Jogos Vorazes

Embora baseado em um romance para jovens adultos, Jogos Vorazes (“The Hunger Games”, 2012) não é o fofo “Crepúsculo”. Não é um “filme adolescente”, mas um filme sobre uma adolescente – uma forte personagem cuja história merece ser contada. Também não é uma adaptação feita às pressas para ganhar vantagem sobre a cultura popular. É um filme bem feito com uma inspiração genuína, inovação criativa, e que sabe o que quer dizer.

É assim que fica uma adaptação de literatura adolescente quando o assunto é respeitado, quando o público não foi comprado, e quando o material original é uma história forte.

“Jogos Vorazes” é uma envolvente ação/drama amarrada a uma crítica social e uma distópica ficção científica. Mas, acima de tudo, é a história de uma menina e sua inocência esmagada.

Jennifer Lawrence, que interpreta o papel de Katniss Everdeen, descreveu a série de livros Jogos Vorazes escrita por Suzanne Collins como um tipo terrivel de espelho: é isto o que a nossa sociedade poderia ser se nos tornássemos insensíveis à dor uns dos outros.

Vemos essa sociedade pelos olhos de Katniss, uma menina de 16 anos que vive em Panem, uma sociedade surgida das cinzas do colapso da América do Norte. Há muito tempo atrás, os distritos de Panem se rebelaram contra seu governo Capitol e têm pago caro desde então: dois adolescentes de cada distrito, chamados de “tributos”, são selecionados todos os anos a participar dos Jogos Vorazes, uma luta até a morte onde há apenas um vencedor.

A maioria dos tributos são selecionados por sorteio e as chances de ser escolhido aumenta cada vez que eles pedem alimentos ao Governo. Algumas crianças, nos distritos mais chegadas ao Capitol, são nascidas e criadas como campeões.

Parte entretenimento, parte intimidação brutal, o televisionado Jogos Vorazes é um reality show insano. Suas chamadas são mais ou menos assim: O sobrevivente encontra o homem foragido, que encontra o jogo mais perigoso.

Após ler os livros eu tinha duas questões centrais sobre o filme. As histórias são contadas na voz da primeira pessoa de Katniss, então estamos sempre atentos sobre seu diálogo e agitação interna. Ela poderia agir de uma forma para as câmeras onipresentes do Capitol, mas pensar de outra. Dos livros aprendemos que Katniss é forte, brilhante, uma jovem mulher complexa, guiada pelo amor sacrificial e responsabilidade por sua família — mas é forçada a amadurecer além dos seus anos que passou de pobreza, perdas, opressão e pesar.Ela experimentou a verdadeira angústia, raiva e nojo em como Capitol a manipula. Será que o filme conseguiria capturar o que estava se passando em sua mente?

A resposta é sim, graças à excelente atuação de Jennifer Lawrence. As emoções de Katniss são expressadas de forma natural e bela através de movimentos, expressões, tremores, ou até mesmo na mudança sutil do seu tom de voz. Lawrence mostra a nuance, profundidade e profissionalismo que rendeu a ela a indicação ao Oscar por “Inverno da Alma” (Winter´s Bone, 2010). Lawrence parece se superar neste papel.

Minha segunda pergunta era como o filme poderia lidar com violência tendo crianças envolvidas. Uma coisa é ler isto no livro, outra coisa assistir. De fato os livros comunicam uma mensagem de antiviolência através da violência. O editor de Collins disse que a autora escreveu brilhantemente: “A linha divisória que usa uma critica à violência, usando violência, é uma linha muito fina.” Será que os filmes poderiam fazer o mesmo sem “glamurizar” ou tentar camuflá-la?

Novamente sim, porque o diretor Gary Ross parece ser sensível a este respeito. Ele dá ao filme um tom tenso de medo, devastação, sofrimento e opressão com lampejos de humanidade. A maioria das mortes ocorrem longe das câmeras ou com flashes rápidos. O que vemos são tomadas de crianças mortas como lembretes de que isto é horrível, e que cada vida e morte importam.

Collins, um tradicional escritor da TV, trabalhou no roteiro com o escritor Billy Ray e o diretor Ross. Assim como toda adaptação de livro, algumas tramas, relacionamentos e motivações são abreviadas e algumas imediatamente descartadas. Essa subtração e simplificação no geral funcionam. Por exemplo, a história de amor (embora não seja principal no primeiro livro) é deixada de lado. As reais vitórias estão nos extras. Cenas fantásticas estão incluídas para explicar melhor o contexto por trás das decisões de Katniss e as manipulações ilustres do Presidente Snow (um reservado Donald Sutherland).

Assim como no livro, as atitudes dos personagens nos Jogos são positivas. Katniss faz o que é necessário para proteger aqueles a quem ama; ela carrega arrependimento e nojo pelo que é forçada a fazer. O colega dela do Distrito 12 é Peeta (Josh Hutcherson) que deseja apenas manter quem ele é, e não ser mudado, a fim de mostrar ao Capitol que ele não o pertence.

Tributos de alguns outros distritos foram escolhidos apenas para isso – matar para ganhar. Matar seu par não é mais real do que num vídeo game. Na cena mais impressionante aparecem esses tributos sendo lançados na arena da floresta com uma atitude despreocupada e até zombeteira frente a uma garota que eles tinham acabado de massacrar.

Enquanto os outros distritos olham os Jogos com horror e uma má impressão, os privilegiados, mimados e ridículos cidadãos do opulento Capitol amam cada minuto — assim como nós amamos futebol ou qualquer reality show que é apresentado. Para eles essas mortes são apenas um bom show.

Assim como muitas boas fábulas de ficção cientifica, Jogos Vorazes diz muito sobre nós: Nossa cultura voyeurística, aquele entretenimento de distração fútil, o equilíbrio de compaixão e auto-preservação, a inter-conectividade entre aqueles que têm e os que não têm, esperança e medo como agentes de controle e a perda da inocência nas crianças.

Um dos meus momentos favoritos acontece assim que começa o filme. Katniss fuge para a floresta e, enquanto descansa, uma borboleta pousa em sua perna, e em uma questão de segundos seu rosto brilha, ela volta pra casa como uma garota, e então ela é levada de volta à dura realidade onde nunca mais será livre ou inocente de novo.

PARA DISCUTIR SOBRE O FILME

  1. O que você acha que este filme quer dizer sobre o uso da violência?
  2. Como o filme fez você se sentir sobre os realities shows? A respeito dos pobres? Crianças forçadas à escravidão ou à guerra? Ao Governo?
  3. Assistir a um filme de morte, programa de TV, ou vídeo game te deixa irritado? Deveria? Este filme nos faz imaginar um futuro onde nossos centros de entretenimento giram em torno de morte. Isso pode acontecer? Gale diz: Talvez as pessoas parem de assistir, Katniss discorda: “Eles sempre assistirão”. O que você acha? Por que nós assistiríamos isso?
  4. É hipocrisia para um filme (ou um livro) dizer: “É errado ser entretido por violência” quando este usa grande dose da mesma? Por quê?
  5. A atriz que interpreta Katniss diz “É isso que nossa sociedade pode ser se nos tornarmos insensíveis aos problemas e traumas uns dos outros”. O que ela quer dizer? O que significa pra você ser sensível aos problemas dos outros? Como você pratica compaixão e empatia?
  6. Haymitch diz ao criador de Jogos Vorazes para focar em romance afim de distrair as pessoas de sua raiva e tumulto do dia a dia. Como o entretenimento te distrai do que realmente importa?
  7. O Presidente Snow fala a respeito de esperança e medo quando da necessidade de controlar pessoas. O que você acha disso? Você já se sentiu manipulado por esperança ou medo?

Fonte: Christianity Today
Traduzido por Samira Alves
Usado com permissão