Maluf e quem mais?

Amigos, é só vivendo para descobrir as surpresas que a vida pode nos oferecer. Acabo de escrever que a cena de um americano saqueando um supermercado era inimaginável. Mas quem poderia supor, no melhor dos sonhos, que um dia veríamos algum integrante do clã Maluf atrás das grades? Bem, “atrás das grades” é força de expressão, porque segundo a descrição da imprensa, Paulo e filho estão num local “pequeno, sem comodidades, com uma cama comum e uma poltroninha de um lugar e sem grades”. Mas o que vale é a prisão, com todo seu conseqüente constrangimento e opróbrio. Pode bem ser que antes de eu terminar este artigo, os advogados terão conseguido um hábeas corpus e ambos já estejam em liberdade. Mas que já deixa um gostinho na boca do brasileiro, especialmente dos paulistas, isso é inegável.

Pena que não haja espaço para colocar todos os outros bandidos, gatunos do erário público, quadrilheiros baratos, saqueadores do imposto suado do povo. Faltariam prisões e sobrariam honorários para advogados contratados a peso de ouro. Você, cidadão comum, se não pagar a conta do seu telefone, eles cortam na hora e mandam seu nome para o SPC. Mas os salafrários ladrões da pátria continuam soltos. E mesmo quando presos por alguns instantes, não devolvem o que roubaram.

É incrível, mas alguns (até cristãos) justificam tudo isso com base no “rouba-mas-faz”. Hoje vi um entrevista de um deputado que se disse “crente”, defendendo o Roberto Jefferson e ainda dizendo que ele deveria ser tratado com “o maior respeito”, que merecia mais um mandato de prêmio ao invés de ser cassado. Segundo esse “irmão”, ao delatar o Mensalão ele cumpriu seu papel como cidadão honrado. Questionado sobre o fato de Jefferson ser réu confesso, ele disse que “o que ele fez era diferente, era outra coisa”. Pode acreditar. Tem gente que acha isso. A noção de “certo” e “errado”, que deveria transcender a cor política de cada um, realmente não existe.

Agora surge um empresário descarado em Brasília tentando pousar de herói. O camarada consegue a concessão do restaurante da Câmara dos Deputados à base de propina. Aí, consegue a façanha de não ter dinheiro para honrar o “compromisso” e fica em maus lençóis. E se ele não ficasse em situação difícil, teria denunciado? Não nos enganemos com este circo. Este camarada também tem que pagar pelo que fez. Ele devia ter vergonha de vir à frente das câmaras, com aquela cara de quem está prestando um grande serviço à nação, quando na verdade está apenas confessando para todo o país a safadeza com a qual se meteu. Tem mais é que quebrar mesmo para aprender a trabalhar honestamente. Quem faz acordo com bandido não pode esperar virar menos do que refém.

A história que se repete e que todos os dias vem à tona é o reflexo dos valores e princípios que pautam nosso povo. Recente pesquisa indicou que a maioria dos brasileiros que reprova os escândalos e a gatunagem não faria diferente se tivessem uma chance. Seriam corruptos também. Só ficam revoltados porque não foram eles que conseguiram chegar lá.

Não podemos perder a capacidade de indignação diante de tudo isso. Não podemos nos acostumar a isso e achar tudo normal. Independente da expectativa de mudança ou da esperança em novos quadros e governantes, que mais uma vez e sempre será frustrada, é preciso que a gente não perca de vista que ainda existe o “justo” e o “perverso”. O “ético” e o “imoral”. O “decente” e o “safado”.

Porque no instante em que deixarmos estes conceitos serem acinzentados pelo pensamento corrente, até o que é sal vai virar areia e perder sua propriedade de contraste. Tudo passará a valer. O pensamento pós-moderno, ecumênico, abarcador de correntes opostas, conciliador de valores antagônicos, pluralista e sem absolutos passará a imperar. E aí o caos será inevitável não apenas no sistema pervertido e corrupto, mas nas nossas vidas pessoais também.

Hoje de manhã li o trecho da tentação de Cristo no deserto. O diabo mostrou-lhe “os reinos do mundo e as glórias dele”. Não é à toa que diante de Pilatos, Jesus declarou: “o meu reino não é deste mundo”. Por aqui, os reinos se estabelecem e se perpetuam nesta base. Há muito de diabólico por trás disso tudo.

Por isso, não quero comungar, concordar e, acima de tudo, silenciar diante de tudo o que se passa.