Encontram-se no Conjunto Nacional, o centro de compras mais antigo de Brasília. Um “oi” surpreso e prolongado sai da voz da moça. Ele responde com a mesma palavra, no início sem saber bem com quem está falando. Ela mudara muito com os anos; ele, nem tanto; era mais fácil de ser identificado. Depois do esclarecimento, o “oi” dele sai pela segunda vez, agora também prolongado, como que querendo corrigir a indecisão do primeiro. Surpreso, porém com um ar indecifrável na expressão.
– Como tem passado? Fale de você! – diz ele sem disfarçar a admiração de vê-la tão mulher. Era apenas uma menina havia tão pouco tempo, uma adolescente franzina, daquelas pessoas pelas quais ninguém daria grande coisa, como se diz por aí. Mas, afinal, haviam passado bem uns dez anos.
Ela responde com um quilo de informações. Uma revolução acontecera em sua vida. Saíra de casa havia uns quatro anos. Saíra em paz, que ficasse claro. Estava fazendo missões. Alistara-se na Jocum (Jovens com uma Missão), fizera cursos, conhecera mais de Deus e da necessidade do campo missionário. Havia conhecido várias partes de um Brasil que não aparece nos livros. A pobreza, os contrastes, a riqueza cultural dos interiores, a alegoria de tantas capitais, as operações de impacto, os treinamentos, tudo era parte de um novo estilo de vida. Aliás, chegara a ir até a Bolívia! Desfrutava agora de um rápido recesso de natal, estava com os pais, permanecia solteira e feliz. No momento, rolando uma movimentação para um treinamento em algum país do exterior. Deus estava operando de forma miraculosa em sua vida.
– Uau!!! E os pais? – pergunta ele. – Deixaram você sair assim, numa boa?!
Os pais acabaram entendendo. Claro, com alguma dificuldade que todo pai e toda mãe têm, principalmente no início e especialmente a mãe. Mas acabaram abençoando, compreendendo que era da vontade de Deus. E a vida corria. Muitas lutas, muitas mesmo! Mudanças no caráter (Xiiii, de montão…!). Seria necessário um dia inteiro para contar tudo.
A moça demonstrava alegria em falar de suas experiências e parecia agonizar a impossibilidade de relatá-las todas, com detalhes. “Taí”, ele poderia ir à IBAN (Igreja Batista da Asa Norte), no domingo seguinte, e ouviria com detalhes. Ela daria uma palavra ali, antes de o pastor pregar, no culto da manhã!
O rapaz declinou. Iria fiscalizar provas, a serviço do IDR (Instituto de Recursos Humanos), exatamente naquele domingo. Era preciso manter a casa, e aquela fiscalização de provas chegara em boa hora. “Sabia que o IDR paga na hora…?” Mas havia, além disso, um mistério em sua fisionomia. Ele, que nesta altura já era um jovem adulto, afinal os anos haviam passado, mantinha a expressão que denunciava um misto de admiração, espanto e melancolia. Havia sido um líder espiritual da atual missionária da Jocum, na década anterior, quando ela teria seus doze ou treze anos; ele, já naquela época, seus vinte e dois. O que pode não parecer nada hoje faria toda diferença tempos atrás: a distância de dez anos entre um e outro. Fora ele quem introduzira elementos novos à metodologia de ensino daqueles meninos e meninas. Coisas como teatro, expressão corporal, pantomimas, elementos tão comuns hoje, mas que, naquele tempo, eram grandes novidades (havia até quem perguntasse se aquilo era de Deus). Felizmente, o pastor Peter (americano, cabeça boa) aprovava, incentivava o ministério com os jovens. “Ah, o pastor Peter, gente boa… voltou pros Estados Unidos…” E lá saíam eles, com o apoio do gringo, apresentando em várias igrejas, colégios, praças no Plano Piloto, nas satélites, em regiões periféricas, lugares perigosos… eram anos maravilhosos, aqueles! Que saudade…
Haviam sido com ele as reuniões de crescimento cristão. Ele se mostrava um jovem apaixonado por Jesus, daqueles do tipo que cada adolescente queria ser quando crescesse. Eram reuniões de louvor tão intenso, de dedicação tão rara. Riram dos sustos, das brincadeiras, dos micos – enfim, daquele tempo que ficara marcado. Nessa altura, a moça já percebia esse “qual quer que seja” de diferente no olhar do rapaz. O que seria? Não se sentindo confortável o suficiente para perguntar, tratou de ir encerrando a conversa. Estava na cara que ele não era mais o mesmo que ela havia conhecido nos seus tempos de adolescente, e isso parecia querer afetar seu emocional. No fundo, no fundo, a menina temia ouvir algo que não queria.
O tempo da conversa fora o bastante para que, antes do final, surgisse em cena uma jovem senhora. Logo depois, um menino provavelmente de oito ou nove anos. Ele os apresenta timidamente.
– Esta é Suzana, minha esposa. E este é o Ígor – diminuindo a voz, ao dizer: – …filho dela…
Os dois cumprimentam a jovem missionária, de forma um tanto fria. A chegada deles mudara o clima da conversa, que se tornou, de um minuto para outro, insípido. O ex-líder juntou-se a sua família, e os três seguiram a pé, como quem ia para o terminal rodoviário. O contador de histórias que vos fala não pode ir além do que está descrito aqui. E a nossa jovem missionária ficou ali, no meio do mundo e do vai e vem das pessoas, abobada, sem saber exatamente que fim levara seu líder, o rapaz que um dia lhe inspirara tanto ardor pelo reino de Deus e sua justiça.
por Zazo, o Nego