervertidos, que se desencontravam da Verdade. O anseio do apóstolo era que o povo tivesse o coração e mente íntegros ao Senhor e que nada nem ninguém tivesses parte na glória única de Deus. E de que forma o engano estava sendo sorrateiramente colocado naquele contexto?

Porquanto, se alguém vos tem pregado um Jesus que não é aquele que ensinamos, ou se recebeis um outro espírito, que não o Espírito que creio, terdes recebido, ou ainda um evangelho diferente do que tendes abraçado, a tudo isso muito facilmente, tolerais. (2 Co 11.4, KJ).

3. Falso evangelho, falso Jesus: Em 2 Co 11.4, o apóstolo Paulo adverte a igreja que infelizmente estava sendo tolerado um falso ensino, falso evangelho, falso Espírito, falso Cristo. Não existe nada pior que a mentira disfarçada de verdade. Repito: a mentira disfarçada de verdade é um veneno dado em doses homeopáticas ao povo, que nem percebe que aos poucos estão caindo em destruição. Um pedófilo jamais mostrará sua intenção e face à inocente criança, assim como o estuprador agirá de modo frio e calculista em busca de sua vítima. O erro caminhará com cara de verdade, mas não tardará mostrar-se profundamente tenebroso e diabólico. Os falsos mestres dão o atestado de sua falsidade, em curto, médio ou longo prazo.

Contudo, não me julgo em nada inferior a esses “eminentes apóstolos”. (2 Co 11.5, KJ).

Em nada me considero inferior a esses “superapóstolos”. (2 Co 11.5, Almeida Século 21 – A21).

4. Eminentes apóstolos; Superapóstolos: Aqui em 2 Co 11.5 um dos verdadeiros apóstolos de Cristo, Paulo de Tarso, alerta sobre os falsos mestres que estavam conduzindo a igreja de Corinto ao erro. Eram esses homens que estavam contaminando a Noiva, abusando da Noiva! Eram esses homens que se julgavam em posição de eminência que estavam correndo as bases doutrinárias. Neste sentido vamos nos aprofundar um pouco.

Superapóstolos

É necessário um aprofundamento de contexto para entender melhor o que estava acontecendo ali. Em 2 Co 11.6-9 Paulo fala que não cobrava a respeito do ensino ministrado ali naquele lugar, uma vez que recebeu apoio das igrejas da Macedônia e Filipos e trabalhava com artesanato, costurando tendas (At 18.1-4). E por que ele não queria pesar financeiramente para a igreja de Corinto? Não seria ele como obreiro digno de seu salário?

Paulo estava fazendo forte oposição aos ‘superapóstolos’, uma vez que no século 1 era comum nas províncias gregas (e Corinto ficava na Acaia, ao sul) o pagamento aos mestres de religião e filosofia que atuavam de modo itinerante. Estes lobos estavam sangrando a igreja e ensinando heresias, e como cobravam pelo ensino, ainda difamavam o apóstolo Paulo, alardeando que seu ensino era fraco, pois era gratuito. Como são astutos os filhos do diabo! Inversão da graça.

O anseio dos lobos era que Paulo mudasse seu proceder, cobrando pelo ensino para que se igualasse a eles em atitude. Fica o alerta para você, amado em Cristo: não siga as tendências de ‘sucesso pragmático’ dessa era. Seja fiel e firme na sã doutrina. Veja o comentário abaixo:

Historicamente, líderes religiosos, hereges, despóticos e carismáticos têm sido mais ovacionados pelo mundo do que os santos servos do Senhor. Por isso, os crentes e as igrejas precisam ter cuidado para não se deixarem influenciar pelos “superapóstolos” ou “eminências”, conforme a ironia usada por Paulo, e, assim, em se afastar da verdade (Gl 1.6-9). [3]

Estes falsos apóstolos estavam atuando deste modo itinerante, bem como tentando difamar Paulo (que ficou em Corinto um ano e seis meses – At 18.11) com o propósito de levar uma falsa doutrina, sedentos por dinheiro. Situação idêntica ao que vemos nos nossos dias. Como disse William MacDonald, “como a maioria dos líderes de seitas, não trabalhariam em um lugar que não lhes desse lucro” [4].

Por fim, Paulo lança a todos os olhos aquilo que aqueles homens – e seus similares de nossos dias são:

Porquanto, tais homens são falsos apóstolos, obreiros desonestos, fingindo-se apóstolos de Cristo. E essa atitude não é de admirar, pois o próprio Satanás se disfarça de anjo de luz. Portanto, não é surpresa alguma que seus serviçais finjam que são servos da justiça. O fim dessas pessoas será de acordo com o que as suas ações merecem. (2 Co 11.13-15, KJ)

As Escrituras deixam claro que o trunfo desses hereges – um verdadeiro canto de sereia – está em seu grande poder de dissimulação, de manipulação. Estes homens tem o “poder” de levar aos ouvidos incautos uma idéia e esperança decisivamente boa, quando de fato não é. E como mostra o versículo 15, que o próprio Diabo se disfarça para enganar, como podem muitos fechar os olhos para realidade que os falsos mestres estão espalhados pelos quatro cantos, na mídia, na internet, no rádio e na TV, e ainda, nos púlpitos, utilizando de linguagem religiosa e aparência de piedade, quando no fundo não passam de mensageiros do Maligno.

Por fim, fica a preocupação de que, todos aqueles que de alguma forma, com coração sincero, querem um relacionamento com Cristo, não caiam na cilada:

Entretanto, receio que, assim como a serpente enganou Eva com sua astúcia, também a vossa mente seja de alguma forma seduzida e se afaste da sincera e pura devoção a Cristo. (2 Co 11.3, KJ)

Louvo a Deus pois em breve o sistema apóstata ruirá, e prevalecerá por todo sempre a igreja gloriosa, a verdadeira Noiva:

Esta é a Igreja que será verdadeiramente gloriosa no final. Quando toda glória terrena tiver passado, então esta igreja será apresentada sem mancha diante do trono do Deus Pai. Tronos, principados e poderes sobre a terra não serão nada; mas a igreja do primogênito brilhará como as estrelas no final e será apresentada com alegria diante do trono do Pai no dia da aparição de Cristo. [5]

Sola gratia!

Soli Deo gloria!

Notas:

[1] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2009. p. 548-549

[2] Novo Testamento King James, nota introdutória 1Coríntios. São Paulo: Abba Press, 2007. p. 377

[3] Novo Testamento King James, comentário 2 Co 11.5, p. 427

[4] MACDONALD, William. Comentário Bíblico Popular do Novo Testamento. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. p. 572

[5] RYLE, John C. “A Igreja Verdadeira”, in TORREY, R.A. Os Fundamentos. São Paulo, Hagnos, 2005. p. 556